PUBLICADO EM 09 de ago de 2022
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Breve análise sobre a meritocracia

Há tempos venho querendo escrever sobre a meritocracia, porém cada vez que me proponho a isto enxergo a necessidade de aprofundamento do tema vez que se trata de um pensamento alienante, mas que serve de guia à ampla parcela da população, com destaque para a classe média. Entretanto, disponho-me aqui a analisar o assunto ainda que brevemente vez que é um tema complexo e que não se esgota em um texto assim tão curto.

Antes, porém de, resumidamente, dissertar sobre o assunto lembro a você que etimologicamente “mérito” significa “merecimento”, “reconhecimento”, “aptidão”. E meritocracia, poder do mérito. Por si e etimologicamente o termo ‘meritocracia’ já é excludente, pois se trata de poder dos que fazem por merecer.

Por possuir caráter ideológico poderoso que dá sustentação à defesa e legitimação das desigualdades sociais, a meritocracia, segundo Santo Souza, “(…) é um dos fundamentos de ordenamento social mais reacionário que existe, com potencial para produzir verdadeiros abismos sociais e humanos”. Sua principal característica está assentada na avaliação de desempenho que, do ponto de vista moral, embasa a tese do merecimento individual.

Sendo assim, toda e qualquer ideia e/ou ação voltada às políticas públicas visando favorecer os excluídos, os pobres de modo geral (cotas raciais, Bolsa-família, construção de habitação popular, políticas de humanização dos presos e/ou marginalizados [tipo Cracolândia], investimentos de impostos em saúde e educação públicas, projetos de polícia-cidadã, etc.), encontra nos defensores da meritocracia os mais ferrenhos opositores.

Como ideologia a meritocracia é tão poderosa que, com todas as deficiências que o projeto ultraliberal revela, ela o sustenta e impede que ampla maioria prejudicada o rejeite e lute contra ele. O que tem impedido a esquerda a se contrapor e derrotar o ultraliberalismo ainda que no fundo a meritocracia não passe de uma falsa ideia. A grande dificuldade a meu ver para se construir uma alternativa ao ultraliberalismo que possa ser aceita pela maioria da população e voltada ao bem comum.

A visão “positiva” da meritocracia está presente nas escolas, desde o ensino básico, passando por cursos técnicos médios e superiores, no âmbito das religiões (especialmente as ditas cristãs e embasadas na teologia da prosperidade), cinema, bem como através da mídia hegemônica (rádios, TVs, jornais e revistas…).

A defesa dessa visão individualista, competitiva e posta perante o distinto público de maneira triunfalista, além da demonização do Estado e, no geral, da coisa pública, é que faz com que parcelas da classe média e também de segmentos pertencentes à população de baixa renda odeiem políticos e projetos que propugnem em defesa de ações e de governos que apostam no social, que se colocam como a favor do desenvolvimento econômico voltado ao enfrentamento das desigualdades. A meu ver são verdadeiras caixas de ressonância para a reprodução e reverberação da meritocracia.

O apoio a governos tipo o de Jair Bolsonaro e, em São Paulo, ao de João Dória, de falsa rejeição, de negação à política e aos políticos e louvor à gestão de moldes privados (“não sou político, mas empresário, gestor”) é a prova cabal dessa afirmação.

Está mais do que provado e por razões várias que, no mundo, o modelo econômico ultraliberal fracassou, porém persiste e causando estragos em grande medida devido ao embasamento que lhe é oferecido pela ideologia de viés meritocrático.

José Raimundo de Oliveira é historiador, educador e ativista social.

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  • Lauro Carone Novais

    Magistral o artigo e muito apropriado para este momento eleitoral. Aliás, não apenas para agora, mas para qualquer momento, pois é um contraponto à visão do merito individual em prejuizo da ação coletiva, e da luta em prol do bem comum. Como diz o texto a meritocracia é uma forma, talvez a mais eficiente, utlizada na legitimação das desigualdades. Estamos carente desse tipo de discussão. Mesmo entre a esquerda parcela ampla tem receio de fazer esse debate, expor o que pensa respeito. Parabéns, professor!

  • Esmael Leita da Silva

    Caro companheiro José Raimundo é demais que acessam o Rádio Peão Brasil.
    O assunto é importante e merece atenção de todos, as questões foram abordadas de forma clara e direta, compartilhar é uma forma de vencer estes males que nos afetam, o discurso neoliberal e seus representantes. É produzindo conteúdo como este que venceremos o fascismo. Grande e fraternal abraço.

QUENTINHAS