O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (10), o Projeto de Lei Complementar 19/2019, que confere autonomia ao Banco Central (BC).
Articulado pela bancada do governo Bolsonaro e pelo relator da proposta, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), o PL contou com 339 votos favoráveis e 114 contrários, com apenas uma abstenção. O texto foi aprovado pelo Senado em 2020 e agora vai à sanção presidencial.
Mais uma vez, a medida foi duramente critica pela oposição, que aponta riscos políticos de maior interferência do mercado financeiro na economia brasileira.
As siglas PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e Rede foram as únicas a orientarem suas bancadas para votarem contra o PL.
Do outro lado, aprovaram a medida as legendas PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, DEM, Pros, Republicanos, Solidariedade, Podemos, PSC, Novo, Avante, Cidadania, Patriota e PV.
Atualmente, o BC é vinculado ao guarda-chuva administrativo do Ministério da Economia. Ao fixar a autonomia do órgão, o PL fixa mandatos de quatro anos para o presidente e os diretores da autarquia sem que haja uma coincidência com o mandato do chefe do Executivo.
O texto prevê que somente no terceiro ano de gestão de um presidente da República este indique os nomes que irão liderar o Banco Central.
A argumentação dos defensores da proposta é de que a regra garante uma “gestão técnica”, afastando supostos riscos de ingerência político-partidária e blindando o órgão de tais interesses.
No sentido contrário, a oposição aponta que o governo e seus apoiadores teriam adotado uma armadilha retórica para tentar aprovar o projeto em clima menos árido, já que a proposta é rejeitada por diferentes atores.
As siglas do campo defenderam que o BC deve ser conduzido de acordo com a cartilha política eleita nas urnas, portanto, conforme o projeto de cada chefe do Executivo.
Os seis partidos apontam que, pelas novas regras propostas, o PL fere a soberania popular. O grupo entende que a norma que determina mandato coincidente entre presidente da República e líder do BC seria uma espécie de resguardo mínimo em termos de condução do órgão de acordo com os interesses da população.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) citou como exemplo o caso atual, em que o país está sob a regência do governo Bolsonaro. “Vejam agora: um presidente da República com um perfil de extrema direita vai escolher os diretores e estes terão mandato ainda durante a presidência seguinte”, destacou.
“Se o povo escolher um presidente de outro perfil – por exemplo, de esquerda ou de centro –, o BC terá os diretores da extrema direita. Por essa razão, nós votamos ‘não’. Esse projeto interfere na vontade popular e dá aos banqueiros direitos que eles não deveriam ter”, completou o petista.
Obstrução
Ao longo da sessão, a oposição seguiu na linha de críticas à proposta e de tentativa de adiamento da votação. A estratégia é adotada pelo grupo quando se busca mais tempo para debater as propostas legislativas, mas o chamado “kit obstrução”, como é conhecida a iniciativa, terminou em derrotas que anunciaram o resultado da votação de mérito: os diferentes requerimentos de retirada de pauta apresentados foram vencidos.
O grupo seguiu pedindo também que o PL fosse postergado para votação após a pandemia, por não se tratar de uma questão relacionada à crise sanitária, tema considerado prioritário pelo segmento para este momento. A aprovação do mérito do texto veio um dia após o plenário aprovar a tramitação de urgência do PL.
O líder do PSB, Danilo Cabral (PSB-PE), esteve entre os que defenderam que a proposta tivesse análise prévia nos colegiados da Casa em vez de passar direto para o plenário, como ocorreu. Ele também destacou que o PL estimula uma maior ingerência do mercado privado sobre o interesse público.
“Temos muitas preocupações com as consequências dessa autonomia. A gente sabe que, infelizmente, o que se tem visto é uma relação promíscua entre aqueles que ocupam o cargo [de presidente do BC] e aqueles que retornam para o mercado. É uma pauta que deveria ter uma tramitação regular, discutir nas comissões e com a sociedade”.
Relator
O relator do PL, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), rejeitou todas as emendas (sugestões de alteração) apresentadas por parlamentares que tentaram negociar trechos do conteúdo do projeto e defendeu a aprovação da proposta pela Casa.
Entre outras coisas, ele argumentou que o assunto vem sendo discutido pelo Legislativo “há mais de 27 anos e é um tema da ordem mundial do dia”.
O deputado também reforçou o discurso de que a medida seria importante para “dar ao Brasil um novo padrão de governança monetária”, além de ser um “sinal importante ao mercado internacional”.
“Mais investidores verão o país como uma janela de oportunidades, fazendo com que tenhamos mais investimentos em portos, aeroportos, estradas”, completou.
Sociedade civil
Do lado de fora dos muros do Congresso, o tema também continuou sendo alvo de críticas de especialistas que defendem a manutenção da atual configuração institucional do Banco Central.
A Auditoria Cidadã da Dívida, por exemplo, que envolve diferentes atores da área de economia, exerceu pressão sobre os parlamentares por meio de uma mobilização virtual que pedia a rejeição da proposta.
A auditora fiscal Maria Lucia Fatorelli, que está à frente da entidade, afirmou, em nota à imprensa, que o PL é inconstitucional porque teria “vício de iniciativa”, pelo fato de tratar de uma reorganização relativa à administração pública federal sem que o tema tenha sido apresentado no PL pelo próprio Poder Executivo, já que é de autoria de um parlamentar.
Tecnicamente falando, segundo esse apontamento, o ato seria nulo por conter um vício de inconstitucionalidade formal, só podendo ser debatido pelo Congresso após envio de um PL pelo Executivo.
Em resposta a essa argumentação, colocada também por parlamentares de oposição, Arthur Lira disse que a fundamentação estaria no fato de o PL 19 estar apensado ao PLP 11/2019, que é de autoria do governo Bolsonaro e tem conteúdo semelhante.
Os opositores apontam que isso não afasta o vício de informalidade, já que o projeto votado e aprovado foi o do senador Plínio Valério (PSDB-AM).
“E o que justifica também a urgência para entregar o BC para banqueiros? A primeira tentativa dos bancos em se apoderar do BC foi em 1989 (PLP 200/89). Por que priorizar essa votação em plena pandemia, quando a sociedade civil não tem acesso ao Congresso?”, disse Fatorelli, em nota à imprensa.
“A prioridade deveria ser impedir o BC de remunerar diariamente a sobra de caixa dos bancos.”
STF
O deputado Kim Kataguiri (DEM-RJ), aliado da gestão Bolsonaro em diferentes pautas e defensor do mérito do PL, disse que a proposta pode ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Ele argumenta que a Corte já tem uma sólida jurisprudência a respeito desse tipo de questão e citou votos anteriores de alguns magistrados.
“O Supremo derrubará a autonomia do BC e estará correto, por conta do vício de iniciativa. Existia a Súmula Nº 5 do STF que dizia que a sanção de um PL assim supre a pauta do Executivo [afastando a necessidade de um PL próprio]”, disse o deputado.
“Essa súmula foi superada posteriormente. Ou seja, tanto na composição anterior do STF quanto na composição atual existe maioria no entendimento de que vício por iniciativa é insanável.”
Com isso, o parlamentar afirmou que o plenário estaria aprovando uma medida que pode não gerar efeitos práticos. “Depois o presidente vai reclamar que o Supremo não deixa ele governar, mas, na hora de governar, ele sequer tem a competência de articular politicamente a aprovação de um PL que esteja dentro da legalidade”, criticou Kataguiri.
Fonte: Brasil de Fato