Instigar a violência, dizimar culturas e fazer avançar um monopólio político e cultural pelo mundo é disfunção intrínseca do neoliberalismo. Assim, o Facebook nada mais é do que um produto típico deste estágio que o modo de produção alcançou.
O artigo “Os desastres do Facebook no exterior“, de Eric Posner, publicado no Valor Econômico (em 16/11/2021), mostra alguns dos efeitos nocivos desta poderosa rede social. Ele diz:
“Hoje, o mais feio de todos os americanos não é um funcionário do governo, mas um cidadão privado, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg. Zuckerberg recebeu um fluxo interminável de críticas por causa do lamentável impacto do Facebook na política e na cultura americanas. Menos atenção foi dada ao impacto do Facebook nos mercados estrangeiros, que Zuckerberg penetrou de forma imprudente, sem qualquer preocupação evidente com as possíveis consequências de realizar experimentos sociais de grande escala em países com instituições frágeis e históricos de instabilidade”.
Ele está certo, mas sem querer defender o dono do Facebook, não esperaria dele uma preocupação com a estabilidade política dos países para os quais exporta seu produto. É fato que o acesso à internet pode criar as facilidades citadas no texto:
“Na Etiópia e na Tanzânia, por exemplo, agricultores se conectam para conseguir preços melhores, monitorar estoques e fazer pagamentos de seguro em dispositivos móveis em caso de clima ruim. Na Nigéria, os cidadãos usam o BudgIT, um app mobile, para avaliar se os governos cumprem suas promessas de gastos. Na Guatemala, telefones celulares informam às mães como ter uma gravidez saudável. No Quênia, as mulheres recebem serviços financeiros por meio de seus celulares, graças ao brilhante esquema de microfinanças M-Pesa”.
Fato também é que criou problemas mais profundos e permanentes do que essas facilidades:
“A realidade acabou sendo um pouco diferente. Na Etiópia, posts no Facebook incitaram violência coletiva, confrontos étnicos e repressão à imprensa independente ou vozes dissidentes. Na Nigéria, usuários do Facebook circularam imagens pavorosas de cadáveres, falsamente usadas para sugerir que integrantes de um grupo étnico massacraram os de um grupo étnico rival e desencadearam uma onda de assassinatos horríveis. Em um país com 24 milhões de usuários do Facebook, só quatro pessoas estavam encarregadas de checar a veracidade das postagens no Facebook. Em Mianmar, contas do Facebook foram usadas para incitar a violência étnica contra os Rohingya, dezenas de milhares dos quais foram mortos e muitos mais forçados a se exilar. Na Índia, usuários do Facebook incitaram violência sectária, incluindo linchamentos, contra os muçulmanos. Relatos semelhantes de uso do Facebook para incendiar conflitos e provocar massacres têm vindo do Sri Lanka, Iêmen, Iraque e Bangladesh. E em muitos outros países, do Vietnã à Polônia, governos ou seus apoiadores têm usado o Facebook para botar na mira, assediar e colocar em perigo dissidentes, oponentes políticos e minorias vulneráveis”.
Isso é um terrível problema sobre o qual devemos ficar alertas. Mas a questão que quero problematizar é que Zuckerberg age e se expande de acordo com as regras (ou a falta delas) que o livre mercado permite. Tanto que qualquer debate sobre a regulação da mídia e da internet é visto como sintoma de ditadura, haja vista as críticas aos governos da China e de Cuba e a recente reação negativa quando o ex-presidente Lula tocou no assunto.
Creio que esse entendimento maior esteja na base do raciocínio de Posner quando ele acertadamente nos chama a atenção para os graves danos que as redes sociais podem causar. Conhecendo outros textos do autor e seu importante site para a nossa luta social e política, Project Syndicate, esta é a conclusão a que se pode chegar.
Mas cabe explicitar esse contexto de fundo para ampliar o debate sobre como o Facebook, ao vender facilidades, contribui para a desregulação de nações que são engolidas pela sanha liberal.
A empresa de Zuckerberg que avança de forma desregrada pelo mundo é, desta forma, metonímia da disfunção de um sistema que caminha para a barbárie, não conseguindo mais apresentar soluções para os problemas mais graves que assolam a humanidade, como a pobreza e a exclusão social.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical