PUBLICADO EM 22 de maio de 2020
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A formação étnica do Brasil num canto de todas as estações e sentimentos em favor da vida

Por Marcos Aurélio Ruy

De BaianaSystem a Lupicínio Rodrigues, as músicas desta edição remontam à necessidade de unidade de todos os setores progressistas para salvar o Brasil em todas a suas dimensões da ameaça representada pelo desgoverno de Jair Bolsonaro.

Mais do que o coronavírus, a necropolítica em vigência está matando brasileiras e brasileiros, enquanto o presidente faz piadas com as perdas de milhares de pessoas. Mais do que nunca é preciso dar um basta a tudo isso para o país renascer das cinzas.

Pela ordem, o grupo BaianaSystem mescla rock, reggae e músicas regionais da Bahia desse 2009. A poesia da canção Bola de Cristal afirma não ter diferença entre o “homem moderno pro homem de neandertal” com fina ironia da perversidade da burguesia, classe dominante destruidora do planeta e de sonhos.

“O passado já passou, o presente é você, o futuro ninguém vê”. Aprecie essa obra de peito aberto.

 

Bola de Cristal (2019), de Roberto Barreto, Russo Passapusso, SekoBass e Ubiratan Marques; canta BaianaSystem

No tempo que a pedra lascada fazia o papel de bala de metal

Não tem diferença do homem moderno pro homem de neandertal

A pedra lascada no papel de bala de metal

Não tem diferença do homem moderno pro homem de neandertal

 

Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal

Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal

Nã-ão

 

Bola de cristal (o futuro)

Bola de cristal (ninguém vê)

Bola de cristal (o passado)

Não é bola de cristal (já passou)

Bola de cristal (o presente)

Bola de cristal (é você)

Bola de cristal (o futuro)

Não é bola de cristal (ninguém vê)

Nã-ão, nã-ão

 

Tem quem analisa, tem quem banaliza, quem passa no visa, quem faz a divisa, quem fica de cima e não vê

Fica de cima e não vê

Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer

Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer, ê

Aniquila, aniquila o sofrimento da família

A energia da família 100 por cento positiva

Não esqueça que tem poder para mudar o mundo

Você tem poder para mudar o mundo

O que é superficial vai ficar mais profundo

Pra se ver, pra flutuar

Pra flutuar

 

No tempo que a pedra lascada fazia o papel de bala de metal

Não tem diferença do homem moderno pro homem de neandertal

A pedra lascada no papel de bala de metal

Não tem diferença do homem moderno

 

Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal

Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal

Nã-ão

 

Bola de cristal (o futuro)

Bola de cristal (ninguém vê)

Bola de cristal (o passado)

Não é bola de cristal (já passou)

Bola de cristal (o presente)

Bola de cristal (é você)

Bola de cristal (o futuro)

Não é bola de cristal (ninguém vê)

Nã-ão, nã-ão

 

Tem quem analisa, tem quem banaliza, quem passa no visa, quem faz a divisa, quem fica de cima e não vê

Fica de cima e não vê

Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer

Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer, ê

Aniquila, aniquila o sofrimento da família

A energia da família 100 por cento positiva

Não esqueça que tem poder para mudar o mundo

Você tem poder para mudar o mundo

O que é superficial vai ficar mais profundo

Pra se ver, pra flutuar

Pra flutuar

Pra flutuar

Pra flutuar

 

Lupicínio Rodrigues

Como criador da expressão “dor de cotovelo”, o cantor e compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914-1974) se configura num dos mais importantes nomes da música popular brasileira através de suas sambas-canções eternizados nas vozes de Paulinho da Viola, Jamelão, Elza Soares, Noite Ilustrada e muitos outros importantes intérpretes.

Visto como uma espécie de precursor da bossa nova, entre outros importantes nomes, cantava suas vivências, ou a de amigos, com temas sempre ligados à traição, ao desencanto, à paixão, aos dramas do amor, como ele próprio definia seu trabalho. Presença obrigatória para quem gosta de boa música.

Cadeira Vazia (1950 ), de Alcides Gonçalves e Lupicínio Rodrigues

https://youtu.be/Sn6vXas6FqI

Entra, meu amor, fica à vontade

E diz com sinceridade o que desejas de mim

Entra, podes entrar, a casa é tua

Já que cansaste de viver na rua

E os teus sonhos chegaram ao fim

Eu sofri demais quando partiste

Passei tantas horas triste

Que nem quero lembrar esse dia

Mas de uma coisa podes ter certeza

O teu lugar aqui na minha mesa

Tua cadeira ainda está vazia

Tu és a filha pródiga que volta

Procurando em minha porta

O que o mundo não te deu

E faz de conta que sou teu paizinho

Que tanto tempo aqui ficou sozinho

A esperar por um carinho teu

Voltaste, estás bem, estou contente

Mas me encontraste muito diferente

Vou te falar de todo coração

Eu não te darei carinho nem afeto

Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto

Pra te alimentar, podes comer meu pão.

 

Céu

 

A cantora e compositora paulista Maria do Céu Whitaker Poças, ou apenas Céu, está na estrada profissional desde 2005 com o disco Céu. Seu canto mistura MPB, samba, hip hop, jazz, rhythm and blues e afrobeat, que é uma combinação de yorubá, com jazz, highlife, funk e outros ritmos de matriz africana.

“Ouviram do Ipiranga, quem foi que ouviu? Eu não vi

Estava a sombra de um coqueiro num céu azul anil

E o tempo fechou e ninguém viu

Derrubando a rima, fez-se então frio no Brasil

 

Pare de forçar o verão”

 

 

Forçar o Verão (2019), de Céu

Uma nuvem se aproxima do cartão postal

Feito um convidado que ninguém quer receber

Mas quando ele vem, não quer mais sair

No sorriso debochado, estaciona ali

 

Ouviram do Ipiranga, quem foi que ouviu? Eu não vi

Estava a sombra de um coqueiro num céu azul anil

E o tempo fechou e ninguém viu

Derrubando a rima, fez-se então frio no Brasil

 

Pare de forçar o verão! Oh!

Pare de forçar o verão!

 

Uma nuvem se aproxima no cartão postal

Feito um convidado que ninguém quer receber

Mas quando ele vem, não quer mais sair

No sorriso debochado, estaciona ali

 

Ouviram do Ipiranga, quem foi que ouviu? Eu não vi

Estava a sombra de um coqueiro num céu azul anil

E o tempo fechou e ninguém viu

Derrubando a rima, fez-se então frio no Brasil

 

Pare de forçar o verão! Oh!

Pare de forçar o verão!

Pare de forçar o verão!

Pare de forçar o verão!

 

Djavan

 

O cantor e compositor alagoano, Djavan apareceu para o grande público no Festival Abertura, da Rede Globo, em 1975, com a canção “Fato Consumado”. Solidificou sua carreira combinando ritmos sul-americanos, além de brasileiros, com música popular dos Estados Unidos, da Europa e da África.

“Cara de Índio” mostra-se atual principalmente neste momento em que o desgoverno federal ameaça severamente a existência dos povos indígenas do Brasil.

“Nessa terra tudo dá,

terra de índio.

Nessa terra tudo dá,

não para o índio.”

 

Cara de Índio (1978), de Djavan

Índio cara pálida,

cara de índio.

Índio cara pálida,

cara de índio.

Sua ação é válida, meu caro índio.

Sua ação é válida, válida ao índio.

Nessa terra tudo dá,

terra de índio.

Nessa terra tudo dá,

não para o índio.

Quando alguém puder plantar,

quem sabe índio.

Quando alguém puder plantar,

não é índio.

Índio quer se nomear,

nome de índio.

Índio quer se nomear,

duvido índio.

Isso pode demorar,

te cuida índio.

Isso pode demorar,

coisa de índio.

Índio sua pipoca,

tá pouca índio.

Índio quer pipoca,

te toca índio.

Se o índio se tocar,

touca de índio.

Se o índio toca,

não chove índio.

Se quer abrir a boca,

pra sorrir índio.

Se quer abrir a boca,

na toca índio.

A minha também tá pouca,

cota de índio.

Apesar da minha roupa,

também sou índio.

 

Aíla

 

Lésbica assumida, a cantora e compositora paraense Aíla Magalhães, com o nome artístico Aíla, vai do brega ao pop e mistura ritmos de seu estado como a guitarrada ao carimbó, da cúmbia ao zouk love. Profissionalmente na estrada desde 2012, é presença fundamental na música popular brasileira contemporânea.

Em entrevista ao programa “Estação Plural”, da TV Brasil, em 2017 ela disse: “Eu tento muito, através da minha arte, me assumir como lésbica e não ser uma pessoa neutra”. Essa sua determinação aparece em suas obras.

Aqui ela canta “Você Tem Medo, Por quê?”, atualíssima porque os muitos medos que nos assombram não podem se transforma em pânico paralisante. Os medos devem ser enfrentados e superados para a vida suplantar as pedras do caminho e o novo mundo surgir.

Você Tem Medo, Por Quê?, de César Lacerda; canta Aíla

Em Cada Verso um Contra-Ataque

 

Ê tem medo, do quê?

Olha o tamanho da vida!

Você tem medo, por quê?

Sinta estancar a ferida

 

A vida é nossa medida

Saveiro, cais e partida

Um olho a gente distrai

O outro o mundo contrai

Deixe então se levar

Agora, agora, agora

 

Conexões, conectividade, sincronicidade

O outro lado do céu somos nós

Mirando o olho do mundo

Reflexões, reciprocidade, subjetividade

Cá dentro levo tudo de mim

Singrando cada partida

 

No fundo, quero, quero, quero

Quero, quero, quero

 

Clara Nunes

 

Como uma das mais importantes cantoras brasileiras de todos os tempos, a mineira Clara Nunes (1942-1983) deixou o nosso convívio muito cedo, mas sua voz permanece viva na alma de quem sonha com um outro mundo com mais igualdade e respeito a todo ser vivente.

Foi para ela que Chico Buarque compôs “Morena de Angola”, em 1989, em uma viagem que fizeram com outros artistas a Angola, há poucos anos uma nação independente. Após a Revolução dos Cravos em Portugal, em 1974, no ano seguinte, o país africano conquistou a liberdade.

“Canto das Três Raças” expressa a formação étnica do país, com a força dessa miscigenação,  somos um povo único. Mesmo que insistam em deturpar a nossa formação, a realidade se impõe.

Canto das Três Raças (1976), de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro; canta Calara Nunes

 

Ninguém ouviu

Um soluçar de dor

No canto do Brasil

 

Um lamento triste

Sempre ecoou

Desde que o índio guerreiro

Foi pro cativeiro

E de lá cantou

 

Negro entoou

Um canto de revolta pelos ares

No Quilombo dos Palmares

Onde se refugiou

Fora a luta dos Inconfidentes

Pela quebra das correntes

Nada adiantou

 

E de guerra em paz

De paz em guerra

Todo o povo dessa terra

Quando pode cantar

Canta de dor

 

E ecoa noite e dia

É ensurdecedor

Ai, mas que agonia

O canto do trabalhador

Esse canto que devia

Ser um canto de alegria

Soa apenas

Como um soluçar de dor

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