PUBLICADO EM 18 de jun de 2024
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A Batalha da Matrix e a luta de jovens negros em São Bernardo do Campo

Batalha da Matrix em 7 de maio de 2013. Foto reprodução internet.

Batalha da Matrix em 7 de maio de 2013. Foto reprodução internet.

Mais do que um movimento cultural, o Hip Hop busca promover mudanças na sociedade. Isso fica claro na pesquisa “Cultura, Espaço e Política: um estudo da Batalha da Matrix em São Bernardo do Campo”, apresentada pelo ex-rapper e MC Felipe Oliveira Campos na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

Felipe detalha, por meio de entrevistas com MCs e membros da Sociedade Alternativa de Campo (S.A.C.) — entidade responsável pela organização da Batalha da Matrix —, as transformações do movimento cultural Hip Hop. Ele também demonstra como esse movimento precisou atuar politicamente para garantir que jovens, em sua maioria negros e moradores de periferias, continuassem frequentando a Praça da Matriz no centro de São Bernardo do Campo, uma cidade do grande ABC de São Paulo.

“A Batalha da Matrix é um evento que acontece desde 7 de maio de 2013, das 19 às 22 horas, na Praça da Matriz, em São Bernardo do Campo, e funciona como um ponto de encontro de jovens, que frequentam o local para batalhar, encontrar amigos ou simplesmente conversar”, descreve o pesquisador. As tensões ficaram mais evidentes quando começou a ter uma presença mais ostensiva da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Bernardo do Campo e da Polícia Militar”, conta o pesquisador.

Ainda segundo o pesquisador, o Hip Hop é um movimento influente porque consegue transformar os estigmas de uma população marginalizada em orgulho e conscientização. “O Hip Hop é importante porque permite à população que enfrenta um genocídio, más condições de moradia e todas as adversidades possíveis, transformar esses estigmas em orgulho negro, periférico e em pertencimento, que vislumbra uma transformação social”, descreve o pesquisador, ressaltando que, “do mínimo, ele consegue fazer o máximo e possibilita que muita gente sonhe em concretizar muitos dos seus sonhos. Além do mais, é um movimento que tem uma grande incidência artística na sociedade brasileira, como podemos ver com Emicida, Racionais, entre outros.”

Grandes greves

A cidade de São Bernardo do Campo, em 1978, foi palco de grandes greves que proporcionaram a reorganização do sindicalismo, reprimido desde 1968. Milhares de metalúrgicos cruzaram os braços em busca de aumento salarial. A população, na época, se solidarizou com os grevistas arrecadando dinheiro para o fundo de greve e alimentos. Já em 2013, a cidade, que era essencialmente operária, passou a não contar mais com a força social dos sindicatos, que deixam de ter incidência sobre a população local.

“Nos anos 1980 a cidade era essencialmente operária, com 420 mil habitantes e cerca de 170 mil metalúrgicos. Passados mais de 30 anos, houve uma reestruturação produtiva e as empresas ficaram mais enxutas. O público que frequenta as batalhas não é um público operário e nem presta serviços tecnológicos para as empresas, mas sim trabalhadores, na sua maioria, sem carteira assinada, ou seja, camelôs, vendedores de salgado, entre outros. Cerca de 90% dos frequentadores das batalhas ganham até um salário mínimo”, diz Campos.

População contra o evento

Batalha da Matrix em 2017 - Foto: cedida pelo pesquisador

Batalha da Matrix em 2017 – Foto: cedida pelo pesquisador

Conforme o pesquisador, o fato de as batalhas no início começarem por volta das 19 horas e não terem horário para terminar causava alguns transtornos na região. Mas o que fez a população ir contra o evento foi quando jornais da região passaram a vincular matérias negativas sobre os encontros às terças-feiras. “Os jornais da região mesclavam boas e más notícias. Poucas vezes diziam que ali ocorriam encontros de jovens da região, mas a maioria das matérias saía com opiniões de leitores dizendo que no entorno da praça ocorriam arruaças, brigas e assaltos. Que ali era um ponto de uso de drogas e que vendiam bebidas para menores de 18 anos.”

O dia 26 de janeiro de 2016 foi o único em que o evento não teve um campeão das batalhas. Enquanto os MCs duelavam, a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana (GCM) da cidade dispersaram cerca de 600 pessoas. A repressão foi um desdobramento de outras batalhas ocorridas anteriormente, apesar da abertura do diálogo entre a organização do evento e gestores do governo municipal. “Nas reuniões, o que se ouvia era que a prefeitura considerava legítima a atividade, mas que o local não seria adequado, já que gerava desconforto a uma parcela dos frequentadores do entorno.”

Isso não intimidou os organizadores da batalha, que lutaram para usar àquele espaço e protocolaram uma carta no Ministério Público. “A carta foi protocolada como uma reivindicação de independência e o direito à cidade, dando o verdadeiro sentido às praças, longe de qualquer tipo de burocracia formal de existir. A organização colocou-se numa posição de enfrentamento a qualquer manifestação ou tentativa de repressão à realização do evento na Praça da Matriz”, conta Felipe.

Governo mais conservador

Depois de vários protestos e reuniões com o poder público, os organizadores conseguiram permanecer na Praça da Matriz. No entanto, a luta pela continuidade das batalhas no local continuou. As eleições de 2016 mostravam uma eminente troca de comando da Prefeitura, com o advento de um governo mais conservador. “O diferencial da Batalha da Matrix para outras batalhas é que ela foi a que mais enfrentou problemas para continuar existindo. Além dos elementos do Hip Hop contemporâneo, também tinha componentes que diziam sobre a cidade contemporânea e a forma de engajamento político e social dos frequentadores”, diz o pesquisador.

Atualmente o evento procura reconhecimento para se consolidar como um movimento organizado e reconhecido pelo público como Resistência, que se dedica a uma profissionalização do trabalho desenvolvido na própria organização. “A Batalha da Matrix, que permanece até hoje na Praça da Matriz, além da luta para pertencer ao espaço público, também está nas redes sociais para lutar por legitimidade e visualização, a fim de mobilizar seguidores”, diz Campos.

Com informações de Jornal da USP

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