Na linha de frente do combate à pandemia da Covid-19 e salvando milhares de vidas, a categoria dos enfermeiros e enfermeiras de todo o país luta também pela valorização profissional com piso salarial e respeito à jornada de 30 horas semanais de trabalho. A batalha se dá na tramitação do Projeto de Lei 2564/2020, conhecido como PL da Enfermagem, de autoria do Senador Fabiano Contarato (Rede-ES), e atualmente aguardando a ‘boa vontade’ do presidente da Casa, Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de colocar o projeto em votação.
O que trava o processo de tramitação do PL da enfermagem é a pressão e o lobby de setores contrários ao reconhecimento da categoria. O próprio presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM) age contra a aprovação do projeto, atendendo aos interesses do setor privado e de prefeitos que argumentam falta de recursos para bancar o piso salarial proposto no PL, de R$ 7.315.
“Os prefeitos argumentam que o PL vai causar um impacto de R$ 45 bilhões nos cofres públicos e que o projeto não aponta a fonte de pagamentos. E que, por isso, se aprovado, sairia dos fundos municipais”, diz Oldack Cézar, Secretário de Saúde da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam).
De acordo com o dirigente, outra alegação é a de que o piso da categoria estouraria o teto dos gastos, imposto pela Emenda Constitucional 95 (EC 95), ultrapassando o limite de 54% do orçamento municipal, limite determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Dinheiro tem”, afirma Oldack. Segundo ele, basta o Congresso Nacional, após aprovada o PL, fazer uma emenda parlamentar indicando a fonte pagadora.
“Defendemos a revogação da EC 95 e a taxação de grandes fortunas. Assim haverá recursos mais que suficientes para desengavetar não só esse como todos os outros projetos de pisos salariais das categorias profissionais da saúde”, ele diz.
Contra-ataque
Se por um lado o presidente do Senado mantém o projeto do piso fechado na gaveta, por outro, os profissionais se mobilizam para pressionar a votação. Os sindicatos de servidores públicos – presentes em 90% dos municípios brasileiros – cobram das Câmaras Municipais o apoio ao projeto, por meio de moções encaminhadas ao Congresso Nacional.
Oldack explica que a estratégia é angariar o apoio dos legislativos municipais, que então mobilizam suas bases – os deputados estaduais e federais – para que as moções cheguem ao Senado. “É um efeito cascata, mas inverso”, complementou.
É também pelas Câmaras Municipais, que os sindicatos cobram a implementação da lei da Jornada de 30 Horas, que é facultativa aos municípios.
Já pelos meios institucionais, a Confetam, federações e os sindicatos vêm mantendo diálogo com organizações e entidades representativas da categoria, como os Conselhos de Enfermagem Federal e os Conselhos Estaduais para somarem força à reivindicação.
“Além da sensibilização de todos os profissionais de saúde, para que pressionem o presidente do Senado para pautar o PL pelas redes sociais, inclusive. Já há votos suficientes para a aprovação, mas o ‘cara’ tá segurando porque sabe que se se colocar, o projeto passa”, diz Oldack.
O senador Rodrigo Pacheco, junto com o vice-presidente, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), apresentaram uma proposta ao autor do projeto, Fabiano Contarato, para a retirada de trechos do texto.
Sem acordo com Contarato, a intenção de Pacheco é “não acolher as 30 horas semanais e estabelecer um piso nacional salarial que seja a média nacional, valor que seria discutido com representantes da categoria”.
O parlamentar fez um apelo à todas as entidades representativas dos profissionais da Enfermagem e às trabalhadoras e trabalhadores da base para continuarem mobilizados na luta pela aprovação integral do PL 2564.
Setor privado é contra jornada de 30 horas
A contrariedade de hospitais privados e entidades filantrópicas, além da questão econômica, tem como alvo as 30 horas semanais de jornada para a categoria.
“A jornada de 30 horas requer contratação de mais profissionais, o que gera encargos trabalhistas”, diz Oldack Cézar.
O dirigente reforça que boa parte dos hospitais recebem aporte público (recursos) do SUS.
“Têm hospital privado que tem serviço comprado pelo SUS, portanto não justifica esse lobby a não ser a ganância do capitalismo de ter lucros a serem divididos entre poucos”.
Em relação a questão salarial, o dirigente explica que “para bancar o piso salarial, esses hospitais teriam apenas de abrir mão de parte do lucro exorbitante que têm”. E faz uma provação: “é só olhar os balanços dos planos de saúde”.
Tem dinheiro!
De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os planos continuam “operando no azul e viram o lucro aumentar ao longo de 2020, apesar da crise econômica e do aumento do desemprego.”
Os dados apresentados pelo Idec são da Agência Nacional de Saúde (ANS) mostram que somente no período de janeiro a setembro do ano passado, o lucro líquido foi de R$ 15 bilhões. E esse lucro, ainda de acordo com o Idec, é maior do que os registrados em anos anteriores.
No resumo da ópera, Oldack afirma que o discurso de “não ter dinheiro” é facilmente desmentido, a partir de soluções práticas e dados que mostram a possiblidade de bancar o piso da categoria e que “falta boa vontade política para a aprovar porque eles sabem que se o PL passar, todos os outros projetos parados que instituem piso para outros profissionais da saúde também vão passar”.
A luta não é fácil. Eles sabem que é um gatilho. Se esse PL passa, outros passarão. A tendência é de ter um levante da saúde que nunca houve- Oldack Cézar
Trabalhadores dizem “chega de demagogia”
Considerados heróis por se exporem a riscos para salvar vidas, os trabalhadores da categoria dos enfermeiros e enfermeiras agradecem o reconhecimento. Porém tanto para eles, quanto para seus representantes, reconhecimento justo é também o reconhecimento financeiro e condições dignas de trabalho.
Oldack Cézar, da Confetam, lembra que, assim como outros profissionais da saúde, o trabalho dos enfermeiros e enfermeiras é estafante, carrega uma carga emocional muito forte e abala o psicológico dos trabalhadores.
“Eles têm que ter uma jornada decente. A responsabilidade é muito grande e o cansaço é uma porta para o erro. E não se pode errar com vidas”, diz Oldack.
Com salários baixos, muitos enfermeiros têm de dobrar a jornada para poder complementar o seu orçamento. Desta forma, a situação fica ainda mais grave para esses trabalhadores.
Média salarial atual e a luta pelo piso
De acordo com o Conselho Nacional de Enfermagem e com dados do Dieese, no 4º trimestre de 2019, os trabalhadores da Enfermagem, para os quais era exigido ensino superior, recebiam 66,4% a mais do que enfermeiros com o nível médio. No 4º trimestre de 2020, essa diferença caiu para 39,3%.
Já os profissionais de nível médio de Enfermagem com ensino médio completo recebem, em média, 11,1% a menos do que os demais trabalhadores brasileiros e, mesmo durante a pandemia, o rendimento ficou estável em R$ 2.250.
O PL 2564/2020, de autoria do Senador Fabiano Contarato (REDE-ES), estabelece o Piso Salarial em R$7.315,00 para enfermeiros e enfermeiras. Para os técnicos, o piso salarial estabelecido é referente a 70% deste valor (R$5.120,50) e para os auxiliares, 50% (R$3.657,50). Todos os valores correspondem a uma jornada de 30 horas semanais.
Raio X da categoria
São mais de dois milhões de trabalhadores em todo o Brasil. A maioria atua nas Prefeituras como enfermeiros, auxiliares técnicos e parteiras. Do total, 89% são mulheres que têm dupla e tripla jornada, ou seja, mais de um emprego, além da jornada doméstica.
De acordo com o último levantamento do Conselho Federal de Enfermagem, de maio deste ano, desde o início da pandemia, 776 enfermeiros perderam a vida para a Covid-19.
Fonte: CUT
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