De fato, na América Latina não é fácil eleger e manter governos democráticos e progressistas. As classes ricas, serviçais dos interesses imperialistas, não aceitam que os pobres participem minimamente do acesso à riqueza, nem que o Estado seja utilizado como indutor do desenvolvimento de modo a inserir os contingentes populacionais que historicamente foram excluídos da sua condição cidadã.
Em prol da ganância desmedida de uns poucos e da exclusão social da maioria costuma-se fazer uso da repressão patrocinada por essa mesma elite que desde o período colonial controla com mão de ferro e de forma corrupta a máquina do Estado em seu exclusivo benefício.
Para essa gente o papel que cabe aos pobres é trabalhar duro e viver miseravelmente. E quando um governante, não importa a que classe social ele ou ela pertença, dispõe-se a mudar minimamente essa relação, os ricos, fazendo uso dos instrumentos do Estado (Judiciário, polícias, grupos paramilitares e Exército) aplicam o que a literatura especializada denomina de “golpes preventivos” visando abortar essas experiências por considerá-las uma ameaça ao seu “status quo”.
Foi assim em 1954, na Guatemala de Arbenz; em 1963 e 1965, na República Dominicana; em 1945 e 2002, na Venezuela de Chavez; em 1973, no Chile de Allende; em 1976, na Argentina; em 2009, na Honduras de Zelaya; em 2012, no Paraguai de Lugo e, em 2019, na Bolívia de Morales, apenas para ficarmos nos casos mais recentes.
Deixei o Brasil por último dadas as suas peculiaridades, mas que não foge à regra em relação aos demais países latino-americanos quando o assunto são os golpes de estado promovidos pelas classes dominantes.
Acusado, em 1954, por uma trama envolvendo militares e civis, e para evitar uma possível prisão, Getúlio Vargas suicidou-se; em 1964, falsamente acusado de querer implantar no país uma república sindicalista João Goulart foi derrubado via golpe empresarial/militar. Golpe que durou 21 anos, com todas as consequências nefastas que isso acarretou.
Em 2016, sob acusação de ter praticado “pedaladas fiscais” e de editar irregularmente decretos de suplementação orçamentária a então presidente Dilma Rousseff, eleita com 54 milhões de votos, foi derrubada por um golpe disfarçado de impeachment.
Em 2018, o ex-presidente Lula foi condenado e preso, acusado de corrupção, sem que houvesse provas, para tanto. A ação que mais tarde se revelou uma tremenda farsa judicial visou punir o ex-presidente por ter tido a ousadia, quando governo, de inserir parcela dos pobres no Orçamento público e ainda para impedi-lo de disputar novamente a presidência da República.
Em artigo intitulado “Lições da Suécia” e publicado em 29/06/2018 na Folha de São Paulo, ao final o seu autor, Oded Grajew, perguntava: “(…) quanto tempo ainda levaremos para chegar aos consensos que possam tornar o Brasil, campeão da desigualdade, em um país próspero e justo?”
A resposta a essa questão exige um olhar especifico para a classe trabalhadora. Como disse alguém conhecedor da matéria, “Ela continua sendo a classe que, quando as condições políticas colocarem a possibilidade de disputar o poder, ou seja, quando se abrir uma situação revolucionária, pode mudar os destinos do Brasil. Ela é a classe portadora de esperança “.
Não vejo outro caminho, por mais estranha e/ou despropositada que essa posição possa parecer. Tal como em toda América Latina, as inúmeras tentativas de conciliação de classes buscadas por partidos e indivíduos para fazer avançar o desenvolvimento com justiça social deram com os burros n’água.
Como bem disse mestre Darcy Ribeiro, ao se referir ao Brasil, “Nunca se viu, em outra parte, ricos tão capacitados para gerar e desfrutar riquezas, e para subjugar o povo faminto no trabalho, como os nossos senhores empresários, doutores e comandantes. Quase sempre cordiais uns para com os outros, sempre duros e implacáveis para com subalternos, e insaciáveis na apropriação dos frutos do trabalho alheio. Eles tramam e retramam, há séculos, a malha estreita dentro da qual cresce, deformado, o povo brasileiro (…) porque só assim a velha classe pode manter, sem sobressaltos, este tipo de prosperidade de que ela desfruta, uma prosperidade jamais generalizável aos que a produzem com o seu trabalho”.
O golpe de 2016 que derrubou Dilma Rousseff, a arbitrária prisão de Lula para que não se reelegesse e viesse a repetir a experiência dos seus dois governos (2003-2010), a entrega das riquezas do Brasil ao capital estrangeiro, bem como o desmonte do Estado nacional, incluindo nesse rol a retirada dos direitos sociais e trabalhistas, como vem fazendo o governo de Jair Bolsonaro, são a prova cabal desta afirmação.
Portanto, não vejo outro caminho senão a organização da luta nas condições acima mencionadas como forma de superação desse modelo arcaico e a construção de uma sociedade nova, econômica e socialmente desenvolvida, solidária e justa.
José Raimundo de Oliveira, é historiador, educador e ativista social.
Kleber carvalho
Ótimo texto, resume tudo que o povo tá passando, dá forma mais cruel e covarde, precisamos de alguma forma nos organizar com extrema urgência para que possamos voltar a ter esperança e dignidade novamente.