As históricas relações comerciais, políticas e diplomáticas entre Brasil e China são complexas e multifacetadas, precisando serem examinadas em alguns de seus aspectos centrais. Desde o chamado “boom de commodities” ocorrido nos anos 2000, as relações comerciais entre Brasil e China se intensificaram significativamente. A enorme demanda chinesa por bens primários, tais como, soja, carnes, petróleo, minérios de ferro etc., fez com que os preços dessas mercadorias fossem elevados no mercado internacional, apresentando assim um horizonte de oportunidade para expansão da produção brasileira impulsionada economicamente pelo crescimento chinês.
Por outro lado, na medida em que o Brasil ampliava suas exportações de commodities também perdia espaço no mercado internacional como produtor de bens industrializados com maior valor agregado, agravando o cenário de desindustrialização em marcha no país desde os anos 1990. Enquanto isso a industrialização chinesa avançou rapidamente com a massiva exportação de produtos com preços baixos produzidos com mão de obra barata. Porém, gradualmente, o país renovou-se do pejorativo “made in China” transformando-se na assim chamada “fábrica do mundo”, enquanto se tornava a segunda potência econômica mundial e erradicava a pobreza extrema em seu território – façanha notável diante da pobreza que assolava 98,7% da população rural chinesa em 1978.
No contexto atual, apesar da guerra comercial entre chineses e norte-americanos desde a eleição de Trump, que afetou todas as projeções de crescimento mundial nos últimos anos, a China consolidou-se como o principal parceiro comercial do Brasil. A balança comercial brasileira com a China foi superavitária ao longo de toda a última década, com crescimento anual médio de 14% das exportações, que chegaram a 63,3 bilhões de dólares em 2019 e um superávit de 28 bilhões de dólares. Os Estados Unidos são o segundo principal parceiro comercial brasileiro, entretanto as exportações brasileiras para os nortes americanos foram de 29,7 bilhões de dólares no ano passado, ou seja, duas vezes menor que as exportações para a China. Além disso, o saldo da balança comercial entre Brasil e Estados Unidos foi negativo aos brasileiros em 374 milhões de dólares em 2019. Estes números reforçam a importância dos BRICS, ou os “Cinco Grandes”, bloco econômico formado por países chamados emergentes, cujo Brasil é o único representante do continente americano.
Diante deste complexo cenário, o Brasil se encontra no meio de uma disputa comercial entre China e Estados Unidos, ambos interessados no mercado consumidor brasileiro para fornecimento da tecnologia 5G, a internet móvel de quinta geração. Esta tecnologia é de fundamental importância para a melhora na qualidade, velocidade e estabilidade das transferências de dados digitais, para a ampliação da rede de cobertura com redução de custos e, finalmente, para a denominada “internet das coisas” que se avizinha com a Indústria 4.0. A decisão brasileira sobre qual tecnologia 5G será implementada no país determinará em grande medida as possibilidades de incremento tecnológico para a indústria e sociedade brasileira nos próximos anos.
Apesar do leilão da rede 5G ser organizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), que possui “independência administrativa” segundo a Lei Geral de Comunicações, o governo tem apresentado publicamente sua disposição em favorecer o serviço norte-americano independente de seu custo ou qualidade técnica. Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e filho do presidente da República, defendeu em suas redes socias “uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”. A resposta da embaixada chinesa foi bastante direta, destacando como estas alegações são “infundadas” e “solapam” as relações entre os países. Em abril deste ano as relações diplomáticas já haviam sido estremecidas pelo ex-Ministro da Educação, Abraham Weintraub, com suas manifestações xenofóbicas e insinuações do sobre como a China se favoreceria com a crise do coronavírus.
O despreparo e incompetência do governo ameaça a base tecnológica disponível à indústria e à sociedade brasileira nos próximos anos, bem como as relações já consolidadas com o principal parceiro comercial demandante de produtos brasileiros. Em uma conjuntura de estagnação que se arrasta desde 2015 e que somente se agravou com a pandemia, o governo brasileiro põe em risco uma das mais promissoras oportunidades de retomada da atividade econômica. Isto porque a renda per capta chinesa tem crescido substancialmente nos últimos anos, formando assim um enorme mercado consumidor com mais de um bilhão de chineses aptos ao consumo de bens finais e não apenas de commodities de baixo valor agregado.
Portanto, precisamos ampliar as relações comerciais com a China, intensificar e garantir transferência tecnológica, fortalecendo a cooperação entre os países dos BRICS e lutando por uma integração comercial inclusiva e coletiva.
Sergio Luiz Leite, Serginho, presidente da FEQUIMFAR 1º secretário da Força Sindical