PUBLICADO EM 17 de abr de 2019
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Pediram às esposas de prisioneiros de guerra no Vietnã ficarem quietas; mas…

As esposas dos prisioneiros de guerra e dos desaparecidos em combate perceberam que sabiam mais do que qualquer outro sobre a situação. Muitas das mulheres estavam codificando cartas secretas para seus maridos logo abaixo dos narizes dos militares dos EUA e recebendo respostas detalhando a situação desesperada dos prisioneiros. Eles não podiam mais aguentar e ouvir as ordens ineptas de seu governo.

Sybil Bailey Stockdale, esposa de um piloto da Marinha Americana da Guerra do Vietnã que se tornou prisioneiro de guerra, com Richard Nixon. Foto Life Images/Getty

Por Heath Hardage Lee

Quando ela viu um carro azul oficial parar em sua entrada de garagem em 24 de abril de 1967, Helene Knapp sabia que as notícias não podiam ser boas. Sua campainha tocou e um coronel da Força Aérea e uma mulher alistada entraram em sua casa. Seu marido, o piloto da Força Aérea Major Herman “Herm” Knapp, havia sido baleado no Vietnam, onde estava lutando na guerra aérea Americana contra os comunistas norte-vietnamitas.

Foi dito a Helene que ele poderia ainda estar vivo, e que ele estava classificado naquele tempo como sendo um “MIA”, militar desaparecido em combate. Ela foi advertida que ela não devia dizer nada sobre esta situação para ninguém, além de seus familiares mais próximos. Seu primeiro pensamento foi de como esse pedido era ridículo. Como alguém viveria seu cotidiano guardando tal situação de mudança de vida em segredo?

Essa foi a iniciação de Helene em uma “relutante irmandade” de esposas de desaparecidos em combate (MIA) e prisioneiros de guerra (POW) – um clube ao qual ninguém queria pertencer.

Uma das experiências universais compartilhadas por todas as mulheres nesse grupo foi a admoestação do governo americano de manter silêncio sobre os cenários perigosos de seus maridos. Se as mulheres ousassem discutir isso, seu governo as advertia, os homens poderiam ser maltratados ou até executados. Com esse fardo pesado para suportar, as mulheres deveriam continuar suas existências diárias, não contando para ninguém o que enfrentavam. Supostamente, isso ajudaria a trazer os homens para casa seguramente. Essa política foi aplicada para prisioneiros e tropas desaparecidas em guerras anteriores e foi uma a qual o Presidente Lyndon B. Johnson também aderiria durante a Guerra do Vietnã. O governo americano tentou usar seu modelo bem gasto de “diplomacia silenciosa” para argumentar com os Norte-vietnamitas.

Mas esse enfoque não funcionou. De fato, aconteceu que esse silêncio da parte do governo americano permitiu aos Norte-vietnamitas evitar uma contabilidade precisa de militares americanos desaparecidos indefinidamente.

As esposas dos prisioneiros de guerra e dos desaparecidos em combate finalmente perceberam que elas sabiam mais do que qualquer outro sobre a situação. Muitas das mulheres estavam codificando cartas secretas para seus maridos logo abaixo dos narizes dos militares dos EUA e recebendo respostas detalhando a situação desesperada dos prisioneiros. Eles não podiam mais aguentar e ouvir as ordens ineptas de seu governo. Pior ainda, a LBJ (aviões caças) e seu embaixador no comando de assuntos de prisioneiros de guerra, Averell Harriman, ambos sabiam da difundida tortura entre prisioneiros de guerra, mas escolheram encobrir isso, não querendo chamar mais atenção para uma guerra já impopular, ou embaraçar os Norte-vietnamitas durante negociações. Portanto as esposas se viraram contra todo seu treinamento como esposas de militares conservadoras dos anos 1960, rejeitando o protocolo “fique quieta” e seguiram suas próprias regras.

O que as mulheres suspeitavam poderia funcionar, ao invés das táticas de diplomacia tradicionais, era usar a mídia mundial para ajudar a envergonhar os Norte-vietnamitas em conformidade. Sybil Stockdale, a esposa do prisioneiro de guerra naval de mais alto ranking, Jim Stockdale, foi a primeira a ir a público sobre a situação difícil de seu marido, em outubro de 1968.

Com Sybil como sua primeira Coordenadora Nacional, a Liga Nacional das Famílias de Americanos Prisioneiros e Desaparecidos no Sudeste da Ásia foi incorporada em Washington em 28 de maio de 1970.

O grupo usava campanhas de escrever cartas, adesivos para carros, panfletos, discursos públicos e, acima de tudo, televisão para passar sua mensagem. Elas faziam o que os assim chamados “Homens Sábios” com Harriman e os “Whiz Kids” (Nota: jovens habilidosos) como o Secretário de Defesa Robert McNamara não conseguiam fazer: por os Norte-vietnamitas na defensiva elevando a consciência internacional da tortura dos prisioneiros americanos e as extensivas violações das Convenções de Genebra de Guerra, que ocorriam regularmente nos campos de prisioneiros vietnamitas.

Logo após que Richard Nixon foi eleito Presidente em 1968, a atitude do governo americano mudou dramaticamente. O novo Secretário de Defesa Melvin Laird insistiu que a administração oficialmente baixasse a ordem de “ficar quieto” e permitisse que as famílias de prisioneiros e desaparecidos em guerra falassem em público, com o apoio do governo americano. Depois de alguma resistência inicial a ideia, a nova administração de Nixon concordou em apoiar a mudança na política. Nixon logo entendeu o valor das relações públicas que as mulheres dos prisioneiros e desaparecidos de guerra podia providenciar. Ajudar os prisioneiros e desaparecidos de guerra foi uma causa unificadora para o país inteiro – alguns cidadãos de todo espectro político concordariam com isso. Esse alinhamento de objetivos e valores entre Nixon e as esposas de prisioneiros e desaparecidos de guerra destacou a causa empoderando ainda mais a Liga Nacional.

Em 2016, o senador John McCain me disse em uma entrevista que o enfoque das esposas de prisioneiros de guerra e desaparecidos irem a público fez uma notável e imediata diferença no tratamento que os prisioneiros de guerra nos campos de prisão, começando 1969. “Nosso tratamento mudou drasticamente. Foi de mal – em meu caso, confinamento solitário – para ficar com 25 outros… foi uma decisão feita por Politburo. Não foi gradual. McCain continuou dizendo de seus companheiros prisioneiros, “alguns de nós não estariam vivos, se não tivesse havido a mudança no tratamento.”  Quando eu perguntei se o “ficar quieto” foi a decisão errada, ele acenou com a cabeça enfaticamente.

Foi preciso que mulheres corajosas como Sybil Stockdale e sua Liga de Esposas falassem a verdade para que o poder resgatasse os homens que a administração Johnson tinha abandonado.

Fonte: Heath Hardage Lee para Time

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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