Quase onze anos após o começo da crise que abalou a globalização neoliberal, anuncia-se novamente o retorno possível da recessão mundial. Não apenas os indicadores financeiros nos Estados Unidos, como a inversão da trajetória das taxas de juros de curto prazo acima das de longo prazo, mas a desaceleração no ritmo da produção em vários países, inclusive na China, e o desempenho negativo na Alemanha apontam para reversão da economia mundial.
Após espraiar políticas monetárias heterodoxas para evitar a quebradeira de grandes bancos e corporações transnacionais que se encontravam ancorados na ideologia neoliberal da desregulação financeira, os bancos centrais dos principais países anunciam seus limites. Ao mesmo tempo, os fundamentos da ortodoxia que pregava ampliação da inflação diante da ampliação monetária encontram-se completamente disfuncionais.
O acirramento do cenário da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China também colabora para o crescimento da instabilidade econômica, potencializada por disputas no âmbito do progresso tecnológico. Esse cenário de incertezas guarda certa aproximação com os anos que sucederam a Depressão de 1929, quando emergiu nova ordem para reconfigurar a dinâmica mundial, após a decadência inglesa.
Naquela oportunidade, o manifesto dos periféricos conforme ficou conhecido o documento “El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas”, preparado por Raul Prebisch em 1949, enunciou o movimento de ruptura necessário em relação à antiga Divisão Internacional do Trabalho.
Tratava-se de superar os obstáculos que faziam dos países latino-americanos subalternos da troca desigual e combinada entre a exportação de produtos primários de baixo valor agregado e a importação de bens manufaturados de alto valor agregado.
A nova orientação na época permitiu a países como o Brasil adotar soberanamente o projeto da industrialização a registrar notável transformação, cujo resultado foi a superação da antiga condição de país agrário. A passagem para a moderna sociedade urbana e industrial se mostrou surpreendente, embora profundamente desigual no território e no conjunto da população.
Tudo isso realizado em apenas meio século encontra-se atualmente em retrocesso. Desde a década de 1980 que o Brasil registra trajetória de expansão média anual do PIB per capita de apenas 0,7%, o que permite reconhecer, salvo períodos distintos, com nos anos 2000, o a consolidação de uma espécie de epidemia da semi-estagnação secular.
Nesses quase 40 anos, os países em desenvolvimento apresentaram ritmo de expansão PIB per capita média anual de 3% (4,3 vezes mais que o Brasil). Mesmo os países de alta renda média registraram crescimento médio anual de 1,7% após 1980 (2,4 vezes acima do Brasil).
Em função disso, não pode causar surpresa o decréscimo relativo da participação da economia brasileira no mundo. No ano de 2018, por exemplo, a participação do Brasil no PIB mundial foi de 2,5%, enquanto que em 1980 era de 4,4% do PIB mundial.
Embora o país tenha conseguido se manter no grupo das dez economias mais ricas do mundo, representa, cada vez mais, menos do PIB mundial. No ano de 1930, a participação do Brasil no PIB mundial encontrava-se abaixo de 1%.
Sem qualquer horizonte construído para a retomada do desenvolvimento, a economia nacional deverá persistir em sua trajetória de semi-estagnação, senão recessiva diante de sua aproximação possível no cenário mundial. Nesse sentido, a política tende a assumir a sua condição de emergência na gestão da decadência brasileira.
Marcio Pochmann é professor e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais
e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.