Editorial de The Guardian
Sua luta selvagem e implacável, depois da votação (neste dia 3)contra a realidade mostrou o quão perigoso ele pode ser. Com o objetivo de dar a seus apoiadores uma justificativa para sua raiva por ter perdido a eleição, suas falsidades levantam questões preocupantes sobre quando e como Trump deixará a Casa Branca.
A má notícia é que não será tão cedo. A democracia nos EUA dá a um presidente mais de 10 semanas no poder depois de perder a eleição. Trump está usando esse tempo para levar a retórica a um nível febril, semeando a ideia de que a sociedade está irreconciliavelmente em conflito consigo mesma. Isso é profundamente prejudicial para os EUA, um fato para o qual as redes a cabo, feliz e tardiamente, acordaram após o dia da eleição. Em todo o mundo, ex-democracias estão caindo na autocracia. Os EUA não estão imunes.
O fato é que Trump perderá a eleição popular por milhões de votos e apenas o colégio eleitoral desatualizado dos EUA o salvou de uma derrota esmagadora. O presidente deveria estar se preparando para deixar a Casa Branca, não instruindo seus advogados. Talvez Trump não possa perder. A imunidade presidencial contra acusações desaparece quando Trump deixa o cargo, uma consideração que pode pesar muito, dadas as investigações em andamento pelo promotor distrital de Nova York sobre “conduta criminosa prolongada na Organização Trump”. Trump nega qualquer irregularidade.
Durante meses, ficou óbvio que Trump alegaria vitória e fraude caso perdesse a eleição. Ele se recusou a dizer que aceitaria uma transferência pacífica de poder. As pesquisas, afirmou ele, não eram confiáveis. Sem um pingo de vergonha, Trump parece disposto a desafiar a validade do voto em qualquer estado onde ele perder, tentando minar o processo eleitoral e, em última análise, invalidá-lo.
Este é um momento perigoso. Não há evidências de votos ilegais generalizados em nenhum estado. No entanto, está em jogo uma crise constitucional de pleno direito sobre o processo de contagem de votos porque Trump está exigindo recontagens e inicia processos judiciais, enquanto condiciona sua base para ver a eleição em termos existenciais. No ano passado, em uma análise influente, Edward B Foley, da Universidade de Ohio, argumentou como uma disputa sobre votos por correio na Pensilvânia poderia levar a um resultado disputado na eleição presidencial de 2020.
O cenário mais assustador, disse Foley, é “onde a disputa permanece sem solução até 20 de janeiro de 2021, data da posse do novo mandato presidencial, e os militares não sabem quem tem direito de receber os códigos nucleares como comandante -in-chief ”. Isso termina com o procurador-geral dos EUA, William Barr, anunciando que é legalmente válido para Trump ser reconhecido como reeleito para um segundo mandato, enquanto os democratas convocam manifestações em todo o país para desalojar o invasor da Casa Branca. Seria melhor evitar tal situação, em vez de planejá-la.
Os republicanos não devem ser seduzidos por Trump a manipular o sistema eleitoral, por meio de batalhas políticas e jurídicas, para desafiar a vontade popular e obter vantagens partidárias. O Grande Velho Partido (GOP, o Partido Republicano – Nota da Redação)lucrou com a supressão de eleitores e com sua gerrymandering [manipulação de distritos eleitorais – NdaR] para manter uma emergente maioria democrata sob controle. Mas esses impulsos mais sombrios deram origem a Trump e a uma dependência doentia de uma coalizão cada vez menor de eleitores cristãos, em sua maioria brancos, paranóicos com a perda do poder.
Joe Biden parece ter feito o suficiente para ganhar a Casa Branca. Ele terá seu trabalho interrompido quando chegar lá, e precisara reconstruir a credibilidade do governo dos EUA depois que o trumpismo esvaziou suas instituições. Isso significa oferecer esperança a um país que enfrenta uma pandemia e uma recessão econômica. Ele terá que reafirmar o papel dos EUA como solucionador global de problemas.
No governo Trump, a “nação indispensável” desapareceu quando mais era necessária. Por qualquer padrão razoável, Biden não deveria ter que continuar a competir contra Trump. Ele deve ter permissão para administrar os EUA.
Fonte: “The Guardian”; tradução: José Carlos Ruy