Por Marcos Aurélio Ruy
De BaianaSystem a Lupicínio Rodrigues, as músicas desta edição remontam à necessidade de unidade de todos os setores progressistas para salvar o Brasil em todas a suas dimensões da ameaça representada pelo desgoverno de Jair Bolsonaro.
Mais do que o coronavírus, a necropolítica em vigência está matando brasileiras e brasileiros, enquanto o presidente faz piadas com as perdas de milhares de pessoas. Mais do que nunca é preciso dar um basta a tudo isso para o país renascer das cinzas.
Pela ordem, o grupo BaianaSystem mescla rock, reggae e músicas regionais da Bahia desse 2009. A poesia da canção Bola de Cristal afirma não ter diferença entre o “homem moderno pro homem de neandertal” com fina ironia da perversidade da burguesia, classe dominante destruidora do planeta e de sonhos.
“O passado já passou, o presente é você, o futuro ninguém vê”. Aprecie essa obra de peito aberto.
Bola de Cristal (2019), de Roberto Barreto, Russo Passapusso, SekoBass e Ubiratan Marques; canta BaianaSystem
Cê
No tempo que a pedra lascada fazia o papel de bala de metal
Não tem diferença do homem moderno pro homem de neandertal
A pedra lascada no papel de bala de metal
Não tem diferença do homem moderno pro homem de neandertal
Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal
Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal
Nã-ão
Bola de cristal (o futuro)
Bola de cristal (ninguém vê)
Bola de cristal (o passado)
Não é bola de cristal (já passou)
Bola de cristal (o presente)
Bola de cristal (é você)
Bola de cristal (o futuro)
Não é bola de cristal (ninguém vê)
Nã-ão, nã-ão
Tem quem analisa, tem quem banaliza, quem passa no visa, quem faz a divisa, quem fica de cima e não vê
Fica de cima e não vê
Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer
Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer, ê
Aniquila, aniquila o sofrimento da família
A energia da família 100 por cento positiva
Não esqueça que tem poder para mudar o mundo
Você tem poder para mudar o mundo
O que é superficial vai ficar mais profundo
Pra se ver, pra flutuar
Pra flutuar
Cê
Cê
No tempo que a pedra lascada fazia o papel de bala de metal
Não tem diferença do homem moderno pro homem de neandertal
A pedra lascada no papel de bala de metal
Não tem diferença do homem moderno
Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal
Ô, minha rosa, meu coração não é bola de cristal
Nã-ão
Bola de cristal (o futuro)
Bola de cristal (ninguém vê)
Bola de cristal (o passado)
Não é bola de cristal (já passou)
Bola de cristal (o presente)
Bola de cristal (é você)
Bola de cristal (o futuro)
Não é bola de cristal (ninguém vê)
Nã-ão, nã-ão
Tem quem analisa, tem quem banaliza, quem passa no visa, quem faz a divisa, quem fica de cima e não vê
Fica de cima e não vê
Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer
Não tá na TV, não dá pra prever o que vai acontecer, ê
Aniquila, aniquila o sofrimento da família
A energia da família 100 por cento positiva
Não esqueça que tem poder para mudar o mundo
Você tem poder para mudar o mundo
O que é superficial vai ficar mais profundo
Pra se ver, pra flutuar
Pra flutuar
Pra flutuar
Pra flutuar
Lupicínio Rodrigues
Como criador da expressão “dor de cotovelo”, o cantor e compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914-1974) se configura num dos mais importantes nomes da música popular brasileira através de suas sambas-canções eternizados nas vozes de Paulinho da Viola, Jamelão, Elza Soares, Noite Ilustrada e muitos outros importantes intérpretes.
Visto como uma espécie de precursor da bossa nova, entre outros importantes nomes, cantava suas vivências, ou a de amigos, com temas sempre ligados à traição, ao desencanto, à paixão, aos dramas do amor, como ele próprio definia seu trabalho. Presença obrigatória para quem gosta de boa música.
Cadeira Vazia (1950 ), de Alcides Gonçalves e Lupicínio Rodrigues
https://youtu.be/Sn6vXas6FqI
Entra, meu amor, fica à vontade
E diz com sinceridade o que desejas de mim
Entra, podes entrar, a casa é tua
Já que cansaste de viver na rua
E os teus sonhos chegaram ao fim
Eu sofri demais quando partiste
Passei tantas horas triste
Que nem quero lembrar esse dia
Mas de uma coisa podes ter certeza
O teu lugar aqui na minha mesa
Tua cadeira ainda está vazia
Tu és a filha pródiga que volta
Procurando em minha porta
O que o mundo não te deu
E faz de conta que sou teu paizinho
Que tanto tempo aqui ficou sozinho
A esperar por um carinho teu
Voltaste, estás bem, estou contente
Mas me encontraste muito diferente
Vou te falar de todo coração
Eu não te darei carinho nem afeto
Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto
Pra te alimentar, podes comer meu pão.
Céu
A cantora e compositora paulista Maria do Céu Whitaker Poças, ou apenas Céu, está na estrada profissional desde 2005 com o disco Céu. Seu canto mistura MPB, samba, hip hop, jazz, rhythm and blues e afrobeat, que é uma combinação de yorubá, com jazz, highlife, funk e outros ritmos de matriz africana.
“Ouviram do Ipiranga, quem foi que ouviu? Eu não vi
Estava a sombra de um coqueiro num céu azul anil
E o tempo fechou e ninguém viu
Derrubando a rima, fez-se então frio no Brasil
Pare de forçar o verão”
Forçar o Verão (2019), de Céu
Uma nuvem se aproxima do cartão postal
Feito um convidado que ninguém quer receber
Mas quando ele vem, não quer mais sair
No sorriso debochado, estaciona ali
Ouviram do Ipiranga, quem foi que ouviu? Eu não vi
Estava a sombra de um coqueiro num céu azul anil
E o tempo fechou e ninguém viu
Derrubando a rima, fez-se então frio no Brasil
Pare de forçar o verão! Oh!
Pare de forçar o verão!
Uma nuvem se aproxima no cartão postal
Feito um convidado que ninguém quer receber
Mas quando ele vem, não quer mais sair
No sorriso debochado, estaciona ali
Ouviram do Ipiranga, quem foi que ouviu? Eu não vi
Estava a sombra de um coqueiro num céu azul anil
E o tempo fechou e ninguém viu
Derrubando a rima, fez-se então frio no Brasil
Pare de forçar o verão! Oh!
Pare de forçar o verão!
Pare de forçar o verão!
Pare de forçar o verão!
Djavan
O cantor e compositor alagoano, Djavan apareceu para o grande público no Festival Abertura, da Rede Globo, em 1975, com a canção “Fato Consumado”. Solidificou sua carreira combinando ritmos sul-americanos, além de brasileiros, com música popular dos Estados Unidos, da Europa e da África.
“Cara de Índio” mostra-se atual principalmente neste momento em que o desgoverno federal ameaça severamente a existência dos povos indígenas do Brasil.
“Nessa terra tudo dá,
terra de índio.
Nessa terra tudo dá,
não para o índio.”
Cara de Índio (1978), de Djavan
Índio cara pálida,
cara de índio.
Índio cara pálida,
cara de índio.
Sua ação é válida, meu caro índio.
Sua ação é válida, válida ao índio.
Nessa terra tudo dá,
terra de índio.
Nessa terra tudo dá,
não para o índio.
Quando alguém puder plantar,
quem sabe índio.
Quando alguém puder plantar,
não é índio.
Índio quer se nomear,
nome de índio.
Índio quer se nomear,
duvido índio.
Isso pode demorar,
te cuida índio.
Isso pode demorar,
coisa de índio.
Índio sua pipoca,
tá pouca índio.
Índio quer pipoca,
te toca índio.
Se o índio se tocar,
touca de índio.
Se o índio toca,
não chove índio.
Se quer abrir a boca,
pra sorrir índio.
Se quer abrir a boca,
na toca índio.
A minha também tá pouca,
cota de índio.
Apesar da minha roupa,
também sou índio.
Aíla
Lésbica assumida, a cantora e compositora paraense Aíla Magalhães, com o nome artístico Aíla, vai do brega ao pop e mistura ritmos de seu estado como a guitarrada ao carimbó, da cúmbia ao zouk love. Profissionalmente na estrada desde 2012, é presença fundamental na música popular brasileira contemporânea.
Em entrevista ao programa “Estação Plural”, da TV Brasil, em 2017 ela disse: “Eu tento muito, através da minha arte, me assumir como lésbica e não ser uma pessoa neutra”. Essa sua determinação aparece em suas obras.
Aqui ela canta “Você Tem Medo, Por quê?”, atualíssima porque os muitos medos que nos assombram não podem se transforma em pânico paralisante. Os medos devem ser enfrentados e superados para a vida suplantar as pedras do caminho e o novo mundo surgir.
Você Tem Medo, Por Quê?, de César Lacerda; canta Aíla
Em Cada Verso um Contra-Ataque
Ê tem medo, do quê?
Olha o tamanho da vida!
Você tem medo, por quê?
Sinta estancar a ferida
A vida é nossa medida
Saveiro, cais e partida
Um olho a gente distrai
O outro o mundo contrai
Deixe então se levar
Agora, agora, agora
Conexões, conectividade, sincronicidade
O outro lado do céu somos nós
Mirando o olho do mundo
Reflexões, reciprocidade, subjetividade
Cá dentro levo tudo de mim
Singrando cada partida
No fundo, quero, quero, quero
Quero, quero, quero
Clara Nunes
Como uma das mais importantes cantoras brasileiras de todos os tempos, a mineira Clara Nunes (1942-1983) deixou o nosso convívio muito cedo, mas sua voz permanece viva na alma de quem sonha com um outro mundo com mais igualdade e respeito a todo ser vivente.
Foi para ela que Chico Buarque compôs “Morena de Angola”, em 1989, em uma viagem que fizeram com outros artistas a Angola, há poucos anos uma nação independente. Após a Revolução dos Cravos em Portugal, em 1974, no ano seguinte, o país africano conquistou a liberdade.
“Canto das Três Raças” expressa a formação étnica do país, com a força dessa miscigenação, somos um povo único. Mesmo que insistam em deturpar a nossa formação, a realidade se impõe.
Canto das Três Raças (1976), de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro; canta Calara Nunes
Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil
Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou
Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
E ecoa noite e dia
É ensurdecedor
Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador
Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
Como um soluçar de dor