Não confunda a série As Supermodelos, que estreou na Apple em setembro deste ano, com mero consumo de moda. Os quatro episódios têm sim uma qualidade estética e de estilo. Mas as quatro supermodelos não estão lá para apresentar tendências. Estão para mostrar a vida e o trabalho neste ramo tão peculiar.
Quem conheceu Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista e Christy Turlington no auge, quando elas reinavam absolutas em matéria de padrão de beleza e estilo, poderia até ter a impressão que elas saíram de um conto de fadas. A série desfaz essa impressão ao mostrar que elas vieram de famílias de classe média baixa, operárias e da zona rural. Começaram muito cedo, ainda adolescentes, como é de praxe nesta profissão, para angústia dos pais que, via de regra, nem sabiam que ser modelo era um trabalho.
Condizente com o tema, a série esbanja imagens legais das décadas de 1980 e 90, entrevista muitos fotógrafos, jornalistas e estilistas como Marc Jacob, John Galliano, além de mostrar personagens icônicos como Gianni Versace e Karl Lagerfeld.
Freedom! foi uma consagração na carreira delas
A tragédia de Versace, aliás, quando o estilista foi assassinado em 1997, é um ponto de virada na história. Versace era rebuscado e valorizava o glamour e a beleza. Depois dele, coincidência ou não, a moda passou a apostar em estilos mais despojados e minimalistas. Até mesmo o perfil das modelos mudou, ganhando espaço rostos considerados mais “neutros”, mais andróginos, não tão “perfeitos” como os das supermodelos.
Outro marco desta virada, foi a explosão do grunge em 1992. Importante pontuar, antes, que o vídeo clipe da música Freedom!, do cantor George Michael, de 1990, foi uma espécie de consagração na carreira delas. O vídeo, dirigido pelo cineasta David Fincher, mostra as modelos cantarolando “I won’t let you down, I will not give you up” em um apartamento vazio em tom intimista. O jogo de poses, de caras e bocas, com a luz certa e música instigante, tudo editado com muito refinamento pelo diretor de Seven, fez daquela pequena obra de pouco mais de seis minutos a síntese estética da virada da década de 1980 para 1990. Uma faxina simbólica varreu o excesso new wave, os mullets, as ombreiras e a maquiagem de gosto duvidoso. O que sobrou foi uma elegância essencial em uma atmosfera cult que o vídeo captou com precisão.
Mas Versace se foi e o grunge chegou atropelando toda a delicadeza do clima Nouvelle Vague reeditado no início dos 90´s. A carreira das supermodelos não durou. Na série fala-se na queda do Muro de Berlim como um evento que proporcionou a vinda de novas adolescentes esguias para ser modelos no ocidente. Fala-se sobre a crise econômica como um evento que derrubou o glamour e o exclusivismo da moda. Vem daí a força do grunge, com sua mensagem libertadora e para todos.
O fato é que os anos passaram e a história de Naomi, Cindy, Linda e Christy mostra que a mundo da moda oferece uma vida fugaz.
Elas são bastante francas ao contarem suas histórias. Eu vi ali certa melancolia. Talvez a série induza a isso ao dar ênfase àquele auge marcado por Freedom! e por Versace.
É um programa que vale por retratar bem uma época, com a moda que fazia sentido naquele momento. E, principalmente, com as mudanças de estilo e de comportamento que vieram seguidamente.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Veja o trailer da série:
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