Por Aaron Freedman (*)
Nestas últimas semanas, a mídia foi está tomada pelo debate sobre o uso da expressão “campo de concentração” pela deputada socialista Alexandria Ocasio-Cortez para descrever as instalações onde são internadas as pessoas que buscam asilo na fronteira sul dos EUA. Os críticos dizem que essa terminologia é um insulto aos judeus e aos nossos antepassados que foram assassinados no Holocausto. Para outros (como eu) “campo de concentração” – que originalmente descrevia a horrível internação de sul-africanos pelos britânicos durante a guerra dos Boers – é uma descrição terrivelmente adequada dos abusos cometidos na fronteira.
Nesta semana, o uso da expressão “campo de concentração” tem se mostrado mais verdadeiro do que nunca, após a vigilância do Departamento de Segurança Interna compartilhar fotos de uma superlotação desumana, descrita como “uma bomba-relógio”, e uma delegação de deputados, incluindo Alexandria Ocasio-Cortez, à fronteira relatar o abuso físico e psicológico dos detidos, incluindo ordens de guardas para beber água do banheiro.
No entanto, mesmo com esse abuso desumano, a administração Trump ainda insiste que as condições nesses campos de concentração são consequência da falta de dinheiro. Nos dê mais dinheiro, e nós teremos mais colchões, diz.
Mas nos últimos dias, o pouco crédito que a narrativa oficial tinha se evaporou após a divulgação do bombástico relatório da “ProPublica” sobre um grupo do Facebook de extrema-direita, formado por atuais e ex-agentes da Customs and Border Protection – CBP (Alfândega e Proteção de Fronteiras, que administra os campos).
Há detalhes repugnantes: chamados de “Sou 10-15” – código da Patrulha de Fronteira para “estrangeiros sob custódia” – os agentes brincaram sobre a morte de um imigrante detido pela CBP, discutiram como jogar burritos em deputados latinos do Congresso em visita aos acampamentos, e chegaram a compartilhar imagens vulgares que mostram Ocasio-Cortez em atos sexuais com um imigrante detido e o Presidente Trump.
Este não é um grupo marginal – possui cerca de 9.500 membros (a força total da CBP é de cerca de vinte mil agentes) e, como relata a revista virtual “Politico”, há três anos é conhecido pela liderança da Patrulha de Fronteira. Aquela não é apenas uma conversa inofensiva: durante a visita dos deputados democratas à fronteira, agentes da CBP foram abertamente hostis a eles, inclusive tomando seus celulares e câmeras.
Em resposta, Alexandria Ocasio-Cortez chamou a CBP de “uma agência desonesta”. Eu vou além: a CBP é a SS dos EUA.
Esta não é uma comparação que faço com leveza. As SS, claro, eram os paramilitares do Partido Nazista; havia exigências ideológicas em sua formação, para supervisionar e executar alguns dos piores crimes do nazismo. Icluia, em particular, os supervisores dos campos de concentração e morte, o SS-Totenkopfverbände (SS-TV) – literalmente, “Unidades da Cabeça da Morte”.
Como um judeu cuja família foi assassinada no Holocausto, eu me sinto especialmente responsável por isso, tomando as lições históricas daquela época e aplicando-as a este momento urgente.
Há uma razão pela qual a SS administrou os campos nazistas: eles eram os verdadeiros crentes. Desde a construção do primeiro campo de concentração, em Dachau, em março de 1933, apenas os paramilitares nazistas ideologicamente puros e confiáveis eram usados para supervisioná-los. Dado o seu papel crucial no abuso e assassinato de inimigos raciais, pessoas LGBT, “inimigos do Reich” (incluindo comunistas e socialistas) e “asociais” (incluindo pacifistas e falsários), esses campos tinham que ser administrados por aqueles que acreditavam na desumanização de suas vítimas.
“Desumanizar” pode ser a melhor palavra para descrever as ações dos oficiais da CBP. Em todos os níveis – desde a equipe superior que envia imigrantes para campos de concentração em vez de abrigos abertos, aos policiais que fazem piadas sobre pessoas que morrem na prisão, até os guardas que intencionalmente atormentam os detidos – a CBP é uma agência cuja essência é a desumanização dos imigrantes.
E isso não é novidade: a violência dos agentes da CBP é difundida há muito tempo. Como Daniel Denvir contou recentemente:
“Reclamações de abuso foram tão desenfreadas em 1980 que dois agentes hispânicos foram enviados à paisana, vestidos como trabalhadores mexicanos, para checar o posto de controle de San Clemente na I-5. O resultado: os agentes supostamente espancaram seus colegas disfarçados com uma cadeira e uma lanterna – e foram acusados de espancar outros, incluindo um cidadão de quinze anos de idade.”
Relatos como este foram corroborados por antigos e atuais oficiais da Patrulha da Fronteira que acusam uma cultura difundida de crueldade. Como disse uma ex-agente da CBP, Jenn Budd, “a crueldade é o ponto. . . É ensinada na academia e reforçada pela gerência. Quando Budd tentou relatar o comportamento abusivo à CBP, foi atropelada por um agente no estacionamento.
É claro que a CBP não está exterminando pessoas aos milhões. E os EUA não são um estado fascista. Mas meu ponto é enfatizar que, após décadas alimentando uma cultura de abuso violento e racista, a CBP não pode ser vista apenas como um trabalho a mais. Como as SS, deve ser vista não como um lugar onde pessoas boas fazem coisas ruins (como muitos historiadores sugerem que a Wehrmacht nazista tenha sico), mas onde pessoas ruins fazem coisas ruins. É podre até o núcleo.
Entre os relatos sobre a Patrulha da Fronteira, um dos mais arrepiantes foi feito por Daniel Denvir:
“O que parece diferente agora é que havia também, recentemente, em 1994, expressões frequentes de ambivalência. Agentes que disseram coisas como: Muitas vezes sentei e me perguntei: estou fazendo a coisa certa? . . . Eu acho que estas pessoas são apenas pobres tentando alimentar suas famílias. Se meu pensamento está certo – que nos últimos anos os agentes da Patrulha de Fronteira se tornaram ainda mais cruéis e racistas – isso se deve a décadas de políticos travando uma guerra bipartidária. Isso demonizou os migrantes ilegais e os transformou em uma ameaça econômica, criminosa, terrorista e existencial.”
A SS foi valorizada por Hitler por treinar seus membros para serem totalmente não-ambivalentes sobre as atrocidades que cometiam. Com a Patrulha da Fronteira se tornando igual, e aplicando semelhante compromisso ideológico de direita para supervisionar campos de concentração desumanizantes e assassinos, a esquerda deve chamar a agência pelo que ela é: a SS dos EUA.
(*) Aaron Freedman é escritor; mora no Brooklyn, Nova York
Fonte: Jacobin; tradução: José Carlos Ruy