PUBLICADO EM 15 de jun de 2021
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‘Em defesa da Eletrobras e do Brasil’; por Chicão e Miguel Torres

Em defesa da Eletrobras e do Brasil

O Brasil passa por tempos difíceis, resultado da omissão e das escolhas erradas ou premeditadas da classe governante do país, que ao longo da segunda metade da década de 2010, tem causado um inaceitável impacto negativo na economia nacional, na consolidação da Democracia e mais diretamente no respeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana.

O desemprego é recorde, a fome voltou a assolar milhões de brasileiros, a economia patina, os investimentos nacionais e internacionais estão paralisados por conta da insegurança política e jurídica vigente.

Some-se a isso o fato de que o país descuidou de consolidar os princípios democráticos, não buscou o aperfeiçoamento e a articulação de suas instituições, não tratou com a devida responsabilidade a criação de políticas públicas de Estado e não de governo.

O futuro da nação brasileira e a melhora da qualidade de vida do seu povo não se concretizam através de discursos populistas, da intolerância e do autoritarismo; um futuro melhor se constrói com a participação e o respeito de todos os segmentos sociais, um país justo e soberano não se rende aos interesses capitalistas em detrimento da vida e dos sonhos das pessoas.

O reajuste é esperado anualmente nos aniversários de concessão às empresas distribuidoras e não considera critérios sociais, como a pandemia da covid-19 – Foto: Maria Hsu/Chesf

Como se não fossem suficientes e preocupantes as crises sanitária, econômica e política estamos às vésperas de uma imensa crise hídrica; esta junção de eventos negativos expõe o desprezo dos governantes em planejar e principalmente executar de forma adequada, transparente e eficiente políticas e medidas a curto, médio e longo prazo.

É preciso deixar bem claro que apesar da administração pública possui quadros técnicos especializados, porém, sua atuação fica comprometida pela ganancia daqueles que habitam o andar de cima do poder, visam somente usar o dinheiro público em seu próprio benefício e de seus amigos e apoiadores.

Indignados com a onda autoritária que se abateu sobre o Brasil e, comprometidos com o futuro do nosso povo, não podemos nos calar frente a mais uma iniciativa irresponsável e lesiva ao patrimônio e à soberania nacional.

Privatizar a Eletrobrás é jogar a história da maior empresa de energia no lixo, abrir mão da soberania nacional, voltar às costas ao desenvolvimento do país e à qualidade de vida dos que aqui vivem.

Soberania Nacional não se subordina ao lucro
Dentre as várias estratégias criadas e usadas pelo capitalismo selvagem para alavancar os maiores lucros possíveis à custa da exploração humana e ambiental, destaca-se a redução da interferência dos Estados Nacionais na economia nos níveis nacional, regional e mundial.

A pueril euforia com uma economia mundial complementária e promotora do desenvolvimento mundial perdeu-se no ar como mais um canto da sereia. Movidos pela fragilidade de suas economias e ou pela sedução do enriquecimento pessoal e dos holofotes do poder, muitos governantes sucumbiram à pressão e a cooptação capitalista; condenando seus países a subserviência ao lucro, abrindo mão da soberania nacional.

No caso específico do Brasil, que já foi a sexta maior economia do planeta, a classe política, com algumas exceções, não se esforçou para que a Constituição Federal se transformasse no livro de cabeceira de todos os atos e políticas pós sua promulgação.

A nossa Constituição que em seu Art. 1º, incisos I, II e III, estabelece o norte para a efetivação da Soberania Nacional – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Federal, constitui-se e, Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania, III – a dignidade da pessoa humana… – nunca foi tão desconsiderada como nos dias de hoje, enquanto nos distraímos com debates contraproducentes sobre a judicialização da política, a boiada continua passando e a Soberania Nacional sendo subtraída.

Ainda citando a Constituição Federal que em seu Art. 3º, II estabelece a responsabilidade do Estado em garantir o desenvolvimento nacional, fica demonstrada a não observação de mais um preceito constitucional, ou seja, planejar, promover, fiscalizar ações e políticas que assegurem o referido desenvolvimento.

É certo que a Constituição Federal no mesmo artigo – Art. 20 º – que abre a possibilidade do Estado autorizar, conceder ou permitir que agentes privados explorem os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, deixa claro que os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terreno de seu domínio são bens da União.

Ao encaminhar a lesiva MP 1031, que entrega a gestão das bacias hidrográficas aos futuros donos das usinas hidrelétricas, o Poder Executivo abre mão da Soberania Nacional, descumpre a Constituição Federal e acena com o risco do Brasil ficar refém de interesses meramente financeiros.

Outro aspecto do caráter inconsequente da MP 1031 é não levar em conta que a água virou uma valiosa comodities, que será mais importante que as fontes de combustíveis fósseis como petróleo e gás; este direcionamento da MP em questão coloca o Brasil na contra mão do mundo no que se refere a uma transição energética segura.

A defesa da Soberania Nacional e da Democracia não acontece com discursos beligerantes e bravatas motivacionais em cercadinhos e atos populistas. É preciso compromisso real com o país e com o seu povo, além de capacidade de governar e honestidade.

Segurança energética em risco
A partir de estudos desenvolvidos por inúmeras instituições que acompanham o funcionamento do setor elétrico brasileiro, dentre elas o DIEESE, é possível identificar a insatisfação e a insegurança da classe empresarial, da classe trabalhadora e dos 3 consumidores em geral com a possibilidade de mais uma vez pagarem a conta da irresponsabilidade do governo federal.

Por que privatizar a maior empresa do setor elétrico da América Latina, a segunda maior do mundo em geração de energia hidráulica e terceira em termos de matriz energética limpa e renovável?

Por que privatizar a empresa que gera 30% da energia no Brasil (50,6 GW de capacidade instalada) e possui 70 mil Km de linhas de transmissão? Por que privatizar uma empresa que entre 2000 e 2020 investiu R$190 bilhões? Não existem garantias que a iniciativa privada continuará a investir neste patamar.

Por que privatizar uma empresa que entre os anos de 2016 e 2020 reduziu a sua dívida líquida em relação o ebitda (indicador do resultado da operação da empresa e seu potencial de geração de caixa) de 9,5 vezes para 1,5 vezes?

Por que privatizar uma empresa que entre os anos de 2000 e 2020 repassou para a União R$19,3 bilhões? Não existem garantias que a iniciativa privada continuará a repassar tal volume de recursos para a União. Por que privatizar uma empresa que entre os anos de 2018 e 2020 apresentou um lucro de R$31bilhões?

Por que privatizar uma empresa que apesar de ter reduzido o número de trabalhadores de 28.5 mil em 2010 para 13.8 mil em 2020 continua sendo estratégica para a geração, a transmissão e a distribuição de energia elétrica? A verdade é que se estas perguntas não são respondidas ou as respostas são manipuladas para encobrir mais uma manobra de entrega do patrimônio nacional, colocando em risco a soberania energética do Brasil; afinal de contas se a Eletrobrás fosse um país ela seria o 8º maior país em termos de geração de energia.

O Brasil na contramão do mundo
Além de todas as incoerências já apontadas as bitoladas mentes que estão por trás da MP 1031 desconhecem ou ignoram por completo as tendências mundiais para o setor de energia.

Nos países desenvolvidos já foram reestatizadas mais de 374 empresas devido a queda de qualidade dos serviços prestados à população e ao descumprimento de contratos e normas regulamentadoras.

Ao redor do mundo o setor de transmissão de energia é considerado estratégico, enquanto aqui no Brasil os patrocinadores e beneficiários da privatização entendem de forma diferente. É impossível que o mundo esteja errado.

Em todos os países em que predomina a geração hidrelétrica os governos não abrem mão de deter o controle deste segmento do setor elétrico; de que adianta a Itaipu Binacional continuar estatal se as linhas de transmissão forem controladas pela iniciativa privada, que certamente vai lucrar aumentado o preço da energia, bem como os valores que hoje são repassados para a arrecadação federal serão enviados para o exterior na forma de lucros e dividendos.

Outro fator que demonstra o descompasso do planejamento energético no país é que enquanto o mundo discute uma transição energética justa em direção a uma consciência ambiental responsável, a fatídica MP 1031 impõe a contratação de 6 MW de energia de termelétricas a gás natural, que além de ser mais poluente do que a geração hidráulica, deverá ocorrer regiões onde se quer existem gasodutos. Quais serão as empresas que construirão estes gasodutos?

A iniciativa obscura de entrega da Eletrobrás para a iniciativa privada oferece um grande atrativo financeiro para aqueles que porventura adquirirem a empresa, através da renovação de contratos de concessão por mais trinta anos, sem a discussão da necessária redução dos valores, além da destinação de R%875 milhões anuais a serem “investidos” pelos novos donos. Um ótimo negócio para o capital e péssimo para o Brasil.

A falácia de que a privatização provocará uma queda nos preços da energia também não se sustenta, pois a MP 1031, pasmem, foi editada por um governo que se diz liberal, cria uma reserva de mercado para Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs); contrariando o princípio da liberal da concorrência. Esta é mais uma razão para que esta perversa MP não seja nem apreciada pelo Senado Federal.

Segundo estudos desenvolvidos pelo instituo de Energia e Meio Ambiente – IEMA – a MP 1031 provocará significativo aumento das emissões de gases de efeito estufa pelo setor elétrico; outro alerta do instituto é que a MP privilegia a matriz térmica enquanto, ignorando o potencial de geração por meio de fontes mais limpas, como a solar e a eólica, principalmente na região nordeste do Brasil.

Soberania e Democracia não se negociam, se fortalecem
O Brasil que ainda engatinha em termos de Democracia está vivendo um grave período de retrocesso social, político e econômico; ao invés da elite política e econômica apostar em um Brasil mais justo e desenvolvido, ela privilegia o imediatismo enriquecedor da manipulação das leis e do orçamento público, o setor elétrico tem sido vítima constante da má política.

Usar o setor elétrico brasileiro como instrumento de controle inflacionário e como fonte de recursos financeiros para cobrir buracos provocados por uma gestão pública ineficiente e usurpadora da riqueza nacional e dos sonhos dos brasileiros, é um atentado à Soberania Nacional e à Democracia, que rasga a Constituição Federal e condena o país a se submeter aos caprichos concentradores de renda de uma elite política e econômica ávida por lucros e distante do povo.

Nós trabalhadores do Brasil, em especial a categoria eletricitária, somos contrários a privatização da Eletrobrás e defendemos com energia um Brasil soberano e melhor para todos.

Eduardo de Vasconcellos Correia Annunciato (Chicão)
Presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo

Miguel Torres
Presidente da Força Sindical

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