Matéria publicada em 14/12/2020 pelo jornal Folha de São Paulo, e tendo por base levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que “todos os dias pelo menos duas crianças e adolescentes são mortos pela polícia no Brasil”. Ainda, segundo a matéria, “Entre 2017 e 2019, policiais mataram ao menos 2.215 crianças e adolescentes no país”.
Se tomarmos por base os dados do Atlas da Violência, de 2019, referente ao ano de 2017, nesse período foram 65.605 homicídios. Um aumento de 6,7% em relação a 2016 e 37,5% se comparado a 2007. Desse total, 75,5% das vítimas eram negras.
Isto é o que, senão genocídio? Qual é a justificativa para tanto? Não existem justificativas. Trata-se de crimes contra a humanidade. Nem mesmo as guerras de baixa e média intensidades matam desta maneira.
O mais grave, porém, é que os assassinos, com destaque para as polícias, contam com o respaldo de ampla parcela da sociedade no tocante a essa matança. Do contrário elas não ocorreriam, pois exigir-se-ia investigação consequente e punição severa aos responsáveis.
Além de toda essa violação de direitos que atenta contra a cidadania e a vida se está também desta forma destruindo a futura força produtiva da nação, no seu sentido mais amplo. Perda de uma geração inteira em plena capacidade produtiva.
Com uma taxa de natalidade em queda livre (1,77 filhos por mulher, e com possibilidade de, em 2050, esta baixar ainda mais para 1,66 filho por mulher, segundo IBGE/2018), seremos em um futuro não tão distante uma sociedade formada por um imenso contingente de idosos (muito em função do aumento da expectativa de vida), porém desprovida de jovens e crianças, já que, além de queda da natalidade, se está matando o que a nação brasileira tem de melhor que é a sua juventude. Um verdadeiro tiro no pé.
Essa atitude em querer encarcerar e/ou matar jovens na mais tenra idade (particularmente negros e pobres), é típica da barbárie (altamente irracional, cruel, desumana, além de suicida). O primordial é defender essa juventude para que possa ter assegurada um futuro com dignidade.
Em que pese uma série de leis instituídas, até agora o Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir aos jovens o pleno exercício de seus direitos e isso tem contribuído para o aumento dos índices de criminalidade contra a juventude. Nota-se, com base em dados estatísticos que, no país, os jovens são muito mais vítimas do que agentes da violência.
Fazer vista grossa a essa violência é permitir que Estado abandone de vez a sua função protetiva à infância e adolescência, tal como determina a Constituição Federal, no seu artigo 227º, deixando em definitivo um imenso contingente de jovens ao deus-dará, no mais completo desamparo em termos de direitos (saúde, educação, lazer, etc.), quando poderia lhes ser oferecido condições de vida com dignidade, incluindo o acesso a uma formação educacional adequada para poder seguir em frente como cidadãos na sua plenitude.
Ademais, é preciso refletirmos sobre um passado de 500 anos de opressão, humilhação e exclusão dos pobres deste país. Reflexão sobre uma cultura denegatória e terrivelmente autoritária, antes de qualquer atitude desatinada que nos condena ainda mais pela nossa própria irracionalidade.
Esse tipo de reflexão parece que está fora de moda, pois exige esforço mental, aprendizado, para se obter compreensão das coisas, dos fatos na sua essência e não de maneira superficial, distorcida da realidade. Mais fácil e conveniente é absorver como verdade tudo o que dizem os jornais, às TVs e seus vendedores de crimes, as novelas, o evangelismo cego, as futricas de botecos, a propaganda massificadora que nos empurra para o consumismo fútil que não leva a nada.
Proteger a infância e adolescência é função primordial do Estado e do conjunto da sociedade e não o oposto. Do contrário não teremos futuro.
Paulo Henrique Viana, Paulão – Secretário-Geral do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Laticínios e Alimentação de São Paulo.