Acidentes e falhas nas linhas privatizadas dos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), em São Paulo, prejudicam mais de 1 milhão de passageiros por dia e a situação vai piorar, afirma dirigente do sindicato dos trabalhadores que, assim como a CUT, sempre alertou sobre os riscos da venda de empresas públicas para a iniciativa privada.
O discurso do governador de São Paulo, João Doria (PDSB-SP), que repete a ladainha neoliberal de que “privatizar é modernizar, melhorar a prestação dos serviços e a administração” cai por terra quando trabalhadores correm risco de se acidentar em trens que precisam usar para se locomover, chegam tarde ao trabalho, com risco de ter o dia descontado.
É esse o drama de todos os paulistanos que precisam usar as linhas 8 (Diamante) entre a Júlio Prestes (centro da capital) e a cidade de Itapevi; e 9 (Esmeralda), com percurso de Grajaú (zona sul) à cidade de Osasco, privatizadas por Doria.
Desde que as duas linhas foram privatizadas pelo valor de R$ 980 milhões para a Via Mobilidade, que assumiu a gestão em 27 de janeiro, ocorreram falhas, acidentes, incêndios e um trabalhador haitiano morreu eletrocutado enquanto fazia manutenção na linha 9.
Num desses acidentes na quinta-feira (10), um trem da Linha 8-Diamante colidiu com uma barreira de proteção na estação Júlio Prestes. Duas pessoas ficaram levemente feridas e foram encaminhadas a um hospital.
Ao todo foram 14 problemas na linha 9, além de 10 falhas na linha 8. Isto representa mais ocorrências do que em todo o ano de 2021. Na linha 8 -Diamante houve 3 registros, e a 9-Esmeralda, 12 ocorrências, segundo um levantamento da reportagem da TV Globo de São Paulo.
O povo paga a salgada conta da privatização
Quando os governos privatizam empresas públicas, o comprador só se interessa pelo lucro cada vez maior. Com isso, a prestação de serviços piora, as tarifas sobem e o povo, além de pagar a conta e correr riscos, vê a prestação do serviço piorar.
Este é o drama vivido pelo gráfico Gilberto de Oliveira que nos últimos dias vêm sofrendo com atrasos, acidentes, falhas e superlotação nas linhas privatizadas da CPTM. Oliveira utiliza a linha 9 até Osasco e de lá ainda tem de pegar um ônibus até Taboão da Serra, onde trabalha e, cada vez tem sido mais difícil chegar no horário.
“Os intervalos entre os trens que antes eram de quatro minutos subiram para 10; as composições estão imundas, sem limpeza e os seguranças são trogloditas que atendem mal à população, além de deixarem circular vendedores ambulantes dentro das composições, o que é proibido”, desabafa.
Ele conta ainda que pega o trem por volta das oito da noite e volta às cinco e meia da manhã, e está sempre lotado, por causa do aumento dos intervalos. “Agora tenho de sair mais cedo de casa para dar tempo de chegar ao trabalho, às 9h50 da noite. Isto é de segunda a segunda e aos domingos, que também trabalho, o intervalo é ainda maior”, se queixa o usuário.
Queixas parecidas têm Erica Sousa, atendente de telemarketing que utiliza a linha 8. Segundo ela, o embarque às seis da manhã na estação Domingos de Moraes, é quase impossível e já ocorreram atrasos de até 40 minutos, na semana passada.
“São vários problemas. O trem está sujo com latas e papéis jogados nos bancos, o QR Code utilizado na bilheteria não funciona e nem o aplicativo TOP. Quando não funciona somos obrigados a comprar outros bilhetes. Se alguém sair sem dinheiro não pega o trem. Antes os seguranças que ficavam nos bloqueios trocavam a passagem, agora mandam a gente comprar outra”, diz indignada.
“Outro dia o trem estava tão rápido que passou do local que precisava parar na estação Santa Teresinha e teve de dar uma ré. Estou com medo de utilizar o trem, por falta de segurança, mas é o único meio de transporte que tenho para ir ao trabalho”, conclui Erica.
Processo de privatização sem transparência
Essa péssima experiência que tem sido vivenciada pelos usuários e os trabalhadores da base Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana é culpa de Doria, que fez um processo de privatização a toque de caixa e a via Mobilidade, a compradora que não treinou adequadamente seus novos trabalhadores, diz o presidente da entidade José Claudinei Messias.
“Um maquinista não se treina em apenas quatro meses. Isso gera muita insegurança para o usuário”, diz o dirigente, que complementa: “Havia em torno de 2 mil funcionários nas linhas 8 e 9 e a média de trabalho deles era acima de 10 anos de trabalho”.
Na CPTM um maquinista passa por oito meses de treinamento. Sendo que nos dois últimos ele é acompanhado por outro maquinista experiente dentro da cabine.
Para Messias é preciso que via Mobilidade além de investir em seus trabalhadores invista também em infraestrutura, especialmente nas condições dos equipamentos que passam energia aos trens.
“O problema é que no contrato de privatização diz que a via Mobilidade tem de investir, mas não diz onde. Não adianta comprar trens novos se os cabos de energia não suportam a carga”, alerta Messias.
Ele também critica a decisão do governo João Doria de querer acabar com as bilheterias, achando que todo mundo saber usar um QR Code, num papel ruim que apaga.
“Imagine alguém vindo do interior e se deparar com aquelas máquinas que nem sempre funcionam direito, nem dão troco. Como ele vai utilizar o transporte público? , indaga o presidente do sindicato.
Os efeitos negativos para a população da privatização dessas duas linhas da CPTM ainda são piores se levarmos em conta que o valor pago pela Via Modalidade saiu de da multa de R$ 1 bilhão que o governo do estado de São Paulo pagou para a empresa, encarregada da linha quatro do Metrô (Amarela). No contrato havia uma clausula de número de passageiros que não foi atingido e para não ter “prejuízos” estipulou-se o valor de uma multa.
“Com esse R$ 1 bilhão a via Mobilidade comprou as duas linhas melhor aparelhadas da CPTM, e ainda sobraram R$ 20 milhões para gastar no que eles quisessem”, diz Múcio Alexandre Bracarense, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil ( STEFZCB), ligado à CUT.
Embora sua base não faça parte das linhas 8 e 9, ele teme que as linhas 11 (Coral), 12 (Safira) e 13 (Jade) e de Campos do Jordão que o seu sindicato responde também sejam privatizadas, já que há rumores de que daqui a quatro ou cinco anos, o governo pretende vendê-las também. O sindicato representa 10 mil trabalhadores dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, de sete empresas ferroviárias, entre elas, a MRS Cargas.
Outra denúncia de ambos os sindicalistas é que os bilheteiros, concursados da CPTM, ainda trabalham para a via Mobilidade, e quem paga os seus salários é a empresa estatal.
“São cerca de 100 bilheteiros prestando serviços para uma empresa privada e quem paga é a população”, diz Messias.
Já Bracarense conta que há informações de assédio moral a esses trabalhadores que ainda pertencem ao quadro da CPTM, com o impedimento de utilizarem os banheiros dentro da empresa e são obrigados a deixarem seus pertences num corredor.
Os sindicalistas também questionam os valores dos salários pagos aos novos trabalhadores da Via Mobilidade que recebem de 10% a 40% a menos do que os salários pagos aos da CPTM, e poucos estão acima na faixa salarial.
Nós denunciamos a precarização da mão de obra, a diminuição do quadro de trabalhadores, o excesso de jornada e a falta de investimentos para manutenção. Tudo isso piora o atendimento para a população- Múcio Alexandre Bracarense
Precisa ficar claro para a população o que diz o contrato, e os trabalhadores que ainda continuam lá respondem a quem? A CPTM ou a uma empresa privada?, questiona.
O sindicato enviou dois ofícios a CPTM, para saber quantos trabalhadores da CPTM foram demitidos, mas não foi atendido. Clique aqui para ler o primeiro ofício em novembro do ano passado e o segundo ofício enviado em janeiro deste ano.
Alta cúpula da Via Modalidade se formou na CPTM
O fato da Via Mobilidade ter apenas 42 dias de gestão das linhas 8 e 9 não justifica os acidentes e falhas. Segundo Bracarense, a alta cúpula da empresa se formou dentro dos quadros da CPTM, em mais de 25 anos de experiência.
O presidente da Via Mobilidade entrou como estagiário na CPTM, se formou engenheiro e foi gerente-geral há muito tempo. O diretor de Operações foi gerente de Controle Operacional e antes de chegar ao cargo passou por diversos setores e o Chefe da Manutenção trabalhou como engenheiro na CCR, no metrô da Bahia.
Governos não têm interesse em atender periferia
O metrô de São Paulo transporta em média quatro milhões de passageiros por dia. Desse total 2,5 milhões são injetados pelos sistemas de baldeação da CPTM. Ainda assim essa população não é bem atendida, por interesses políticos, afirma Bracarense.
Ele explica que as linhas do metrô atendem o centro estendido da cidade de São Paulo, já os trens da CPTM vão atende a periferia e cidades do entorno da capital, algumas chamadas de dormitório, porque a população mora lá, mas trabalha em São Paulo.
“Os governos tucanos têm a ideia de que não precisa se preocupar com o subúrbio. O resultado é a população, principalmente a mais pobre, sofrendo há anos e agora este governo Doria incorre no mesmo erro”, conclui Bracarense.