PUBLICADO EM 29 de abr de 2019
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O papel do gênero na história do combate às notícias falsas

Em um momento em que a luta contra informação falsa é uma questão de importância global é mais claro que nunca que o trabalho de verificadores de fatos realmente importa muito.

Por Merrill Fabry

Redação da revista Time em 1933. Foto da LIFE Getty Images

Em 1965, quando chegava perto de concluir a primeira parte de uma história corporativa da Time Inc., o escritor Robert Elson mostrou um rascunho de seu trabalho para Patty Divver, que tinha começado como pesquisadora na revista TIME no início dos anos de 1930. Ela tinha uma queixa bastante importante: “Eu tenho uma coisa para dizer e isso tem sido minha guerra com a Time Incorporated por 25 anos. Não há absolutamente consciência em todo maldito volume de que as mulheres tinham alguma coisa a ver com a Time Incorporated!”

De fato, como Divver bem sabia, as mulheres tinham muito a ver com a história da companhia. Notavelmente, nas primeiras décadas da publicação, quando a TIME estava criando o conceito de revista moderna verificadora de fatos, as mulheres eram quase exclusivamente responsáveis por esse trabalho. Em um momento em que a luta contra informação falsa é uma questão de importância global – tanto que o trabalho agora tem sua própria observância anual, o Dia Internacional de Checagem de Fatos, em 2 de abril – é mais claro que nunca que o trabalho de verificadores de fatos realmente importa muito.

A maioria das mulheres que trabalhavam na TIME nos seus primórdios realizava o trabalho de “pesquisadora”, um papel que era inescapavelmente entrelaçado com gênero. Todos os pesquisadores da TIME eram mulheres até 1973. Por um lado, o emprego oferecia oportunidade, responsabilidade e um caminho para uma carreira, em um tempo onde as mulheres estavam se tornando uma maior proporção dos empregados remunerados. Pesquisadoras apenas trabalhariam com os (geralmente homens) escritores para juntar o material de pesquisa para um artigo.

Depois que estava escrito e editado, elas então confirmariam se cada fato correspondia ao que estava escrito. As pesquisadoras tinham um poder inusitado de algumas maneiras; elas foram encorajadas a responder com ousadia e pegar uma parte ativa em reportar histórias, embora “as mulheres eram totalmente e completamente desconhecidas na indústria americana,” como Divver mais tarde lembrou.

A questão não era necessariamente sobre empoderar as mulheres: também caia na velha metáfora de uma mulher criticando um homem posto acima. Uma biografia do cofundador da TIME Briton Hadden, de 1949, colocou que ele viu a às vezes tensa dinâmica entre escritor e pesquisadora como uma extensão natural da competição entre os sexos. Nancy Ford, a primeira pesquisadora da TIME, que começou em 1923, uma vez lembrou que Hadden haveria dito para ela dizer ao tipógrafo sobre mudanças de último minuto porque, como ele diria, “Diabos, você é uma garota. Eles não podem matar você!”

E embora Mary Fraser, a primeira real chefe do departamento de pesquisa da TIME, escreveu anos depois, que muitas empregadas estavam felizes com esse arranjo naquela época, ela acreditava que Hadden e o cofundador Henry Luce viam “as garotas” como responsáveis pelos serviços domésticos do escritório, em adição ao seu real trabalho. “Havia uma linha desenhada muito clara entre os escritores e as pesquisadoras verificadoras,” ela escreveu em 1965, notando que Ford era essencialmente a “primeira menina sexta-feira” da organização e deixou seu emprego depois de poucos meses.

Uma fonte inusitada da percepção das mulheres nos locais de trabalho nos anos de 1920 e 1930 pode ser encontrada em poemas satíricos escritos por Ed Kennedy, um editor da TIME e FORTUNE, durante aquele período. Girando sua caneta em todos, de verificadores a altos editores, ele cutucou diversão exagerada nos mimados hábitos e tendências dos empregados, e ele não estava acima de aproveitar o humor sexista e estereótipos sobre mulheres. Por exemplo, seu poema “É um fato” observa as meticulosas maneiras das verificadoras mulheres quando se trata de conhecimento do livro, enquanto menospreza sua ingenuidade em outras áreas, especificamente sexo. “Para fatos disso, para fatos daquilo, / elas passam seus dias em granidos e discussões, /Mas elas não são tão especialistas em/ Determinar os fatos da vida.”

Enquanto isso, os manuais de pesquisa oficiais foram além, fornecendo dicas sobre trabalho, também instruindo a equipe de pesquisa feminina sobre seus trajes e atitude.

As Notas para Pesquisadoras, de 1944, (“Por uma delas”) certifica-se de declarar seu propósito. Um pequeno manual, apenas com cerca de 14 páginas, fornece para as “não menos do que 111 garotas na folha de pagamento da TIME” de fato dicas sobre como lidar com o mundo falho, revela uma visão austera dos papéis de gênero: “Os homens precisam de advertências tanto quanto as mulheres. Mas, não se esqueça de que uma peculiaridade da TIME Inc., e que parece ser um assunto de curiosidade sem fim e frequentes comentários, é a mulher pesquisadora. De fato, elas são aparentemente tão inusitadas para ser inerentemente assunto para comentários: “As pesquisadoras da TIME Inc. são notáveis porque são mulheres. Por causa disso é que esse panfleto está sendo escrito para seu benefício – particularmente o benefício das mais novas entre elas.” O panfleto rapidamente flui em vestidos sugeridos (“respeitáveis, mas femininos – nem muito mocinha, nem severamente senhora executiva no design”) e continua naquele tema de andando na corda bamba de não ser muito uma coisa, “inteligente (mas não sabichona), charmosa (mas não frívola) … nem agressiva, nem suplicante.”

Discutindo sobre como lidar com alguém que não está acostumado a “ter uma garota o entrevistando”, o autor anônimo observa: “Uma pesquisadora da TIME Inc. não deve nunca esquecer que incomodo ela pode ser, meramente porque é uma mulher… A pesquisadora deve provar, por seu comportamento não digno de nota, de que ela não é mais problema do que um homem seria.”

E essas suposições existiam dentro da companhia, também. Um questionário sem data para informações básicas biográficas e relacionadas a trabalho, preenchido por Mary Fraser, mostra alguns defeitos. Onde está escrito no formulário “se você é casado, o nome de solteira da sua esposa,” Fraser mudou manualmente as palavras para “marido”. Em outro lugar, ela faz mais do que ajustar uma questão, escrevendo “Questionário completamente masculino – nós temos cerca de 300 mulheres trabalhando aqui!”

Em 1946, o próprio Henry Luce escreveu para a chefe de pesquisa para sugerir “pode ter chegado o tempo de novo para uma outra campanha de “cortesia” entre pesquisadoras da TIME. E talvez não deva ser apenas admoestações para serem corteses. Talvez uma aula a ser realizada sobre boas maneiras no telefone, como escrever uma carta de agradecimento etc. & etc.” Ele fechou a breve carta: “Algumas de nossas jovens moças são sem dúvida muito ocupadas para estudar essas maneiras na Vassar.”

Não mencionado no bilhete de Luce é o fato de que, apenas em torno desse tempo, as mulheres principais do departamento de pesquisa estavam preocupadas sobre algo além do que maneiras: elas estavam envolvidas em uma campanha sem sucesso para ter seu trabalho melhor refletido em seu pagamento.

Checagem de fatos certamente não é a única profissão cuja história oferece exemplos de uma ligação entre o gênero de um trabalhador e o modo como o trabalho é valorizado – nem é isso apenas uma questão de história. De fato, coincidentemente, 2 de abril é também Dia do Pagamento Igual, em 2019. Embora Fraser se tornou a primeira mulher editora sênior em 1942, décadas passariam antes de uma ação marco divisória encorajar TIME e outras publicações a promover mais de suas mulheres qualificadas em papéis sêniores: uma ação judicial de 1970, trazida por mulheres trabalhadoras da revista Newsweek, que foi seguida por uma queixa da TIME, poucos meses depois. Enquanto esses casos de alto perfil levaram as revistas a promover mulheres em cargos de escrever e editar, a checagem de fatos permaneceu crucial, mas se tornou menos marcada como trabalho de mulher. Alguns homens logo começariam a gotejar nas fileiras de repórteres-pesquisadores, como TIME então chamava o trabalho de checagem de fatos.

Mas apenas porque demorou até a década de 1970 para essa mudança ocorrer, não significa que as primeiras mulheres a serem verificadoras de fatos não estavam interessadas em avançar.

No verão de 1946, um par de cartas do editor na TIME introduziu os leitores para a equipe de pesquisa. Depois de uma peça anterior sobre os editores da revista, essas missivas de agosto de 1946 reportaram resultados do levantamento mostrados a eles que “a pesquisadora TIME composta é uma pura 5 pés-6in, 126£, de 26 anos, solteira, morena de olhos azuis, que está feliz em afirmar que trabalhou duro o suficiente durante seu um ano e nove meses em TIME, para perder um não revelado número de libras.” Embora a peça sobre os editores também incluía um conjunto de médias físicas, essa também continua que as pesquisadoras são “não muito magras, nem muito gordas”, observando que a maioria delas são “quase certas.” Uma peça que dá acompanhamento observa que elas frequentam concertos e peças e uma luta para chegar ao açougue antes de ser fechado. Na média, elas fumam um pacote de cigarros por dia.

E, perguntava, “O editor ou escritor da TIME, em geral ou em particular, é a sua ideia do que um homem deve ser?” As respostas correram a gama aí, mas em outra questão as pesquisadoras surpreenderam seus chefes.

Perguntadas sobre o que elas prefeririam fazer além de ser uma pesquisadora, o escritor aparentemente esperava ouvir sobre seus desejos de uma calma vida doméstica. Como o editor explica, “cerca de 85% das nossas pesquisadoras são solteiras, então nós presumimos…” Em vez disso, a maioria queria ser uma escritora, editora ou correspondente.

Fonte: Merrill Fabry para Time

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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