Por João Carlos Juruna, Wagner Gomes e Álvaro Egea
Entre 2016 e 2017, durante o governo de Michel Temer, um discurso sobre uma pretensa “modernização” baseou a destruição em série de leis de proteção ao trabalhador, sistematizada na reforma trabalhista. A reforma foi tramada por um notório representante dos mais desnacionalizados setores patronais: o ex-deputado Rogério Marinho.
Se tal discurso ainda capengava nas vozes do vir a ser, hoje, com a pandemia do coronavírus impondo proteção do Estado em todos os níveis, está claro, como nós sindicalistas dissemos desde o início, que ele não passou de uma falácia.
Chamou-se de modernização a pejotização, o trabalho intermitente, o acordado sobre o legislado, o barateamento do trabalho, a inviabilização do custeio sindical sem fixar regras de transição, o sepultamento da nossa CLT e a supremacia do mercado como o regulador das relações entre patrão e empregado.
Desde então assistimos a uma explosão de serviços com definições pra lá de mal resolvidas, muitos deles encalhados na Justiça do Trabalho. Basta olhar as ruas das grandes cidades, mesmo em tempos de quarentena, os motoqueiros aglomerados nas calçadas dos restaurantes com suas caixas fosforescentes a esfregar na nossa cara a precariedade a que está exposta nossa população.
A reforma trabalhista custou a proteção ao trabalhador, sobretudo a proteção sindical. Em troca ela prometeu uma farta geração de (bons) empregos. Não nos surpreende constatar que estes empregos não vieram e que nós, o povo brasileiro, só ficamos mais pobres e mais desprotegidos nesses dois anos e meio.
Sabíamos desde o início que a conta da reforma cairia sobre os trabalhadores mais carentes. Imaginávamos, porém, que ela viria em prestações. Mas que nada! A conta chegou de uma vez e ela é alta.
Neste inusitado contexto de pandemia escancarou-se a importância do Estado, e não do mercado, como regulador da sociedade. O “ambiente competitivo” virou um salve-se quem puder. A depender unicamente dos ditames da reforma, as relações trabalhistas em tempos de pandemia traduzir-se-ão em barbarismo e lei da selva, com o abismo que separa os miseráveis daqueles que já perderam a conta do volume de seu patrimônio, cada vez mais fundo.
Está claro que o nosso atual presidente da República não tem nenhuma condição de lidar com uma crise desta envergadura e que, por isso, é tratado como um café com leite, para não dizer, como o jornal O Estado de São Paulo já disse mais de uma vez, um verdadeiro estorvo. Mesmo que Jair Bolsonaro queira se esquivar de suas responsabilidades, mesmo que ele feche os olhos para o problema e procure dar um ar de normalidade para o país, o mundo converge para uma só regra: o isolamento social.
Aqueles que hoje, abril de 2020, defendem a reabertura do comércio e dos serviços, estão sendo ridicularizados nas redes sociais. Não chegam nem a ameaçar. Antes disso viram motivo de piada. A população aderiu à quarentena por um instinto elementar de autopreservação e de sobrevivência. E o Estado tem de lidar com isso. Lidar com o sustento dessas vidas e com o sustento da economia.
Isso mostra como é concreto e urgente o papel do Estado na proteção e na manutenção de uma sociedade dinâmica e saudável. Não se trata de opção, como quiseram impingir os arautos da reforma trabalhista. Trata-se de entender que o mercado, por si só, não tem soluções para problemas, como a pandemia, que fogem aos cálculos econômicos.
Neste contexto, nós dos sindicatos desempenhamos um grande papel. Estamos dia a dia batalhando para que os acordos trabalhistas celebrados em função da pandemia não prejudiquem os trabalhadores. Mesmo que os articuladores daquele conchavo que desembocou em novembro de 2017 quisessem nos ver liquidados, abrindo alas para os senhores da insensibilidade social, estamos presentes e atuantes a defender os direitos dos trabalhadores. Tanto que propusemos, quando o Planalto defendia que o auxílio emergencial fosse de apenas 200 reais, que esse valor fosse de 500 reais. Foi a partir daí, a partir desta proposta que apresentamos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que o valor foi definido em 600 reais.
Mas poderíamos estar mais fortes. Com nossos ambulatórios médicos e com mais funcionários qualificados a serviço do povo. O cenário da reforma trabalhista não poderia ser pior para a chegada da coronacrise. Não poderia ser pior porque enfraqueceu os sindicatos quando os trabalhadores mais precisam dele. Porque, com a insegurança financeira, o alegado “ambiente competitivo” que estimularia a economia e criaria empregos, perdeu o sentido.
Este momento, considerando a pauta liberalizante que se desdobra desde 2016, a eleição de Jair Bolsonaro, que implementa um governo que valoriza o patronato em detrimento do trabalhador e, finalmente, a chegada de uma pandemia, que escancara os limites do mercado, poderá resultar em um grande e difícil aprendizado para a população brasileira.
A história mostra que a humanidade, quando confrontada com grandes traumas, como guerras, pestes e pandemias, caminha para mudanças profundas, não só em sua organização, mas também em sua mentalidade coletiva. Desta vez não será diferente e esta mudança deverá ser marcada pela desmoralização daquele discurso a que nos referimos no início, que se autointitula “modernizador” (mas que é, na verdade, conservador). Deverá ser marcada pela valorização das políticas sociais, pela reindustrialização do país, pela valorização dos serviços públicos, como o sistema público de saúde, pela valorização das instituições democráticas e pela valorização das entidades de classe, como os sindicatos.
João Carlos Juruna é secretário geral da Força Sindical, Wagner Gomes é secretário geral da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e Álvaro Egea é secretário geral da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB).