PUBLICADO EM 09 de set de 2020
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Cresce o consumo de alimentos saudáveis na pandemia, mas também o de ultraprocessados

Consumo médio e generalizado de frutas, hortaliças e feijão subiu 4,4% durante a pandemia, destaca estudo NutriNet Brasil – Fernando Frazão/Agência Brasil

O consumo médio e generalizado de frutas, hortaliças e feijão subiu 4,4% durante a pandemia no país. Ao mesmo tempo, foi verificado um discreto aumento de 0,9% na ingestão de alimentos ultraprocessados, especificamente entre brasileiros menos escolarizados.

As constatações partem de análises preliminares do estudo NutriNet Brasil, desenvolvido por especialistas do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), que iniciou em janeiro e terá duração de dez anos.

Os primeiros resultados consideraram os hábitos alimentares de 10 mil voluntários. O grupo tem, em sua maioria, jovens adultos, com idade entre 18 e 39 anos (51,1%), mulheres (78%), moradores da região Sudeste do Brasil (61%) e com nível de escolaridade superior a 12 anos de estudo (85,1%). Atualmente, o estudo já conta com 80 mil voluntários e pretende chegar as 200 mil.

Em conversa com o programa Bem Viver, da rádio de Brasil de Fato, nesta terça (8), a pesquisadora Kamila Gabe explicou essa e outras questões que cercam o estudo. E deixou um alerta sempre válido: é preciso tomar cuidado com a ingestão de alimentos ultraprocessados, considerados “muito pobres em nutrientes importantes para a saúde”, e observar as vantagens dos itens in natura e minimamente processados.

Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Vocês têm dito que esse é o maior estudo sobre alimentação do país. A quê exatamente pode ser atribuído o aumento de pouco mais de 4% na frequência de consumo de produtos saudáveis?

Kamila Gabe: A gente analisou dados de pessoas que tinham respondido um questionário sobre alimentação antes de a pandemia começar, em janeiro, e depois novamente em maio, quando se tinha chegado ao auge da adesão às medidas de distanciamento social e físico no Brasil. A gente observou que houve aumento no consumo de alimentos saudáveis, como hortaliças, frutas e leguminosas.

As possíveis hipóteses que a gente levanta pra explicar esse aumento no consumo de alimentos saudáveis é que, talvez, as pessoas possam estar mais preocupadas com a própria saúde, com as defesas imunológicas do organismo em caso de uma possível infecção por coronavírus e por isso buscaram se alimentar melhor.

Outra possível razão também é que, por estarem passando mais tempo em casa e com a rotina alterada, essas pessoas podem ter passado a cozinhar mais a própria comida, comer em casa com a maior frequência, o que também poderia contribuir pra um consumo alimentar mais saudável.

Sobre o perfil do público que vocês ouviram na pesquisa, tem algum alerta ou ressalva importante a ser feita sobre algum possível limite de alcance do estudo?

Nós temos os primeiros resultados de um estudo maior, que é o NutriNet Brasil, e ele começou em janeiro deste ano, com o convite e o recrutamento dos participantes. A gente teve a participação de 10 mil participantes, que são os primeiros que ingressaram no estudo. O cuidado que precisamos ter é o de que esses participantes não apresentam perfil demográfico igual ao perfil da população brasileira. Então, a gente tem não pode generalizar esses resultados.

Por exemplo, nós temos, nessa primeira análise, uma baixa representação de pessoas do sexo masculino, que eram apenas 22%, enquanto 78% eram mulheres, e também baixa participação de pessoas das regiões Norte e Nordeste em relação ao que é a proporção da população nessas regiões segundo o Censo do IBGE.

É muito importante que a gente consiga mais participantes tanto dessas regiões quanto de homens para análises futuras. Então, precisamos ter a ressalva de que esses resultados não são só representativos de toda a população, mas conseguimos identificar resultados que tiveram uma significância estatística. Se tivéssemos uma representação maior do Norte e do Nordeste, talvez tivéssemos identificado mudanças ainda maiores na alimentação.

Falando em Norte e Nordeste, a pesquisa mostrou que houve aumento no consumo de alimentos ultraprocessados também nessas regiões. Que tipo de análise a equipe faz em cima disso?

Nós identificamos que o aumento de consumo alimentar saudável se deu quando a gente observou a amostra toda, os 10 mil participantes. Quando a gente fez análise separada por região e por faixas de escolaridade, observamos que houve aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, que são considerados não saudáveis. A análise que fazemos em cima disso é de que, possivelmente, há desigualdades sociais na resposta do comportamento alimentar à pandemia.

Uma das coisas que podem estar relacionadas a isso, por exemplo, é a maior vulnerabilidade à publicidade de alimentos. No caso dos ultraprocessados, já é agressiva a publicidade, e a gente tem visto que durante a pandemia isso se intensificou, por exemplo, com doação de alimentos ultraprocessados a profissionais de saúde, com uma alegação de maior segurança sanitária que eles teriam.

“Quando a gente fez análise separada por região e por faixas de escolaridade, observamos que houve aumento do consumo de alimentos ultraprocessados”

Essa seria uma possível explicação e é uma coisa que preocupa, já que o consumo de ultraprocessados está relacionado com condições que pioram a severidade da covid-19, como, por exemplo, obesidade, hipertensão e diabetes.

Esse é um alerta importante… Na condição de nutricionista, você poderia apontar aqui pra gente diferenças entre as vantagens dos alimentos in natura e as possíveis consequências do consumo de ultraprocessados?

Os ultraprocessados são muito pobres em nutrientes importantes pra saúde, como vitaminas e minerais, que são muito importantes pra imunidade, no caso da covid-19, e estão pouco presentes nesses alimentos. E, muitas vezes, o consumo desses ultraprocessados se dá em substituição a alimentos in natura e minimamente processados, que são ricos nesses nutrientes importantes pra imunidade. Então, as pessoas que consomem mais ultraprocessados tendem a consumir muito menos de nutrientes que são importantes e protegem a saúde.

Os ultraprocessados são formulações, combinações industriais que levam muito pouco ou quase nada de alimentos de verdade, que são os alimentos in natura e minimamente processados. Além disso, eles são desbalanceados, com excesso de nutrientes relacionados a doenças crônicas, como obesidade, hipertensão e diabetes. Eles contêm excesso de sal, açúcar, gorduras saturadas e trans, além de muitos aditivos alimentares que também já têm evidências de que impactam na saúde.

A pesquisa também investiga a relação entre os padrões de alimentação e o desenvolvimento de doenças crônicas no Brasil. A equipe já tem aí algum sinalizador que mostre como tem se dado essa associação? Os primeiros resultados já trazem algo do tipo?

Nesses primeiros resultados, a gente pegou marcadores de alimentação saudável. A gente olhou só pra frutas, hortaliças e feijão, que compõem padrões alimentares mais saudáveis, mas o que a gente quer mesmo a longo prazo como NutriNet Brasil é olhar quais as combinações de alimentação praticadas no país, onde se tem uma diversidade gigantesca e como isso se relaciona com a proteção e a ocorrência de doenças crônicas.

E por que isso é muito importante? Porque há vários estudos que são realizados em outros países – e um exemplo clássico é o da dieta mediterrânea – sobre como essa alimentação protege contra doenças crônicas.

Mas quais alimentações e quais formas de se alimentar temos no Brasil que se relacionam? Faz muito mais sentido, pra gente, olhar os alimentos da forma como são consumidos, combinados, do que pra um ou outro elemento isolado. Então, esse é o principal objetivo do NutriNet Brasil e por isso a gente precisou analisar a alimentação do brasileiro.

Vocês têm dito que procuram mais voluntários pra participar do estudo. Quem pode se candidatar e como a pessoa interessada faz pra integrar o público investigado pela pesquisa?

Isso é superimportante. A gente precisa muito de voluntários. O objetivo é chegar a 200 mil, e hoje a gente tem algo perto dos 80 mil. Então, ainda falta muito. Qualquer pessoa que resida no Brasil e tenha mais de 18 anos pode participar.

O jeito mais fácil de encontrar o estudo é digitando “NutriNet Brasil” em qualquer buscador na internet que o primeiro site que aparece já é o do estudo. Aí basta fazer um cadastro simples e rápido nele e passar a responder questionários que são enviados por e-mail e por SMS, no celular, a cada seis meses.

Primeiro, tem alguns questionários que são enviados num intervalo de alguns dias. Depois, eles chegam a cada três meses, e aí é nisso que consiste a participação de dez anos respondendo questionários periódicos, que são rápidos de serem respondidos e muito simples também. É apenas isso, e a gente precisa muito da participação de pessoas de todas as regiões do Brasil.

Fonte: Brasil de Fato

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