PUBLICADO EM 10 de jan de 2020
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Conhecer a palavra temporão para saber as necessidades de quem trabalha no campo

Em Refazenda, Gil mostra o trabalho como parte da vida e a semeadura no campo para fazer brotar a liberdade e os direitos iguais.

Por Marcos Aurélio Ruy

Na primeira edição do ano, foram selecionadas quatro canções sobre o trabalho no campo. Todas valorizam as trabalhadoras e os trabalhadores e versam sobre a exploração capitalista que deteriora as relações de trabalho e a natureza.

A música que abre esta seleção, é Refazenda (1975), de Gilberto Gil, que utiliza metáforas para revelar como a vida no campo se relaciona intrinsecamente com a natureza e se esse relacionamento for saudável, pode nos trazer frutos bons. Mas para isso, é preciso saber cultivar bem a plantação.

Esta canção compõe uma trilogia com Refavela (1977) e Realce (1979). Juntas falam do trabalho no campo e na cidade e de como mesmo nas dificuldades, as trabalhadoras e os trabalhadores superam suas mazelas e encontramsaídas contra o capital detonador de sonhos e do futuro.

“Não se incomode

O que a gente pode, pode

O que a gente não pode, explodirá

A força é bruta

E a fonte da força é neutra

E de repente a gente poderá” (Realce)

 

Em Refazenda, Gil mostra o trabalho como parte da vida e a semeadura no campo para fazer brotar a liberdade e os direitos iguais.

 

 

Refazenda (1975), de Gilberto Gil

Abacateiro

Acataremos teu ato

Nós também somos do mato

Como o pato e o leão

Aguardaremos

Brincaremos no regato

Até que nos tragam frutos

Teu amor, teu coração

 

Abacateiro

Teu recolhimento é justamente

O significado

Da palavra temporão

Enquanto o tempo

Não trouxer teu abacate

Amanhecerá tomate

E anoitecerá mamão

 

Abacateiro

Sabes ao que estou me referindo

Porque todo tamarindo tem

O seu agosto azedo

Cedo, antes que o janeiro

Doce manga venha ser também

 

Abacateiro

Serás meu parceiro solitário

Nesse itinerário

Da leveza pelo ar

Abacateiro

Saiba que na refazenda

Tu me ensina a fazer renda

Que eu te ensino a namorar

 

Refazendo tudo

Refazenda

Refazenda toda

Guariroba

 

Como um verdadeiro hino da reforma agrária, a canção O Cio da Terra, de Chico Buarque e Milton Nascimento, mostra a evolução da luta no campo pela posse da terra e da necessidade de políticas públicas que favoreçam a produção no campo.

 

Tudo ao contrário do que o governo de Jair Bolsonaro está fazendo, cortando investimentos na agricultura familiar e favorecendo os latifundiários ao tentar incriminar os movimentos que defendem a necessária reforma agrária.

Outra canção de Chico Buarque muito lembrada é Funeral de Um Lavrador (1965), poesia de João Cabral de Melo Neto, da peça Morte e Vida Severina. Uma canção em tom fúnebre porque o que resta à trabalhadora e ao trabalhador do campo “é a conta menor que tiraste em vida/É a parte que te cabe deste latifúndio/É a terra que querias ver dividida/É uma cova grande pra teu defunto parco/Porém mais que no mundo te sentirás largo/É de bom tamanho nem largo nem fundo/É a parte que te cabe deste latifúndio”.

Já em O Cio da Terra, fica evidente a necessidade de uma reforma agrária que contemple o campesinato para ter terra, trabalho, pão, justiça e liberdade para quem propicia alimentos saudáveis para a mesa dos brasileiros.

O Cio da Terra (1977), de Milton Nascimento e Chico Buarque, interpretação: Coral Soremi

 

Debulhar o trigo

Recolher cada bago do trigo

Forjar no trigo o milagre do pão

E se fartar de pão

 

Decepar a cana

Recolher a garapa da cana

Roubar da cana a doçura do mel

Se lambuzar de mel

 

Afagar a terra

Conhecer os desejos da terra

Cio da terra, a propícia estação

E fecundar o chão

 

Chico César e Carlos Rennó destroçam os Reis do Agronegócio, nesta canção de 2015. “Vocês desterram povaréus ao léu que erram/E não empregam tanta gente como pregam/Vocês não matam nem a fome que há na terra/Nem alimentam tanto a gente como alegam/É o pequeno produtor que nos provê e os/Seus deputados não protegem, como dizem/Outra mentira de vocês, pinóquios véios/Vocês já viram como tá o seu nariz, hem?”.

Mais explícito que isso, impossível. Ainda mais agora com Bolsonaro na Presidência e as queimadas proliferando, os agrotóxicos todos liberados e a produção de alimentos ficando ao deus-dará. Porque os latifundiários visam a exportação e a mecanização da produção, sem preocupação com a qualidade dos produtos, com a preservação da natureza e menos ainda com quem trabalha. “Que eu me alegraria se afinal morresse/Este sistema que nos causa tanto trauma”, cantam os poetas.

 

Reis do Agronegócio (2015), de Chico César e Carlos Rennó

 

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio

Ó produtores de alimento com veneno

Vocês que aumentam todo ano sua posse

E que poluem cada palmo de terreno

E que possuem cada qual um latifúndio

E que destratam e destroem o ambiente

De cada mente de vocês olhei no fundo

E vi o quanto cada um, no fundo, mente

 

Vocês desterram povaréus ao léu que erram

E não empregam tanta gente como pregam

Vocês não matam nem a fome que há na terra

Nem alimentam tanto a gente como alegam

É o pequeno produtor que nos provê e os

Seus deputados não protegem, como dizem

Outra mentira de vocês, pinóquios véios

Vocês já viram como tá o seu nariz, hem?

 

Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve

Sem o agrebiz feroz, desenvolvimentista

Mas até hoje na verdade nunca houve

Um desenvolvimento tão destrutivista

É o que diz aquele que vocês não ouvem

O cientista, essa voz, a da ciência

Tampouco a voz da consciência os comove

Vocês só ouvem algo por conveniência

 

Para vocês, que emitem montes de dióxido

Para vocês, que têm um gênio neurastênico

Pobre tem mais é que comer com agrotóxico

Povo tem mais é que comer se tem transgênico

É o que acha, é o que disse um certo dia

Miss motosserrainha do desmatamento

Já o que acho é que vocês é que deviam

Diariamente só comer seu “alimento”

 

Vocês se elegem e legislam, feito cínicos

Em causa própria ou de empresa coligada

O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos

Que bancam cada deputado da bancada

Té comunista cai no lobby antiecológico

Do ruralista cujo clã é um grande clube

Inclui até quem é racista e homofóbico

Vocês abafam, mas tá tudo no Youtube

 

Vocês que enxotam o que luta por justiça

Vocês que oprimem quem produz e que preserva

Vocês que pilham, assediam e cobiçam

A terra indígena, o quilombo e a reserva

Vocês que podam e que fodem e que ferram

Quem represente pela frente uma barreira

Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra

O extrativista, o ambientalista ou a freira

 

Vocês que criam, matam cruelmente bois

Cujas carcaças formam um enorme lixo

Vocês que exterminam peixes, caracóis

Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho

E que rebaixam planta, bicho e outros entes

E acham pobre, preto e índio “tudo” chucro

Por que dispensam tal desprezo a um vivente?

Por que só prezam e só pensam no seu lucro?

 

Eu vejo a liberdade dada aos que se põem

Além da lei, na lista do trabalho escravo

E a anistia concedida aos que destroem

O verde, a vida, sem morrer com um centavo

Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes

Tal como eu vejo com amor a fonte linda

E além do monte o pôr do sol porque por sorte

Vocês não destruíram o horizonte… Ainda

 

Seu avião derrama a chuva de veneno

Na plantação e causa a náusea violenta

E a intoxicação “né” adultos e pequenos

Na mãe que contamina o filho que amamenta

Provoca aborto e suicídio o inseticida

Mas na mansão o fato não sensibiliza

Vocês já não tão nem aí co’aquelas vidas

Vejam como é que o ogrobiz desumaniza

 

Desmata minas, a amazônia, mato grosso

Infecta solo, rio, ar, lençol freático

Consome, mais do que qualquer outro negócio

Um quatrilhão de litros d’água, o que é dramático

Por tanto mal, do qual vocês não se redimem

Por tal excesso que só leva à escassez

Por essa seca, essa crise, esse crime

Não há maiores responsáveis que vocês

 

Eu vejo o campo de vocês ficar infértil

Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito

E eu vejo a terra de vocês restar estéril

Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto

O que será que os seus filhos acharão de

Vocês diante de um legado tão nefasto

Vocês que fazem das fazendas hoje um grande

Deserto verde só de soja, cana ou pasto?

 

Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão

Mortos pelo grão negócio de vocês

Pelos milhares dessas vítimas de câncer

De fome e sede, e fogo e bala, e de avcs

Saibam vocês, que ganham “cum” negócio desse

Muitos milhões, enquanto perdem sua alma

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

 

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

 

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

 

Que eu me alegraria se afinal morresse

Este sistema que nos causa tanto trauma

 

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio

Ó produtores de alimento com veneno

O compositor pernambucano, Maciel Salú canta as imensas dificuldades que o Trabalhador Rural (2006) enfrenta para levar a vida. E tudo começa muito cedo e vai até o sol se pôr. “Quatro horas da manhã, pai acorda pra trabalhar/Minha mãe vem me chamar na cozinha faz o café/A enxada na parede em pé ele pega e vai amolar/E os bicho pra amarrar, deixa a cabra no mato amarrada/Vem ligeiro e pega o facão pra cortar a cana queimada”.

Nascido em Olinda, Salú é cantor, compositor, rabequeiro, mestre e brincante de diversos folguedos populares. Influenciado pelo movimento manguebeat, ele passou a integrar a banda Chão e Chinelo, nos anos 1990. Suas canções misturam ritmos regionais com música eletrônica junto ao DJ Dolores, Fábio Trummer, Jam da Silva e Isaar, formando a Orchestra Santa Massa.

 

 

Trabalhador Rural (2006), de Maciel Salú

 

Não sou filho de senhor de engenho
Eu trabalho na palha da cana

Quatro horas da manhã, pai acorda pra trabalhar
Minha mãe vem me chamar na cozinha faz o café
A enxada na parede em pé ele pega e vai amolar
E os bicho pra amarrar, deixa a cabra no mato amarrada
Vem ligeiro e pega o facão pra cortar a cana queimada

No engenho tem limpagem de mato
Escavação de terra pra plantar
Cambiteiro a cana vai pegar
Tem empeleiteiro, o cabo e feitor
Carro de boi, carreiro, operador
O trabalho no campo é pesado
Na mão a foice faz calo
Ticuqueiro dá duro, o suor pinga
Bota o feixe de cana no caminhão
Leva pra moer na usina

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