
A COP30 em Belém não abordou temas essenciais como o aquecimento global. Confira as principais conclusões da conferência. Foto: FLICKR COP30
Por Daniel Delgado e Ellen von zur Muehlen
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, também conhecida como COP30, realizada de 10 a 21 de novembro de 2025, em Belém, no Brasil, terminou sem nenhuma menção aos combustíveis fósseis que aqueceram a atmosfera. O acordo final também deixou de incluir qualquer novo compromisso para limitar o desmatamento.
A COP30 começou este ano com a ausência gritante de uma delegação oficial dos Estados Unidos. Donald Trump decidiu, em janeiro, abandonar a cooperação internacional sobre o aquecimento global, embora os Estados Unidos sejam o maior emissor histórico de gases de efeito estufa e continuem sendo um dos maiores emissores atualmente.
Nações do Sul Global, especialmente da América Latina, atuaram como fortes líderes na Conferência, com pedidos urgentes de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis vindos do Brasil, da Colômbia e de membros da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), incluindo Cuba, Vanuatu e Bahamas.
A conferência de duas semanas terminou em um fracasso quase total, com a grande maioria das nações insatisfeita com o acordo final. Apesar de grandes debates e pressão pública, o plano de trabalho de mitigação não incluiu qualquer menção direta aos combustíveis fósseis que impulsionam as mudanças climáticas, e a meta global de adaptação permanece incoerente.
Muitas das nações representadas na COP deste ano, incluindo algumas das mais vulneráveis às mudanças climáticas, haviam defendido que o acordo incluísse um roteiro para eliminar explicitamente os combustíveis fósseis. No entanto, qualquer consenso sobre um plano de eliminação foi barrado pela coalizão de países produtores de petróleo, incluindo Arábia Saudita e Rússia, bem como algumas economias em crescimento, como China e Índia.
Michael Jacobs, pesquisador sênior do ODI Global, disse à Reuters que “depois que o martelo já caiu, ou seja, quando a decisão foi tomada, muitos e muitos países se levantaram para dizer que estão profundamente insatisfeitos. Alguns, inclusive, afirmam que o resultado é ilegítimo… há muita raiva em relação ao desfecho.”
Um resultado mais positivo da COP30 foi o acordo de triplicar os fundos destinados ao financiamento da adaptação até 2035. Esses recursos são prometidos para ajudar as nações mais vulneráveis — geralmente mais pobres e menos desenvolvidas — a se adaptarem às ameaças climáticas. Contudo, o plano financeiro levará cinco anos a mais do que acordos anteriores para entrar plenamente em vigor e inclui linguagem vaga que levantou preocupações. Os fundos de adaptação são um importante instrumento de justiça climática, reconhecendo que as nações mais afetadas pela mudança do clima costumam ser aquelas menos responsáveis por causá-la.
Como disse à imprensa a ministra colombiana do Meio Ambiente, Irene Vélez Torres, “claramente, os países produtores de petróleo estão tentando focar apenas na adaptação. Mas a adaptação é um saco vazio se a mitigação não vier junto com a adaptação. Só a adaptação — e o financiamento para a adaptação — não são suficientes se não enfrentarmos o problema. A causa raiz desse problema são os combustíveis fósseis.”
Lobby dos combustíveis fósseis dá as cartas
Defensoras e defensores da justiça ambiental e ativistas indígenas criticaram duramente a conferência devido à grande presença de representantes da indústria de combustíveis fósseis.
Segundo um relatório da coalizão Kick Big Polluters Out (KBPO), mais de 1.600 lobistas ligados às indústrias de petróleo, gás e carvão foram credenciados para a COP30. Isso significa que uma em cada 25 pessoas presentes estava vinculada ao setor de combustíveis fósseis.
Esse número representa um aumento de 12% em comparação com a cúpula do ano passado, em Baku, de acordo com a mesma análise. Ao longo das últimas cinco COPs, o KBPO estima que quase 7.000 pessoas ligadas aos combustíveis fósseis participaram das discussões.
Grandes empresas de energia como ExxonMobil, BP e TotalEnergies estiveram representadas, muitas vezes por meio de grupos do setor. Ainda mais preocupante, alguns executivos de combustíveis fósseis fazem parte até mesmo de delegações nacionais oficiais. A França, por exemplo, levou 22 delegados ligados à indústria fóssil, incluindo altos executivos da TotalEnergies.
Pior ainda, defensores da transparência alertam para o potencial de conflitos de interesse não declarados entre membros das delegações, já que mais da metade deles ocultou ou omitiu informações sobre suas filiações.
A indústria de combustíveis fósseis — que tem um longo histórico de disseminar informações falsas e bloquear ações climáticas significativas — recebeu quase 60% mais credenciais para a COP30 do que as 10 nações mais vulneráveis ao clima somadas (1.061).
Lideranças indígenas se manifestam
Mesmo que pouco possa ser considerado como conquista, a COP30 continua sendo um dos poucos espaços em que muitos ambientalistas — especialmente comunidades indígenas — podem lutar para chamar atenção para as questões existenciais que enfrentam e desejam enfrentar diretamente.
Amanda Pankará, do povo Pankará, em Pernambuco, disse ao UN News que a COP30 oferece um espaço onde as questões indígenas podem ganhar maior visibilidade. “Teríamos muito mais a contribuir se mais indígenas estivessem participando dessas discussões. Essas demandas são legítimas. Estamos reivindicando o direito à terra, o direito à vida… Nós somos quem cria essa barreira de proteção, então queremos ser ouvidos.”
No dia 15 de novembro, dezenas de milhares de pessoas foram às ruas da cidade-sede, Belém, para exigir ações climáticas urgentes. A mobilização liderada por povos indígenas reuniu manifestantes que denunciavam a ganância corporativa, a guerra e o imperialismo, exigindo medidas imediatas para reduzir o uso de combustíveis fósseis e respeitar a soberania indígena.
“Hoje estamos testemunhando um massacre enquanto nossa floresta é destruída”, disse Benedito Huni Kuin, membro do povo Huni Kuin, do oeste do Brasil, de 50 anos.
“Queremos fazer nossas vozes ecoarem a partir da Amazônia e exigir resultados”, acrescentou. “Precisamos de mais representantes indígenas na COP para defender nossos direitos.” Suas reivindicações incluem reparações pelos danos causados por empresas e governos, especialmente contra comunidades marginalizadas.
Na noite anterior, uma marcha liderada por indígenas chegou ao perímetro da ‘Zona Azul’ da COP, uma área segura acessível apenas a portadores de credenciais oficiais da cúpula. O grupo rompeu a segurança, derrubando uma porta antes de ser contido pela polícia das Nações Unidas.
“Eles precisavam nos ouvir… Então bloqueamos a entrada da COP porque precisamos ser ouvidos”, disse Alessandra Korap Munduruku, que em 2023 recebeu o Prêmio Ambiental Goldman por sua liderança em ações de resistência que levaram a multinacional britânica Anglo American a se retirar de terras indígenas, incluindo as do povo Munduruku de Sawré Muybu, no Brasil, do qual ela faz parte.
Em uma entrevista extensa ao Democracy Now!, ela enfatizou a marginalização das vozes indígenas que “vivem na floresta amazônica” nas decisões tomadas na COP.
“Nós sabemos o que o rio está passando. Precisamos do rio. Vivemos com o rio. Hoje, o rio Tapajós está seco. Há dias em que o rio desaparece. Há tantos incêndios florestais. Então, por que não podemos ter poder de decisão aqui na COP? Por que somente falam sobre nós, mas nós não podemos decidir?”, questionou a ativista ambiental.
“Os rios — o Tapajós, o Madeira — estão sendo privatizados para a criação de hidrovias, para o transporte de soja pelo agronegócio. Isso vai expandir a produção de soja no Brasil. Vai levar a mais desmatamento. Vai levar a mais violações de direitos indígenas”, acrescentou.
IA: amiga ou inimiga do clima?
Outra controvérsia na COP deste ano envolveu o papel da inteligência artificial. Lobistas corporativos representando Google, Nvidia e outras empresas participaram do encontro, promovendo produtos e softwares de IA como soluções para questões climáticas. Em pelo menos duas dezenas de sessões relacionadas à IA, as promessas dos promotores variaram do grandioso ao trivial. Alguns afirmaram que a IA poderia ajudar a otimizar redes de energia ou auxiliar na modelagem climática e em sistemas de alerta precoce para eventos climáticos extremos.
O chefe de sustentabilidade da Nvidia, Josh Parker, foi ainda mais extremo. Ele afirmou que a IA poderia ser útil para praticamente qualquer coisa, uma ferramenta indispensável na luta contra a mudança climática.
Enquanto as empresas de tecnologia tentavam vender a inteligência artificial como uma ferramenta de sustentabilidade, mantiveram-se notavelmente silenciosas sobre o enorme dano ambiental causado pela IA hoje. Jean Su, diretora de Justiça Energética do Center for Biological Diversity, destaca a enorme quantidade de energia consumida por data centers para computação de IA e alerta que a maior parte dessas necessidades energéticas é suprida por gás extraído por fracking.
A maior parte da computação e construção de data centers no mundo ocorre nos Estados Unidos, onde a política de Donald Trump tem sido apostar ainda mais na produção de combustíveis fósseis para suprir essa imensa demanda energética. Em resposta às alegações sobre o possível uso da IA no combate à mudança climática, Su afirmou: “Acho que o futuro pode incluir uma IA que realmente beneficie o interesse público. Porém, isso é um disfarce e uma distração em relação à vasta maioria da IA atual, que está sendo usada para defesa e militarização — coisas que não beneficiam o interesse público.”
“O que precisamos fazer”, ela continuou, “é capacitar comunidades e países, especialmente no Sul Global, a perguntar qual é o benefício público que deveriam receber da IA e pesar isso com muito cuidado frente aos graves custos para seu clima, seus preços de eletricidade e sua água.”
Necessidade de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis
Embora a décima terceira reunião da COP tenha resultado em um acordo enfraquecido e omisso em relação ao tema central dos combustíveis fósseis, os governos da Colômbia e dos Países Baixos anunciaram que irão coorganizar a Primeira Conferência Internacional sobre a Transição Justa para Longe dos Combustíveis Fósseis, em abril de 2026, na Colômbia.
Segundo reportagem da Fossil Fuel Treaty Initiative, Maina Talia, ministro da Mudança Climática de Tuvalu, uma nação insular do Pacífico que enfrenta a ameaça existencial do aumento do nível do mar, afirmou:
“Precisamos garantir que qualquer transição seja fundamentada na equidade e na justiça, capacitando nações como Tuvalu a se adaptarem e prosperarem diante de desafios sem precedentes. Estamos comprometidos a trabalhar com todas as partes interessadas e trazer mais países de todas as regiões para a mesa, a fim de construir um tratado que reflita a urgência e a escala da emergência climática, e garanta um futuro viável para nosso povo e nossa cultura.”
No fim das contas, o acordo frágil e debilitado resultante da COP30 é indicativo das profundas divisões e desigualdades entre as nações mais vulneráveis e aquelas mais responsáveis pela mudança climática. Ele também evidencia o poder e a influência do lobby dos combustíveis fósseis e de outros poluidores corporativos, que fazem tudo ao seu alcance para impedir soluções reais e a transformação necessária para que o mundo evite os piores cenários do aquecimento global.
Enquanto os Estados Unidos boicotam a COP e forças corporativas poderosas buscam minar seu potencial, países do Sul Global, povos indígenas, coalizões camponesas e outros movimentos populares de massa continuam liderando o mundo ao exigir e organizar uma transição justa global.
Daniel Delgado é estudante de pós-graduação na USC e membro da UAW Local 872.
Ellen von zur Muehlen é estudante de pós-graduação na UCLA e membro da UAW Local 4811.
Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy
Leia também:
Sindicalistas reforçam importância da COP30 nos debates globais































