PUBLICADO EM 16 de dez de 2024
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A democracia pode sobreviver online?

O autor fala sobre a importância de reconstruir os espaços digitais para uma participação significativa em um futuro pós-X. Reivindique os comuns digitais e promova uma web mais democrática.

A democracia é desafiada pelas novas tecnologias. O sinal "X" no topo da sede da empresa em São Francisco, em 28 de julho de 2023.Noah Berger / arquivo AP

A democracia é desafiada pelas novas tecnologias. O sinal “X” no topo da sede da empresa de Elon Musk, em São Francisco, em 28 de julho de 2023. Foto: Noah Berger AP

Por Robert Gorwa

O sonho de uma web democrática tornou-se um pesadelo de crises de moderação, minas de conteúdo e bilionários autoritários. Reconstruir os espaços digitais para uma participação significativa em um futuro pós-X exigirá nada menos do que reivindicar os comuns digitais.

O Começo: A Era do BBS

No início, havia uma nevasca. Era janeiro de 1978, e fortes ventos subtropicais vindos do norte colidiram sobre os Grandes Lagos com uma corrente polar ártica que vinha do sul, produzindo uma das piores tempestades de neve da história dos Estados Unidos. A “Grande Nevasca de 1978” despejou quase um metro de neve em algumas partes de Michigan, causando quase uma centena de mortes e cerca de meio bilhão de dólares em prejuízos (ajustados pela inflação).

Presos em casa durante a tempestade, dois entusiastas de computação de Chicago decidiram construir um sistema que lhes permitisse se comunicar. Na época, o protocolo da internet ainda estava a anos de uso disseminado, mas os avanços na microprocessação começavam a tirar os computadores dos laboratórios e levá-los para as casas de entusiastas. Os modems permitiam a transmissão de informações por linhas telefônicas comuns, e Ward Christensen e Randy Suess, ambos membros do *Chicago Area Computer Hobbyists’ Exchange* (CACHE), uniram suas habilidades para criar um modem modificado que outros poderiam usar para se conectar e deixar mensagens para leitura posterior.

O resultado, inspirado nos quadros de avisos físicos das reuniões do CACHE, é amplamente reconhecido como o primeiro *Bulletin Board System* (BBS), uma rede social primitiva que prefigurou os fóruns e microblogs de hoje. Como observa o estudioso Nathan Schneider, os BBSs eram notáveis por “oferecerem aos entusiastas da computação fora da academia e dos centros de pesquisa financiados pelo exército sua primeira experiência de comunidade mediada digitalmente.”

Mas, com essa comunidade, também veio o *sysop* (*system operator*, ou operador do sistema). Os quadros de avisos online muitas vezes estavam fisicamente localizados na casa de alguém, literalmente conectados à sua linha telefônica, o que dava a essa pessoa enorme influência na formação das normas da comunidade. Se os membros não gostassem do estilo de moderação do administrador, sua única saída era abandonar o serviço e buscar alternativas. Schneider chama esse modelo de governança de “feudalismo implícito”, uma estrutura onde o poder se concentra nas mãos de poucos — um padrão que persiste nas comunidades online até hoje.

Após os BBSs vieram as *USENET*, que ofereciam “grupos de notícias” descentralizados, mas preservavam o poder dos administradores. Anos depois, o Facebook imitou o modelo de quadro de avisos ao criar o “Wall” (Mural), mas a governança centralizada permaneceu a norma.

Reivindicando os Comuns

Nathan Schneider — escritor, ativista e acadêmico em comunicação — tem se dedicado a enfrentar as limitações democráticas dos espaços digitais. Em seu novo livro *Governable Spaces*, Schneider apresenta um chamado para ferramentas digitais melhores, explicitamente projetadas como “meios democráticos”.

Ele argumenta que as plataformas digitais que usamos para trabalhar, brincar e nos comunicar globalmente são, em sua maioria, feudos corporativos autocráticos e irresponsáveis. Esse controle corporativo reflete uma erosão democrática tanto online quanto offline. Schneider acredita que, para reverter essa tendência, é necessário reconstruir as práticas democráticas online e criar coletivamente novos “comuns digitais radicais.”

A proposta de Schneider é fundamentada em esforços de base e experimentações locais. Seu projeto “Metagovernance” oferece guias para criar políticas personalizadas, regras e sistemas de votação para empoderar os usuários.

Os Limites do Leviatã

Paul Gowder, em *The Networked Leviathan*, também aborda o desafio da governança nas mídias sociais, mas com um enfoque diferente. Ele sugere que, à medida que as plataformas crescem, o poder dos administradores é limitado pela escala e complexidade do espaço que supervisionam.

Um dos casos mais emblemáticos de negligência em moderação online foi o papel do Facebook na incitação pública à violência contra comunidades Rohingya em Mianmar, em 2017. Gowder aponta que as empresas multinacionais de plataformas enfrentam dificuldades estruturais e tecnológicas para monitorar suas próprias operações e implementar regras eficazes.

Surfando na Web

Se pudéssemos reconstruir as plataformas de hoje do zero, como contornaríamos os problemas de legitimidade e capacidade de governança? Schneider defende uma abordagem comunitária e descentralizada, enquanto Gowder propõe uma democracia corporativa, com assembleias cidadãs que assessoram grandes empresas como Meta e Google.

Rumo à Democracia Digital

Quando analisados juntos, *Governable Spaces* e *The Networked Leviathan* revelam os desafios de aprofundar a democracia online. Schneider pede ousadia na criação de infraestruturas digitais de propriedade e controle coletivos. Já Gowder sugere melhorias no status quo, com plataformas mais responsáveis e eficazes.

Mesmo em um mundo fragmentado, não devemos abandonar o projeto utópico de plataformas digitais genuinamente democráticas.

Robert Gorwa é um pesquisador interessado na governança de plataformas e em outros desafios transnacionais de políticas impostos pelo capitalismo digitalizado. Ele é bolsista de pós-doutorado no WZB Berlin Social Science Center.

Texto traduzido do site Jacobin por Luciana Cristina Ruy

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