O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou, nesta segunda-feira (28), três normas que protegem o meio ambiente no Brasil. A iniciativa se deu a mando do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que pautou uma reunião em caráter de urgência para extinguir as Resoluções 284, 302 e 303.
A primeira estava em vigor desde agosto de 2001 e estabelecia normas para licenciamento de empreendimentos de irrigação. A invalidação da medida teria sido um pedido da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), uma das representações institucionais do ruralismo brasileiro.
Já as Resoluções 302 e 303 tratavam de parâmetros, definições e limites para áreas de preservação permanente (APPs) de reservatórios artificiais e o regime de uso do seu entorno.
Especialistas e entidade de servidores públicos reagiram às decisões do Conama, que estariam ligadas a interesses do agronegócio.
“Passaram o rolo compressor. Com essa composição do Conama, fica impossível. Eles vão ganhar todas, porque o governo consegue controlar”, critica a ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e especialista em políticas públicas do Observatório do Clima Suely Vaz.
Ela ressalta que o histórico do conselho de votar pelo rigor das normas ambientais foi alterado na gestão de Ricardo Salles à frente do Meio Ambiente. “Isso não ocorre mais neste governo, que vota tudo no sentido de atenuar o rigor da legislação ambiental”, pontua.
A pauta da reunião desta segunda do conselho foi questionada por parlamentares, ambientalistas e pela Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), que chegaram a solicitar a retirada desses pontos da pauta.
A oposição também agiu por meio de uma ação popular na Justiça Federal, em Brasília (DF), que pedia a suspensão da reunião. O documento foi produzido pelas assessorias jurídicas do PT e do Psol, mas não houve resposta a tempo.
Aparelhamento político
No ano passado, o governo Bolsonaro reduziu de 96 para 23 o número de membros do Conama. Com isso, sufocou a participação da sociedade civil nessa instância de decisões, asfixiando vozes contrárias à gestão e fortalecendo a pauta do agronegócio, um dos principais braços políticos e econômicos do governo.
“O Conama, infelizmente, depois de 40 anos, virou uma instância pra se ‘passar a boiada’. É muito triste acompanhar tudo isso”, lamenta Vaz, citando uma das mais controversas manifestações de Salles, proferida durante uma reunião ministerial em abril deste ano.
Na ocasião, o titular da pasta defendeu que o governo utilizasse o momento da pandemia para focar na flexibilização de normas ambientais e “passar a boiada”.
Pelo Twitter, o biólogo André Aroeira, por exemplo, também lembrou o enfraquecimento do conselho. “Tudo começou há mais de um ano, quando o sujeito recém-condenado por improbidade administrativa fez um bingo pra refundar o Conama e ninguém se importou. Preparou o esquema, negociou com os interessados, anunciou a boiada… e fez. Simples assim”, disse o especialista em políticas públicas para a conservação da biodiversidade.
Degradação Ambiental
A diretoria da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) , entidade que reúne servidores de carreira do MMA, afirma que os servidores da pasta foram surpreendidos com o anúncio da reunião de ultima hora e chegou a pedir o adiamento do encontro.
Em nota pública divulgada logo após a fim da agenda, a organização disse que “o governo coloca em risco a saúde da população e o desenvolvimento do país” e “abre a porteira para a degradação ambiental”.
“Esse tipo de alteração na legislação é o que tem levado a humanidade a vivenciar os desequilíbrios atuais, como a extinção em massa de espécies e a elevação dos riscos à nossa saúde, seja pela poluição do ar, das águas e dos mares, seja pelas pandemias como a que estamos atravessando”, diz a nota da organização.
Por fim, a Ascema pede o julgamento imediato da situação do Conama pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita uma ação da oposição que questiona as mudanças promovidas por Bolsonaro no colegiado.
A entidade também apela para que a Câmara dos Deputados aprove um projeto de decreto legislativo (PDL) protocolado nesta segunda pelo líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), que pede a revogação do ato do Conama que formalizou a extinção das três normas em questão.
Queima de embalagens e restos de agrotóxicos
Além da revogação das normas, o Conama criou, nesta segunda, uma nova norma que permite que materiais de embalagens e restos de agrotóxicos sejam queimados em fornos industriais para serem convertidos em cimentos. A novidade se impõe sobre a norma em vigor até então, que determinava um descarte responsável do material.
“É uma pressão muito grande do setor agropecuário, porque querem simplesmente facilitar e fazer a queima de qualquer forma e, portanto, isso pode trazer muitos malefícios para a saúde na medida em que vai expelir para o ar resíduos dos agrotóxicos potencializados como subproduto da própria queima desses resíduos”, disse ao Brasil de Fato o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Mista pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, um dos signatários do pedido.
“Nós pedimos também que nenhuma decisão do Conama seja considerada até que o Supremo decida sobre uma outra ação que ajuizamos lá atrás em que questionamos as mudanças feitas pelo governo no conselho”, acrescentou Tatto.
Fonte: Brasil de Fato