Por Luiz Prado (Jornal da USP)
“Ela tinha uma capacidade magistral de construir personagens, em especial figuras femininas”, afirma o professor Jaime Ginzburg, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a respeito da escritora Lygia Fagundes Telles, que morreu no dia 3 passado, em São Paulo, aos 98 anos. “Em suas obras, várias formas de relações entre mulheres são apresentadas em detalhes, podendo motivar o leitor a refletir sobre o que aproxima e o que afasta mulheres umas das outras. Entre outros exemplos, cabe lembrar das inquietações de Bruna em torno de Letícia, em Ciranda de Pedra, dos contrastes entre as protagonistas de As Meninas e das lembranças das mães que perderam suas filhas em O Segredo e Uma Branca Sombra Pálida.”
“Lygia Fagundes Telles foi a grande contista em um país de romancistas. Poucos foram, em nossa literatura, os autores que souberam executar a narrativa curta com maestria comparável à de Lygia”, afirma Cláudia Ayumi, estudante de pós-graduação da FFLCH que pesquisa a obra da autora. “A capacidade de condensar magistralmente em forma breve os grandes impasses da subjetividade em confronto com a conturbada vida social brasileira pode ser atribuída, em particular, a dois grandes autores da literatura brasileira: Machado de Assis e Lygia Fagundes Telles. Esta, sem intencionar, foi mais que escritora de seu tempo e de seu país (e o reconhecimento internacional confirma essa informação), mas também foi a autora que, explorando o episódico, preocupou-se em figurar, sempre em textos repletos de poeticidade, as contradições do indivíduo inserido em nossa realidade histórico-social.”
Nascida em São Paulo em 19 de abril de 1923, Lygia foi romancista e contista e era detentora de algumas das maiores honrarias das letras nacionais. Sua carreira literária começou aos 15 anos, em 1938, com a publicação da coletânea de contos Porão e Sobrado. A autora, entretanto, consideraria sua real estreia nas letras, como autora madura, o romance Ciranda de Pedra, de 1954.
Era formada pela Faculdade de Direito da USP e foi procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Mas sua verdadeira vocação, como admitiu em entrevista, era a escrita. Dentre sua longa trajetória encontram-se volumes como Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973), Seminário dos Ratos (1977) e Filhos Pródigos (1978). Além de adaptações para o cinema, o teatro e a televisão, seus livros foram traduzidos para uma série de idiomas, como alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, polonês, sueco e tcheco.
Em 1985, Lygia se tornaria a terceira mulher na história a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Além desse reconhecimento, a autora reuniria ao longo de sua trajetória diversos prêmios Jabuti e o Prêmio Camões, a maior honraria da literatura em língua portuguesa, recebido em 2005. Foi casada com dois professores da USP: o jurista Goffredo da Silva Telles Junior, da Faculdade de Direito, e o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, da Escola de Comunicações e Artes (ECA).
Fonte: Jornal da USP