A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, que pode ter seu início na próxima terça-feira (27), no Senado Federal, deve receber, entre os depoentes, ex-integrantes do primeiro escalão da Saúde do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Cotado para assumir a presidência da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) defendeu que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta seja convocado para explicar detalhes de sua gestão à frente da pasta. “Foi onde tudo começou”, disse o parlamentar em suas redes sociais.
Embora carregue o rótulo de opositor a Bolsonaro, Mandetta chegou a defender o presidente em 4 abril de 2020 e atacou o lockdown, medida apontada por especialistas como fundamental para frear o avanço do vírus.
“A quarentena é um remédio extremamente amargo, extremamente duro. Antes de adotar o fecha-tudo, existe a possibilidade de trabalhar por bairro, a possibilidade de se fazer a redução da mobilidade urbana. Nós saímos praticamente do início dos números para o efeito cascata de decretação de lockdown como se nós estivéssemos todos em franca epidemia”, afirmou Mandetta, que foi demitido no dia 16 de abril de 2020.
Tentando descolar-se da responsabilidade da tragédia que assola o país, Mandetta tratou de atacar seu ex-aliado, Jair Bolsonaro, em primeiro de outubro de 2020.
“Bolsonaro escolheu um caminho que pôs milhares de pessoas em risco. (…) O presidente teve um papel preponderante. Não se pode dizer que não se sabia das consequências (da pandemia).”
No dia 23 de março deste ano, já sob a suspeita de estar de olho na campanha presidencial de 2022, Mandetta se colocou em contraposição a Bolsonaro e criticou o número de mortes no país. “Hoje, 300 mil cadáveres me separam de Bolsonaro. Agora, as ofensas à democracia, às instituições, ao estado de direito e democrático se somam a isso.”
Nelson Teich
Embora tenha ficado apenas 29 dias no cargo, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich também deve figurar no elenco de depoentes da CPI da Pandemia. Em 22 de junho, o ex-chefe da pasta elogiou a condução da crise sanitária e citou o presidente.
“Eu acho que o governo está dando o melhor dele, eu não tenho a menor dúvida disso. Você não pode esquecer que o governo são centenas de milhares e milhares de pessoas trabalhando, não é só governo federal, é governo estadual e municipal também.”
Seis meses depois, em janeiro de 2021, o médico voltou sua artilharia contra o governo federal.
“Falta de tudo: planejamento, estratégia, liderança, coordenação e informação. Tudo isso aí não é uma coisa só. As pessoas falam de temas como se fossem uma bala de prata. Dizem que a Coreia do Sul foi bem porque investiu em testagem, por exemplo. Mas a testagem faz parte de uma estratégia maior. É a forma de evitar que as pessoas passem (o vírus) para os outros.”
João Gabbardo
Hoje coordenador-executivo do Centro de Contingência da covid-19 do governo de São Paulo, João Gabbardo Reis, esteve próximo ao presidente Jair Bolsonaro enquanto ex-secretário-executivo de Mandetta.
Apesar de nos primeiros meses da pandemia flertar com a proposta de isolamento vertical defendida por Bolsonaro, que envolve apenas os grupos de risco e é uma medida impraticável na maioria dos lares brasileiros, entrou para a lista de ex-integrantes do governo que criticam duramente a gestão.
Além de ver com preocupação a militarização da pasta com a chegada de Pazuello, em fevereiro afirmou durante coletiva de imprensa do Governo de São Paulo que a “má vontade” do Ministério da Saúde atrasou a vacinação.
Em tom de desabafo, Gabbardo afirmou que a gestão Bolsonaro havia atrasado o pagamento pelas doses da CoronaVac, amplamente criticada pelo capitão reformado por ser produzida em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
À época, com o pagamento próximo da data limite, o então nº2 do Ministério da Saúde disse que a produção da nova leva de doses havia sido comprometida. Segundo Gabbardo, o Ministério da Saúde demorou para pagar pelas doses de CoronaVac já fornecidas.
“Se o Ministério da Saúde tivesse boa vontade com o Butantan, não essa má vontade, já poderia ter pago essa parcela no dia 1 do contrato. Com esse recurso, o Butantan teria contratado mais gente e acelerado o processo de vacinação. Acho que ainda existe resistência do Ministério da Saúde para que o Butantan possa aumentar velocidade da produção de vacinas antes que outras vacinas cheguem ao país”, criticou Gabbardo em fala no Palácio dos Bandeirantes.
Julio Croda
Outro nome que deixou o Ministério da Saúde é Julio Croda, ex-chefe do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis. As críticas ao presidente são contantes por parte do infectologista e pesquisador da Fiocruz, que pediu demissão do cargo um mês antes da saída de Mandetta.
Ele chegou a declarar ao El País, em junho de 2020, que a equipe previa a falta de respostas efetivas contra o coronavírus.
“A gente sentia dentro do governo que não existia união sobre o que deveria ser feito e que a resposta seria pífia, como está sendo. Saí antes que houvesse qualquer impacto desnecessário para o setor técnico”, afirmou.
Entre os outros pontos criticados por Croda está o descompasso da União com estados e municípios e o negacionismo que tomou a gestão Bolsonaro.
O negacismo nos trouxe até esse momento. Não foi apenas a nova variante.https://t.co/SdoLOKRUA6
— Julio Croda, MD, PhD (@juliocroda) February 26, 2021
O tratamento precoce para casos graves de COVID-19 é oxigênio. pic.twitter.com/hDR3cx8dt1
— Julio Croda, MD, PhD (@juliocroda) January 14, 2021
Wanderson de Oliveira
Doutor em epidemiologia, Wanderson de Oliveira também deixou o Ministério da Saúde em resposta aos primeiros confrontos diretos entre a equipe com os posicionamentos de Jair Bolsonaro.
Há pouco mais de um ano, em 15 de abril, ele anunciou seu pedido demissão em meio as notícias sobre a saída de Mandetta . Wanderson era um dos principais responsáveis pela estratégia de combate à Covid-19 no Brasil e foi convidado para permanecer no cargo por Nelson Teich. Mas, deixou a pasta efetivamente um mês depois, com o fim da passagem efêmera do novo ministro pelo cargo.
Com a saída oficializada, publicou uma carta na qual citou que havia “uma pedra no meio do caminho” dos ex-ministros, em referência ao poema de Carlos Drummond de Andrade.
“Estávamos à frente pelo menos duas semanas em relação aos demais países da Europa e Américas, ampliando a capacidade laboratorial, leitos, EPIs e Respiradores. No entanto, como dizia o poeta e conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, ‘no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho’, escreveu Wanderson Oliveira, repetindo que também havia uma pedra no caminho no caminho de Teich, sem citar diretamente Jair Bolsonaro ou outros ministros.
Oliveira chegou a recomendar que estados considerassem o distanciamento social como medida sólida de enfrentamento, o que não foi bem recebido por outros integrantes do governo.
Fabio Wanjgarten
O ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, não integrou o Ministério da Saúde mas pode ser uma verdadeira dor de cabeça para Bolsonaro na CPI da Pandemia.
Ele poderá ser um dos primeiros convocados para depor para esclarecer declarações feitas a Veja, nas quais declara que a pasta seria responsável pelo atraso na compra de imunizantes contra a covid-19. “Houve incompetência e ineficiência”, afirmou o publicitário ao veículo.
O requerimento para que Wajngarten seja convocado será protocolado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) na próxima terça (27), primeiro dia de reunião da CPI.
Segundo a Agência Reuters, que teve acesso ao requerimento, Randolfe mencionou no documento a declaração de Wajngarten de que o Ministério da Saúde “participou ativamente dos esforços para viabilizar a compra da vacina da Pfizer” e que disse possuir “e-mails, registros telefônicos, cópias de minutas do contrato, dentre outras provas para confirmar sua afirmação”.
Fonte: Brasil de Fato
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