Oposição e especialistas criticam PEC do governo que inclui desoneração do ICMS do diesel e do gás de cozinha e compensação aos estados e municípios, além de zerar impostos federais sobre a gasolina. Medidas para baixar os preços são vistas como eleitoreiras
O presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou ontem (6) uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para reduzir os impostos sobre os combustíveis em ano eleitoral. A quatro meses do pleito e em situação desfavorável nas pesquisas por conta da alta na inflação, Bolsonaro propôs um subsídio aos estados e municípios e a desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do diesel e do gás de cozinha. As medidas valeriam, no entanto, apenas até 31 de dezembro.
O governo condiciona a compensação aos entes da federação à aprovação, no Senado, do Projeto de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que limita a 17% a alíquota do ICMS sobre energia elétrica, combustíveis, gás natural, comunicações e transportes coletivos. Como contrapartida, a União subsidiaria os estados pela diferença entre a alíquota de 17% e zero. Como forma de pressionar a redução dos tributos estaduais, o presidente disse que também poderá zerar os impostos federais (PIS/Cofins e CIDE) sobre a gasolina e o etanol. “Isso se faria valer imediatamente na ponta da linha”, prometeu Bolsonaro em pronunciamento no Palácio do Planalto ao lados dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Segundo o governo federal, a ideia é que, com a aprovação do PLP 18/22, a PEC seja também logo sancionada para as medidas de redução entrarem em vigência.
Governo não sabe o custo
O ministro da Economia, Paulo Guedes, que também estava presente no evento, não informou qual seria o impacto da proposta na ocasião. Apenas após o fim do pronunciamento, em declaração à imprensa, Guedes comentou que ela custará entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões, sem especificar. Ainda segundo ele, este valor não seguirá as regras do Orçamento e ficará fora do teto de gastos e da meta fiscal. “Trata-se de uma transferência extraordinária de recursos”, alegou o ministro.
Guedes também disse cogitar usar os recursos da privatização da Eletrobras para compensar a redução do ICMS sobre o diesel. Ao jornal Valor Econômico, o presidente do Senado afirmou, contudo, que espera uma solução consensual para reduzir o ICMS sobre combustíveis. Mas Pacheco reiterou a preocupação dos governadores sobre a proposta do governo Bolsonaro. E não apresentou uma data para votar o PL 18/22 que impõe o teto de 17% sobre a gasolina e o óleo diesel nos estados.
Proposta eleitoreira
A oposição e analistas também apresentam ressalvas quanto à iniciativa da gestão Bolsonaro que avaliam como “eleitoreira” e “insuficiente”, já que a redução dos impostos valeria apenas até o fim deste ano.
“A ótica míope é apenas zerar impostos e sufocar os estados”, criticou o senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da minoria no Legislativo. Para Prates, foram 18 meses de inércia do governo federal que agora apresenta uma proposta “atabalhoada” para não mexer na Política de Preços Paritários de Importação (PPI), considerada a verdadeira responsável pela explosão nos preços dos combustíveis. “Paulo Guedes finalmente assina a obra prima ultraliberal: o país autossuficiente com refino de 80% que desonera combustíveis fósseis e sacrifica receita pública da Educação, Saúde, Segurança e Assistência Social nos estados e cidades para blindar especuladores e importadores”, contestou o senador em sua conta no Twitter.
Para o petista, Bolsonaro e Guedes “não querem mexer no preço dos combustíveis, só disfarçar com subsídio e desoneração de cunho eleitoreiro”. “Reduzir impostos indiretos é positivo mas insuficiente. Solucionar estruturalmente exige trabalho e inteligência”, emendou.
O deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ) também questionou o corte em áreas sociais, como a Educação. “Eu queria entender. Como Bolsonaro diz que vai assumir a perda de arrecadação dos estados com o ICMS dos combustíveis em até 50 bilhões se cortou 1,6 bilhão da educação? Mexer na paridade de preço de importação não pode, mas deixar a rede federal de ensino sem água e luz pode?”, tuitou o parlamentar.
Responsabilidade fiscal? Não tem
A professora de Macroeconomia do Instituto de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ) Margarida Gutierrez analisa que a medida pode ser até ser benéfica no curto prazo. Mas não é sustentável. “Evidentemente que isso é coisa de ano eleitoral. É uma solução que pode baixar o preço do combustível, sim. Isso vale até 31 de dezembro. E ainda bem que não é uma política de preços definitiva, pois é uma política que não sobrevive”, observou ao jornal O Globo. Ao veículo, o professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e advogado tributarista Fernando Zilveti completa que a PEC do governo Bolsonaro “fere todos os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal”.
“Dar um valor de renúncia fiscal de R$ 25 bilhões a R$ 50 bilhões é de uma imprecisão tremenda. É uma diferença de 100%”, contestou. Além disso, também é impreciso contar com a receita da privatização da Eletrobras e há o risco de que impacto seja mínimo ou nulo. “É impreciso do ponto de vista de finanças públicas e uma quebra do teto absurda. Além disso, não há garantia de que o diesel vá baixar de preço porque o produto está em falta no mundo, com estoques prejudicados, com furacões nos EUA. Há uma incerteza sobre os preços. O governo pode zerar os impostos, mas o preço continua alto. Não tem nada a ver com imposto”, frisou.
A crítica é compartilhada pela professora de Economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) que destaca que a conta será cobrada mais à frente dos brasileiros. “O governo sabe que tem pela frente um trabalho muito árduo de segurar a pressão de caminhoneiros e da população. Amanhã a gente continua pagando a conta de uma medida porque o governo não consegue encontrar uma forma estrutural de resolver”, conclui a economista.
Fundo de compensação
O ex-governador do Piauí e ex-coordenador no Fórum Nacional de Governadores Wellington Dias se manifestou por nota sobre a proposta do governo Bolsonaro. Dias considera que seria mais importante implantar um fundo de equalização/compensação dos combustíveis.
“Não depende de ninguém, só de decisão do Chefe do Executivo e estamos defendendo desde primeiro semestre de 2021. Pode o executivo alterar o tributo de outro ente da federação, sem cumprir regras da Constituição? Não, e ele sabe disto. O caminho escolhido é de quem sabe que é culpado pelo aumento dos preços dos combustíveis e não quer resolver! Parece birra contra os governadores, e o povo sofrendo”, afirmou Dias.
Na nota, Dias lembra que o Brasil que é autossuficiente em produção de Petróleo, e deixou de ampliar o refino no Brasil criando emprego e renda a um custo mais baixo: “o governo não seguiu nesse caminho, estimulou a importação. Assim ficamos na dependência do preço no mercado internacional”.
“Mas é possível uma medida imediata e provisória, enquanto dá solução de ampliação de refino no Brasil, é a criação do ‘Fundo de Estabilização e Compensação dos Preços dos Combustíveis’”, defendeu.
“De onde vem o dinheiro? Do próprio lucro abusivo do negócio dos combustíveis ! Quanto seria o lucro razoável da Petrobras em 2021? Algo como R$ 30 a R$ 40 bilhões e totalizou R$ 106 bilhões de lucro e a União lucrou com a desgraça do povo, com o aumento dos combustíveis, e ganhou em 2021 cerca de R$ 45 bilhões como sócia da Petrobras e este ano, só no primeiro semestre, a Petrobras já lucrou R$ 44 bilhões e deve chegar neste ritmo a perto de R$ 140 bilhões neste ano”, destacou.
Fonte: Rede Brasil Atual