Por Ricardo Flaitt_Futebol é catarse, xingamento, delírio, êxtase, pernil escorrendo gordura, cerveja, amizades, extravasamento diante das agruras da vida e uma preservação do menino dentro do homem. Porém, para o Capital, que não tem pátria, time de coração, sentimentos, e que objetiva apenas o lucro, nem possui sensibilidade e responsabilidade social, futebol representa apenas uma somatória de lucros.
Ainda que esporte oriundo das elites, foi a massa operária que transformou o futebol em uma paixão mundial e, consequentemente, gerando um grande negócio. Essa mesma massa social, à margem de um país em que cidadania plena é um craque ainda esta por nascer, nestes tempos em que se retomar uma modernidade civilizatória em meio ao caos social, com a formação das arenas, está sendo empurrada de volta à periferia.
As novas arenas, com a pratica de elevados preços dos ingressos, contrapondo a realidade de sobrevivência da maioria dos brasileiros, fazem com que o futebol retorne como diversão e entretenimentos das elites. Esse é ponto de cisão em que reafirma o documentário “A Era das Arenas”, dirigido pelo jornalista Rogério Dias, que traçou uma linha de condução sobre o tema com depoimentos de torcedores, jornalistas, antropólogos, historiadores, economistas e ex-jogadores.
Se antes era entretenimento da massa operária, agora o futebol é artigo de luxo. O distanciamento, a incompatibilidade entre renda e a possibilidade de ver o seu time de coração, fica ainda mais claro no artigo de Luiz Ruffato, “A pobreza como forma de dominação”, publicado no site El País, “segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca da metade dos trabalhadores brasileiros sequer recebe um salário-mínimo por mês. Realizada a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), dos 88,9 milhões de trabalhadores ocupados em 2016, 44,4 milhões recebiam, em média, o equivalente a 85% do valor do salário-mínimo vigente, ou seja, R$ 747. Por outro lado, 889 mil pessoas (1% do total da população empregada) recebia, em média, R$ 27 mil mensais. Por isso, ocupamos o vergonhoso 10º lugar no ranking dos países mais desiguais do mundo…”
O apartheid da bola não se revela pela cor da pele, mas na desigualdade de renda. O formatado produto futebol moderno exclui a massa operária que tinha o futebol como único elemento de alegria no imenso triturador de carne que é o sistema. Nos projetos das novas arenas não inserem mais o torcedor comum, o brasileiro de verdade, para privilegiar os cidadãos com maior poder aquisitivo, não somente porque possuem potencial para consumir os produtos ligados ao clube, mas também, consequentemente, formatar uma paisagem com predominância de gente com menos rugas e mais dentes, dando acabamento racial no produto futebol.
O documentário não se resume a um registro sentimental contra o avanço da modernidade no mundo da bola com as novas arenas e seus espaços com belos assentos, banheiros perfumados e decentes, como assim merece toda população, mas, sobretudo, coloca a bola no centro do campo social para que se debata o equilíbrio da participação da massa e aqueles que podem pagar mais por uma partida de futebol.