PUBLICADO EM 27 de jul de 2020
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A cabeça no lugar para entender a sede do rio e a fome de milhões neste mundo

Por Marcos Aurélio Ruy

A música popular brasileira sempre esteve antenada nas questões da vida do povo. Mas nesta semana está triste porque morreu no dia 23 de julho, um compositor bom de música, talvez de bola, mas de vaia sem dúvida. O compositor, cineasta, pintor e escritor Sérgio Ricardo (1932-2020) morreu nesta quinta-feira (23).

Além desse importante artista paulista, nesta edição temos o talento da brasiliense Dessa Ferreira, da pernambucana Duda Beat, do grupo paulista Os Mutantes e do também pernambucano Dominguinhos (1942-2013).

Isso mostra a riqueza e a diversidade da música popular brasileira que mantém os olhos bem abertos, os ouvidos atentos e a cabeça no lugar contra todo ódio que possam jorrar contra a vida e o amor.

Sérgio Ricardo

O paulista Sérgio Ricardo superou as intensas vaias que a sua canção “Beto Bom de Bola” sofreu no Festival da Record, de 1967, quando quebrou o violão e o atirou à plateia. A manchete do jornal Notícias Populares foi: “violada no Palco”. Seguiu em frente e fez carreira mesmo sem destaque na mídia comercial. Como acontece com muitos autores brasileiros, que sobrevivem mesmo invisíveis à essa mídia.

De origem libanesa, João Lutfi, conhecido como Sérgio Ricardo, além de importante atuação na bossa nova, se destacou no cinema com trilhas sonoras como em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha (1939-1981) e em direções de filmes, como “Bandeira de Retalhos” (2018).

Aqui a canção “Calabouço” onde canta:

“Olho aberto, ouvido atento

E a cabeça no lugar

Cala a boca moço, cala a boca moço

Do canto da boca escorre

Metade do meu cantar

Cala a boca moço, cala a boca moço

Eis o lixo do meu canto

Que é permitido escutar

Cala a boca moço. Fala!”

 

Calabouço (1973), de Sérgio Ricardo

 

Dessa Ferreira

A brasiliense, filha de nordestinos, Dessa Ferreira escolheu morar em Porto Alegre, depois que foi para a capital gaúcha estudar música popular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  Aqui a sua canção “Pulso”, lançada neste sábado (25), para homenagear o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha e falar de suas raízes africanas e indígenas. “Eu me vejo como uma pessoa negra e de origens indígenas, mas a minha família nunca foi ativista assim. Tudo por conta dessa cultura de embranquecimento, pela busca de ser aceito”, disse ela em uma entrevista.

“Eu sou incessantemente reprovada até mesmo se comprovadamente aprovada

Pois a suposta prova de que não sou capaz é um legado que carrego nas costas!

São marcas profundas, mágoas oriundas de um sequestro da minha capacidade

Sim! Fui violentamente sequestrada da minha cidade

Cidade natal, cidade a qual eu irei morrer sem conhecer

é isso que eles querem ver

nossos corpos alvejados, ou trancafiados…

desamor entre os iguais

números nos jornais”

 

Pulso (2020), de Dessa Ferreira

 

Duda Beat

Duda Beat nasceu Eduarda Bittencourt Simões, em Recife. Adotou o sobrenome Beat para homenagear o movimento manguebeat, dos anos 1990. Sua música é uma mistura de sons, indo do brega às canções regionais, passando pelo rock e pela MPB.

“Eu nunca senti desapego por ninguém

Com você experimentei

Não resisti”

 

Bixinho (2018), de Duda Beat e Tomás Troia

Os Mutantes

Talvez a mais emblemática banda brasileira de rock nasceu em 1966. Já no ano seguinte, Os Mutantes acompanhavam Gilberto Gil no Festival da Record de 1967, com a música “Domingo no Parque”, que tirou o segundo lugar. Eram tempos aguerridos com passeatas contra a guitarra elétrica, forte repressão policial aos movimentos populares e sociais e censura às artes.

Composta por Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias, a banda carregava influência dos Beatles, Jimi Hendrix e muitos outros grandes nomes do rock, participou do tropicalismo com muito talento. Foram grandes enquanto existiram como grupo até 1978, mesmo sem Rita Lee que logo partiu para carreira solo e se mantém até hoje como uma das mais importantes compositoras brasileiras.

A “Balada do Louco” é um grito contra a opressão e o enquadramento das pessoas, principalmente de artistas a modelos preestabelecidos como também contra a usurpação da indústria cultural. Arnaldo Baptista teve problemas com transtornos mentais.

“Se eles são bonitos, sou Alain Delon

Se eles são famosos, sou Napoleão

Se eles têm três carros, eu posso voar

Se eles rezam muito, eu já estou no céu

Sim sou muito louco, não vou me curar

Já não sou o único que encontrou a paz”

 

Balada do Louco (1972), de Arnaldo Baptista e Rita Lee

 

Dominguinhos

José Domingos de Morais se tornou Dominguinhos, um dos maiores nomes da música popular brasileira e um dos principais representantes da música nordestina. Muito influenciado por Luiz Gonzaga, fez o seu próprio caminho com uma carreira sólida deixando centenas de canções para a eternidade.

“A sede do rio quem bebe é o peixe

Deixe, deixe, deixe, deixe

A fome do pão quem como é o chão

Deixe então, deixe então”

 

A Sede do Rio a Fome do Pão (1983), de Dominguinhos

 

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  • Viani Braga

    Arte resistência. Um fogo de monturo, uma pedra no sapato, um cisco no olho, um nó na tripa, um incômodo na mente. Não mente!!!

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