Com a derrota nas eleições desse domingo (30), o presidente Jair Bolsonaro (PL) perderá em 2023 o direito ao foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado. Primeiro presidente não reeleito da história do Brasil, Bolsonaro passará a responder a processos na Justiça comum, a partir de 1º e janeiro do próximo ano. O que aumenta as possibilidades de responsabilização penal.
Até então, como presidente, ele só poderia ser alvo de investigações criminais autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O mandato também garantia que somente a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderia oferecer uma denúncia contra o presidente na Justiça. Além disso, para que ela fosse aceita pelo órgão, ela também deveria ser autorizada pela Câmara dos Deputados. Só então o chefe do Executivo poderia ser julgado pelo STF, podendo responder pela pena correspondente ao crime e passível de perda do cargo.
Sem a presidência, os processos em curso que envolvem Bolsonaro descem para as instâncias ordinárias. No caso de investigações que estão nas mãos da PGR, elas passam para a competência do Ministério Público. Assim como os processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também são remetidos para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) da região onde houve suspeita. A Polícia Federal, por sua vez, poderá fazer apurações sem autorização do Supremo.
Quatro inquéritos
Bolsonaro também perde a partir de 1º de janeiro de 2021 o direito de ser defendido pela Advocacia-Geral da União (AGU). Novas ações contra ele também poderão ser movidas por procuradores ou promotores contra o ex-presidente, que responderá a um juiz de primeira instância.
Um levantamento da BBC News Brasil aponta que, até o momento, há quatro inquéritos, em andamento no STF, em que Bolsonaro é investigado. Um deles trata da investigação sobre a divulgação de notícias falsas sobre a vacina contra a covid-19 (INQ 4888).
Notícias falsas sobre a vacina
Em outubro do ano passado, o presidente da República divulgou uma informação falsa ao vivo em suas redes sociais associando o imunizante ao “desenvolvimento da síndrome de imunodeficiência adquirida (aids)”.
O caso passou a ser investigado pela PF sob supervisão do STF. Em agosto deste ano, um relatório da Polícia Federal concluiu que o presidente cometeu crime pela fala falsa contra a vacina. No mesmo mês, o ministro da corte Alexandre de Moraes, que é relator do caso, enviou ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, o pedido de indiciamento de Bolsonaro. Visto como um aliado do mandatário, Aras até o momento não denunciou o caso.
Com o fim de seu mandato, que começou em janeiro de 2019, Bolsonaro passará a responder por esse caso para o Ministério Público Federal que poderá enviar a denúncia à Justiça Federal.
Vazamento de dados sigilosos
Além desse inquérito, ele também é investigado pelo vazamento de dados sigilosos de um ataque ao TSE (INQ 4878). O caso foi aberto a partir de uma notícia-crime enviada pelo TSE e autorizada por Moraes, também relator do caso. Durante uma live, em agosto de 2021, Bolsonaro vazou dados de uma investigação envolvendo um ataque hacker contra a Justiça Eleitoral, com o objetivo de atacar a credibilidade das urnas eletrônicas. Em fevereiro deste ano, a delegada da Polícia Federal Denisse Dias Ribeiro reafirmou que Bolsonaro cometeu crime ao vazar, pelas redes sociais, dados do um inquérito sigiloso.
A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu, porém, que a investigação fosse arquivada. Mas o pedido foi negado pelo STF com a justificativa de que a PGR não poderia impedir uma investigação policial que não foi requisitada pelo próprio órgão. Pelo posicionamento da procuradoria, com o foro era improvável que Bolsonaro fosse denunciado. Mas, com a consequente derrota nas eleições, ele poderá ser indiciado agora pela PF e denunciado à Justiça pelo MP.
Inquérito das fake news
O terceiro inquérito contra Bolsonaro trata de fake news e apura os ataques e as notícias falsas contra ministros do STF (INQ 4781). Essa investigação está em curso desde 2019 no Supremo e está ligada a outro inquérito sobre a atuação de milícias digitais para atacar a democracia no Brasil. Bolsonaro, porém, foi incluído no processo em agosto de 2021, a pedido do TSE.
A abertura do inquérito foi uma resposta do tribunal aos repetidos ataques do presidente da República à Justiça Eleitoral e ao próprio processo eleitoral, para pressionar pelo voto impresso. A investigação é sigilosa e está em tramitação no Supremo.
PF e CPI da Covid
Já a quarta investigação em curso diz respeito às denúncias de interferência na Polícia Federal (INQ 4831). O caso veio à tona após o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro deixar o governo, em 2020, afirmando que o presidente da República fez tentativas de interferir indevidamente na atuação da PF. Apesar disso, a previsão é que o inquérito seja arquivado, uma vez que a PGR se manifestou afirmando a inexistência de provas suficientes para imputar o crime a Bolsonaro. O órgão também pediu pelo arquivamento, que deve ser acatado pelo STF.
Mas, se não for arquivado até janeiro, ele também passará para a competência da Justiça comum. Bolsonaro ainda responde por denúncias de crimes e irregularidades apontadas no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Por conta de sua gestão na pandemia, ao presidente foram imputados os crimes de charlatanismo, prevaricação, infração de medida sanitária preventiva, emprego irregular de verba pública e epidemia com resultado de morte.
A dois meses do fim do ano, a avaliação, no entanto, é que é pouco provável que a PGR denuncie Bolsonaro. Ao contrário, para cinco das denúncias Aras e Lindôra já pediram o arquivamento ao STF. Na Justiça comum, o Ministério Público poderá reabrir o caso, mas somente se houver novas provas.
Sigilos derrubados
Além disso, assim que deixar a presidência da República, Bolsonaro também terá que lidar com o fim do sigilo de 100 anos imposto por ele a vários decretos presidenciais durante o mandato. Em julho, por exemplo, o Palácio do Planalto decretou sigilo sobre os encontros do mandatário com os pastores lobistas do MEC Gilmar Santos e Arilton Moura. Ambos são investigados pela operação de um esquema de desvios de recursos da educação para municípios em troca de propina.
No mesmo mês, a Receita Federal impôs sigilo de 100 anos em processo que acusa o órgão de atuar para auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”.
Durante a campanha eleitoral, seu adversário, eleito presidente pela terceira vez neste domingo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu derrubar os sigilos. Como chefe do Poder Executivo, Lula poderá modificar o artigo 31 da Lei de Acesso à Informação (LAI) que versa sobre o sigilo de 100 anos. Para isso, será preciso apresentar um projeto de lei ou baixar uma medida provisória. Outra possibilidade de mudança é alterar o decreto 7.724, que regulamenta a LAI.
A exposição do sigilo vem sendo um dos temas mais comentados após a derrota de Bolsonaro.
Confira algumas repercussões
Ei Michelle, não adianta se separar não. Quando o sigilo de 100 anos cair nós vamos atrás de vc de qualquer jeito https://t.co/O7VhTefbSS
— Preta Ijimú (@Nailahnv) October 31, 2022
Sigilo de 100 anos passa a ser de dois meses pic.twitter.com/WkG03NyLNw
— Sensacionalista (@sensacionalista) October 30, 2022
https://twitter.com/JairBolsonano_/status/1587093423135260681?s=20&t=0NIi4sJIXjFCMfqXoBUIyA
o maior chá revelação vai ser o do sigilo de 100 anos do bolsonaro pic.twitter.com/agl0KANCRD
— xmaicow (@xmaicow) October 31, 2022
eu to tão ansiosa pro lula quebrar o sigilo de 100 anos do jair meu pai amado
minha alma de fofoqueira nunca foi tão bem alimentada pela ansiedade
— alvaro (@alvxaro) October 31, 2022
(*) Com informações da BBC News Brasil e do UOL
Fonte: Rede Brasil Atual