Ao longo de seu mandato, Jair Bolsonaro já acumula 73 pedidos de impeachment, sendo o último de autoria do advogado Conrado Luciano Baptista. Até ontem (24), porém, não havia expectativa, nos meios políticos de Brasília, de que algum deles fosse admitido pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Mas o cenário mudou, após o duro discurso do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), dirigido ao presidente da República. Compete a ele desencadear o processo. “Em política, palavra é ação. Falar é uma maneira de agir. Se Lira não tem a intenção de tocar esse processo, criou uma situação que vai ficar cada vez mais difícil (para Bolsonaro)”, diz o cientista político Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília. “Se antes de Lira abrir essa possibilidade as pessoas já pressionavam, agora essa pressão triplica. Ele criou o ambiente para aumentar essa pressão.”
Em sua fala, Lira foi ameaçador: “Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais”. Para Barreto, o presidente da Câmara exprimiu o espírito do Congresso. O deputado, líder do Centrão, desde que assumiu tem afirmado sua intenção de que não quer fazer nada sozinho. “E ele fez o discurso de ontem depois da reunião de líderes. Esse não é o tipo de ameaça que você faz gratuitamente. O cenário é de desconfiança. Para reverter, não perder, Bolsonaro tem que moderar o comportamento, dar espaço e rezar para a popularidade melhorar, com auxílio emergencial e tudo o mais”, observa Barreto.
“Ventos começaram a soprar”
Desde segunda-feira (22), conta o analista – especializado em pesquisa de comportamento eleitoral –, as sondagens entre parlamentares mostram “ventos que começaram a soprar muito forte por aqui”. Os ventos são impulsionados pela desconfiança. No início do ano, de acordo com ele, a expectativa política era de pacificação do Congresso e de que uma aliança de centro-direita se organizaria para 2022, a partir da ligação de Bolsonaro com Centrão.
Inclusive porque o governo tem conseguido tudo o que pediu ao Congresso, como a autonomia do Banco Central, vetos do orçamento, PEC Emergencial, entre outros projetos. Por sua vez, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tenta fazer sua parte para honrar o diálogo com o presidente, esforçando-se para não abrir uma CPI da pandemia. “Enquanto isso, Bolsonaro ataca os governadores, que têm interlocução com o Senado. Ele quebrou as expectativas de uma parceria estável e duradoura”, na opinião do analista.
“O cristal se quebrou”
A imagem para ilustrar o atual quadro é de que “o cristal se quebrou”, diz. Como pagamento pela aprovação da agenda do governo pelo Congresso, Bolsonaro ignorou as indicações do Parlamento ao Ministério da Saúde e entrou no Supremo Tribunal Federal contra o lockdown de governos estaduais, apontando mais uma vez que a responsabilidade da crise da pandemia é dos governadores.
Além de tudo, os parlamentares veem suas próprias bases viverem o horror da pandemia, o que significa séria ameaça a seu futuro político. “Em uma semana de pesquisa que estamos fazendo, muitos deputados para quem estamos ligando estavam indo a enterro do pai, do correligionário, ou procurando internar alguém”, relata Barreto. “Político vai ao enterro, compra o caixão, tira foto com a viúva, com o morto, até ajuda a abrir o buraco. Mas pular dentro da cova, não pula. Ninguém tem mais a expectativa de que Bolsonaro mude seu comportamento dual: em um momento ele compõe, em outra hora ataca. Isso cansou.”
Nas entrelinhas
Como nunca, o impeachment de Bolsonaro começa a se insinuar nas entrelinhas de atores insuspeitos. O vice-presidente Hamilton Mourão disse, nesta quinta-feira (25), em entrevista no Palácio do Planalto, que a situação da pandemia no Brasil, com mais de 300 mil mortos, “ultrapassou o limite do bom senso”.
“Quando se vislumbra a possibilidade de um novo governo, ele começa a surgir. Já se começam a alimentar perspectivas”, diz Leonardo Barreto. Segundo sua análise, olhando mais à frente, setores da classe empresarial e da opinião pública veem um segundo turno entre Lula e Bolsonaro como o pior cenário em um segundo turno em 2022.
Como parece improvável tirar o petista da disputa, esses setores podem começar a vislumbrar a possibilidade de tirar Bolsonaro, via impeachment. “Como? Um processo de impeachment, além de interromper o governo, teria o objetivo de impedir um cenário eleitoral que consideram muito difícil”, avalia Barreto. “Alguns processos políticos são cumulativos. Em um momento vai ter o ponto de ruptura. A coisa piorou muito para Bolsonaro esta semana”, conclui.
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