O traço marcante do debate educacional brasileiro atual é a prevalência de um conjunto de concepções e medidas que têm caráter, intento e sentido claramente regressivo, excludente, doutrinário e autoritário.
A começar pela questão do financiamento e da remuneração dos profissionais da educação, passando pela desestruturação das carreiras e das relações de trabalho, envolvendo ainda conceitos e métodos pedagógicos e chegando a negação do direito social e dever estatal de garantir o acesso e permanência na escola.
A privatização direta ou indireta, a introdução de modelos educacionais referenciados na visão mercadológica, a substituição de educadores por plataformas digitais, a precarização intensa e extensa, o adoecimento decorrente das péssimas condições de salário e trabalho, as terceirizações indiscriminadas, a ofensiva ideológica, programática e política sobre a educação crítica, democrática e cidadã também fazem parte desse cenário.
Porém, o debate e o embate se dão tanto no macro, no geral, no conjunto, quanto no específico, no particular, no segmentado. Dito isso, proponho-me a ponderar sobre dois temas delimitados, cuja importância e impacto podem ser de maior ou menor grau conforme o viés observado: homeschooling e Escola Cívico Militar.
Ambas – cada qual a seu modo – concorrem para a construção, estabelecimento e hegemonia de uma visão de mundo e comportamento social que presta tributo aos propósitos fascistas e neoliberais que tencionam impor suas vontades, projetos e interesses à população.
Num país que sequer conseguiu universalizar a educação básica a seu povo, tampouco venceu obstáculos como o analfabetismo e a baixa escolaridade, com graves distorções quanto ao aprendizado, alcance rarefeito do ensino superior, entre outros aspectos e situações, propor a educação domiciliar é uma aberração.
Mas não basta apontar os problemas históricos e estruturais da educação nacional para desautorizar tecnicamente o homeschooling, é preciso problematizar criticamente a modalidade proposta, argumentando seus equívocos, limites e perigos. A começar pela negação do papel socializante da escola, espaço e ambiente onde se tecem relações complexas, diversas e positivas que vão além dos saberes formais e curriculares.
Quem conhece a realidade escolar brasileira sabe que muitas vezes é na escola que se destrincham situações dramáticas, inclusive àquelas ligadas à fome, ao abandono, à violência e ao abuso que castigam crianças, adolescentes e jovens. Também é verdadeiro dizer que a máxima “educação vem de casa, na escola se dá ensino” não corresponde aos fatos: machismo, racismo, misoginia, preconceitos e discriminações são superados graças ao trabalho pedagógico de professores e orientadores que acolhem e corrigem culturas e mentalidades trazidas desde influências variadas.
Mas o mais grave mesmo é o que está implícito e subjacente: o propósito do individualismo, da atomização, de recusa a uma noção coletiva e social, isolamento e ensimesmamento. O corolário neoliberal do sujeito por si próprio aproxima-se da fixação fascista em detratar tudo que lhe contrarie – em especial a crítica, a racionalidade e o humanismo – colocando o indivíduo numa redoma, impedindo a formação da consciência.
Algo similar pode ser dito acerca da coqueluche do momento: as Escolas Cívico Militares. Engodo completo. Como se civismo e cidadania fossem antagônicos e não complementares, sugere também que a sociedade civil é incapaz, somente a conduta militarista é digna de respeito e competência.
Ignora por completo a diferenciação entre o que é parcial e aquilo que responde à totalidade. Indica demagogicamente que há superioridade moral de uma sobre a outra, celebra a autoridade em lugar da autonomia, a subserviência em vez do protagonismo e a prostração em substituição ao empoderamento.
A ordem aparece como naturalização, jamais como expressão de uma vontade – imposta ou construída – logo um objeto ou processo onde não existe possibilidade de diálogo e persuasão, apenas obediência inconteste ao que foi determinado de fora. O princípio filosófico da contradição e da síntese simplesmente é descartado e a mínima noção de democracia – e suas irmãs siamesas, a cidadania e os direitos – fenecem ante ao apelo de um civismo pré-moldado aos ditames da tradição conservadora e aos preceitos dos deveres.
Indispensável comentar que a melhor qualidade do ensino ofertado nas escolas militares não se dão por conta da concepção pedagógica, mas sim por causa da estrutura e financiamento adequadas. Com corpo profissional correto, boas instalações, verbas suficientes e outros requisitos específicos, tais estabelecimentos por óbvio alcançam melhores resultados, como aliás ocorre nas escolas particulares.
Há uma mitificação sobre o civismo e o militarismo e se faz necessário reafirmar a Educação através da perspectiva do Direito Social subjetivo, responsabilidade e Dever do Estado e da Família, guiado pelos princípios da Gestão Democrática e da pluralidade de concepções educacionais, assegurando às escolas a autonomia administrativa, financeira e pedagógica.
O caminho para recuperar as conquistas históricas no campo educacional – gravemente abaladas desde o Golpe e, principalmente, após a eleição de um governo fundamentalista, negacionista e extremista – é tarefa de todos, todas e todes que acreditam que é possível um novo rumo mesmo em meio as trevas do obscurantismo e assim cumprir a razão maior da Modernidade e do Humanismo: servir à emancipação material, mental e espiritual do ser humano. Vencer o homeschooling e as escolas cívico militares é parte dessa luta civilizatória. Avante, educadores!
Alex Saratt é professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS, vice-diretor do 32º núcleo do Cpers-Sindicato
Edila
Parabéns pelo esclarecimento.
Joner Alencar Marchi Nascimento
Parabéns Alex Saratt. Muito boa análise
Marisa M. Padilha
Em boa hora vem estas reflexões para que todos possam ter o esclarecimento ,do que estão querendo fazer com a Educação no nosso estado e país.Parabens professor, pela clareza da exposição.