Quando entrarem em quadra às 22h (horário de Brasília) desta quinta-feira (2) em em San Francisco (Estados Unidos) para começarem a decidir o título da NBA de 2021/22, as equipes do Boston Celtics e Golden State Warriors vão protagonizar um dos exemplos mais peculiares de embate entre passado e presente. O Boston Celtics é o maior vencedor da história da liga norte-americana, com 17 títulos – o mesmo total d Los Angeles Lakers, com quem compartilha a maior rivalidade dos 75 anos de existência da associação. Já o Golden State possui seis, sendo a metade deles conquistada de 2015 para cá, quando enfileirou cinco finais consecutivas – as quatro primeiras contra o Cleveland Cavaliers – uma sequência até então inédita. No entanto, os dois antagonistas da decisão de 2022 praticamente não têm traços de rivalidade entre si. Disputaram o título apenas uma vez, em 1964. Mas não é aí que mora a grande curiosidade desse confronto de (afastados) gigantes.
Boston, mesmo com tamanha história vencedora, conquistou apenas um dos 17 troféus de sua coleção nos últimos 35 anos (em 2008). Não ia a uma final desde 2010. E, em seu elenco, não possui sequer um atleta que já tenha atuado em uma partida de Finais. O caso mais emblemático é o do ala-pivô dominicano Al Horford. Na véspera do aniversário de 36 anos, ele vai encerrar um jejum que o colocou em uma lista de recordistas da liga. Após 141 jogos em playoffs, ele finalmente atuará em um duelo de uma série final da NBA. Ninguém nunca havia feito tantas partidas de mata-mata antes de enfim alcançar o palco principal do basquete mundial.
Em suma, se historicamente a equipe é quase sinônimo de domínio na liga, no passado recente é um time em ascensão chegando pela primeira vez a um patamar que falhou em atingir quatro vezes na última década, quando parou nas finais da Conferência Leste (2011-12, 2016-17, 2017-18 e 2019-20).
Por outro lado, o adversário desta decisão praticamente reconstruiu do zero sua reputação no imaginário coletivo por meio de uma geração extremamente vitoriosa que, assim como o Celtics atualmente, desembarcou nas Finais sem experiência prévia alguma. Em 2014-15, Stephen Curry, Klay Thompson e Draymond Green debutaram na decisão carregando Golden State a um título depois de 40 anos. Desde então, transformaram o time em talvez o produto mais reconhecível da NBA no mundo. Para se ter uma ideia, ao explodir em meio à era das mídias sociais, o Warriors decolou para se tornar a franquia com mais seguidores entre todas as 30 no Instagram (23,4 milhões), mais até do que o Lakers e quase quatro vezes mais do que o Celtics e também tem quase o dobro de seguidores no Twitter em relação ao time que enfrenta na decisão (7,4 milhões contra 3,8 milhões).
Somados, os atletas do Golden State Warriors têm 123 partidas de Finais no currículo, que os tornaram lendas vivas da liga, com títulos e reconhecimento. Algo que os adversários em quadra ainda perseguem. Os principais nomes do Boston Celtics ainda são jovens. Jaylen Brown tem 25 anos e Jayson Tatum, 24.
“Não vai ser fácil. Sabemos que temos uma tarefa dura pela frente. Eles já estiveram aqui várias vezes, venceram várias vezes. Mas estou ansioso para esse momento”, revelou Tatum após a classificação para a final.
Curry, a estrela maior do confronto, parece ciente também do tamanho do desafio de aumentar o legado pessoal e da equipe – que, em caso de título, passaria o Chicago Bulls e se isolaria como a terceira com mais conquistas, atrás apenas justamente de Boston Celtics e Los Angeles Lakers.
“Eles têm um grande grupo, que atua junto pelos últimos quatro, cinco anos e provaram que estão prontos para a batalha. É um time redondo, mas chegamos confiantes, sabendo que podemos vencer. Mas obviamente os respeitamos, com Tatum, Brown, Marcus Smart, Al Horford. Tenho certeza que eles estão tão motivados quanto nós estamos”, acredita.
Construção dos times
Nem só de opostos vive essa decisão. A grande semelhança entre as equipes está na construção dos elencos. Como não existem categorias de base na NBA, o mais próximo que uma franquia chega de efetivamente formar um atleta é ao selecioná-lo no draft, o recrutamento de novatos que acontece toda temporada. Tanto Boston quanto Golden State confiaram no processo a longo prazo, desenvolvendo seus jogadores internamente ao invés de frequentemente ir buscar no mercado por novos nomes.
Nos dois times, cinco dos sete atletas com maior minutagem nesses playoffs chegaram às equipes via draft. A peça mais antiga do Warriors é Stephen Curry, selecionado em 2009. Jordan Poole, de 22 anos, chegou em 2019. No Boston, o time atual começou a ser formado com a chegada de Marcus Smart, sexta escolha do draft de 2014. Também em 2019, o time selecionou Grant Williams. Esse crescimento orgânico das duas equipes contrasta com o que acontece ao redor da liga, que vive uma das épocas de maior movimentação de estrelas entre times. Ambas as equipes também já buscaram astros no mercado (Kyrie Irving em Boston, Kevin Durant em Golden State), mas as formações atuais já não contam mais com esses talentos e se utilizam muito mais da “prata da casa”.
No meio da NBA, os adversários têm em comum a ênfase em criar uma boa cultura de basquete, que facilita na lapidação dos jogadores.
“Para mim, cultura significa o que os atletas sentem quando entram no ginásio todo dia. O que eles experimentam? Qual é a sensação? Seja lá o que for, essa é a cultura. Mesmo quando tivemos a pior campanha da liga dois anos atrás, permanecemos fieis a isso. Trabalhando, desfrutando e entendendo que esse é um lugar para eles melhorarem e aproveitarem o máximo do talento deles. Estamos aqui para isso”, opina Steve Kerr, técnico do Warriors desde 2014.
Outro ponto de semelhança entre as equipes é a aptidão para a defesa. No quesito eficiência defensiva (pontos cedidos a cada 100 posses de bola), o Celtics foi o primeiro e o Warriors, o segundo, durante a temporada regular. A expectativa é de ver não apenas um duelo de quem pontua mais, mas principalmente quem dificulta mais a vida do outro. E por falar em dar trabalho, durante os anos de ouro de Golden State, de 2014 para cá, apenas uma equipe tem mais vitórias do que derrotas contra os bichos-papões da era moderna da NBA: justamente o Boston Celtics, com nove triunfos e sete revezes.
“Jogamos bem contra eles esse ano, inclusive com uma vitória convincente no fim da temporada regular (110 a 88 em 16 de março). Obviamente é um desafio complicado, mas acredito que estamos preparados para o desafio de defender todas as ações deles fora da bola, com todos os grande arremessadores que eles têm”, expõe o técnico Ime Udoka, em sua primeira temporada como treinador de uma equipe da NBA e que, curiosamente, já esteve em duas finais como assistente técnico do San Antonio Spurs (vice em 2013 e campeão em 2014).
Fonte: EBC – Rio de Janeiro