Por Meagan Day 

Para ser reeleito, Donald Trump precisa do apoio dos cidadãos rurais, 62% dos quais votaram nele em 2016, em comparação com os 34% que votaram em Hillary Clinton.

Mas, embora os cidadãos da zona rural continuem apoiando Trump, desta vez é por uma margem muito menor. Entre os cerca de 60 milhões de pessoas que vivem em áreas rurais dos EUA, Trump só tem treze pontos de vantagem sobre Joe Biden.

Não pode ter ajudado Trump o fato de os EUA rural ter lutado fortemente para obter acesso a cuidados de saúde durante a pandemia do coronavírus, uma falha que mais do que poucos eleitores rurais provavelmente corarão de Trump na hora de votar.

Um novo relatório sobre o impacto da pandemia na área rural mostra o quão ruim é a situação para Trump. Conduzido pela NPR, pela Harvard T. H. Chan School of Public Health e a Robert Wood Johnson Foundation, (Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan e Fundação Robert Wood Johnson), o relatório mostra que 24% das famílias rurais relatam que alguém em sua casa foi “incapaz de obter atendimento médico para um problema sério quando precisou durante o surto de coronavírus.” Deste grupo, 56% relatam “como resultado consequências negativas para a saúde”.

Os motivos pelos quais os cidadãos rurais lutam para obter assistência médica durante a pandemia podem ser separados em duas grandes categorias: infraestrutura rural de saúde deficiente e financiamento inadequado da saúde.

Antes da pandemia, os EUA já enfrentavam uma onda de fechamento de hospitais rurais, para os quais 2019 foi um ano recorde. Mais de cem hospitais rurais foram fechados na última década e outros seiscentos estão em risco de fechamento. Quando um hospital em uma comunidade rural fecha, as pessoas são forçadas a dirigir algumas vezes centenas de quilômetros para obter atendimento. Cada vez mais, os pacientes rurais, durante as emergências, são transportados de helicóptero para o hospital mais próximo .

Nos EUA, os hospitais são administrados como empresas e devem observar cuidadosamente seus próprios resultados financeiros para continuar em operação. À medida que a austeridade desfaz a rede de segurança de saúde rural, os hospitais rurais descobrem que os custos do tratamento dos pacientes superam os benefícios. Eventualmente, se operam com perda por muito tempo, acabam no bloco de corte. Para ilustrar o princípio, os estados que expandiram o Medicaid viram muito menos fechamentos de hospitais rurais na última década do que os estados que se recusaram.

Devido a esses fechamentos de hospitais rurais – e ao buraco econômico que deixam nas comunidades, fazendo com que ainda mais empregos, pessoas e serviços de saúde não hospitalares deixem a região – já é difícil para os estadunidenses da zona rural terem acesso físico aos cuidados nas suas regiões. A pandemia piorou tudo, pois os médicos pararam de atender os pacientes pessoalmente e os hospitais pararam de agendar tratamentos menos urgentes por longos períodos.

Como resultado, durante a pandemia muitos cidadãos rurais que adoeceram com Covid-19 tiveram de enfrentar longas viagens para hospitais que atendem regiões cada vez maiores. Enquanto isso, as pessoas ainda sofriam das doenças usuais, especialmente porque os cidadãos rurais tendem a ser mais velhos e menos saudáveis do que os urbanos e suburbanos.

Para os cidadãos rurais que enfrentam outras condições médicas além do Covid-19, o atendimento médico tem sido mais difícil do que nunca.

Das famílias rurais que relataram dificuldades para acessar cuidados de saúde, 46% disseram que “não conseguiram uma consulta durante o horário de que precisavam”, 40%disseram que “não conseguiram encontrar um médico que os atendesse” e 25% “sentiram que o local do atendimento médico era muito longe ou muito difícil de chegar.”

Mas as dificuldades não param na infraestrutura de saúde rural deficiente. Depois que o paciente encontra um local para obter atendimento e um provedor para administrá-lo, ele ainda precisa encontrar uma maneira de pagar. Das famílias rurais que relataram que um membro teve dificuldade de acesso a cuidados de saúde durante a pandemia, 39% disseram que não podiam pagar os cuidados específicos de que precisavam e 12% disseram que não conseguiram encontrar um médico que trabalhasse com o seguro.

Além do modelo de hospital orientado para o lucro nos EUA, resultando em uma rede de hospitais irregular, o modelo de seguro orientado para o lucro deixou cerca de 87 milhões de pessoas sem seguro ou com seguro insuficiente.

Muitos dos que têm problemas para arcar com os custos dos cuidados de saúde devido à cobertura inadequada são cidadãos da zona rural, que tendem a ser mais pobres em média do que os moradores das áreas urbanas e suburbanas. O problema é especialmente grave em estados que recusaram a expansão do Medicaid, onde um 1/3 dos adultos de baixa renda carece de cobertura médica – para não falar dos planos de seguro com co-pagamentos, prêmios e franquias inacessíveis.

Para as pessoas que lidam com problemas médicos não relacionados ao coronavírus, a luta para encontrar um médico ou instalação na rede e obter um tratamento acessível se tornou muito mais difícil durante a pandemia. Não apenas os provedores estão menos acessíveis do que nunca, mas o desemprego em massa está fazendo com que milhões sejam retirados do seguro saúde fornecido pelo empregador. Além disso, a perda de receita está esgotando as contas bancárias dos estadunidenses. O relatório considera que quatro em cada dez famílias rurais (42%) relatam ter enfrentado sérios problemas financeiros durante o surto de coronavírus, incluindo cerca de três em dez (31%) que usaram toda ou a maior parte de suas economias, e mais 10% que relatam que não tinham nenhuma economia.

Tomados em conjunto, isso significa que na área rural nos EUA há mais pessoas sem ou com menos seguro, menos provedores dentro da rede e acessíveis e menos dinheiro para compensar a diferença. Se for adicionado a isso o fato de que os adultos de baixa renda e sem seguro adequado têm maior probabilidade de correr o risco de desenvolver complicações graves de Covid-19, se terá uma tempestade perfeita.

No clima político atual, é fácil esquecer que, as lealdades políticas na zona rural dos EUA podem oscilar; eram igualmente divididas entre os dois principais partidos políticos. Na última década, as inclinações republicanas dos cidadãos rurais tornaram-se tão pronunciadas que às vezes parecem evidentes. Mas não há nada automático ou inevitável sobre as pessoas que vivem no campo votarem nos republicanos.

O alinhamento político rural não será revertido em 2020, mas já parece possível que Trump tenha perdido a chance de outro deslizamento de terra rural. Sem dúvida, o fracasso de seu governo em manter a pandemia sob controle ou em fornecer alívio adequado está desempenhando um papel importante em sua popularidade em declínio.

E com razão. Embora também seja bom lembrar que os sistemas de hospitais e seguros com fins lucrativos são anteriores a Trump e permanecerão obstinadamente em vigor a menos que lutemos para substituí-los por um sistema nacional de saúde.

 Meagan Day é redatora de “Jacobin”.

(BL)

Fonte: “Jacobin” | Tradução: José Carlos Ruy