É um episódio bíblico bem conhecido. Esau, faminto, vendeu seu direito de filho mais velho a seu irmão Jacó em troca de um prato de lentilhas. Está no livro de Gênesis, capítulo 25, versículos 29 a 34.
O prato de lentilhas passou a ser o exemplo de uma venda disparatada e infeliz em que o interesse momentâneo, imediato e aflitivo passa a valer mais que todos os outros interesses permanentes, definitivos e coerentes; troca-se oitenta por oito, ou nem isto.
O movimento sindical dos trabalhadores e seus dirigentes não podem se vender por um prato de lentilhas.
No caso, o prato de lentilhas seria a promessa de um candidato de abrandar o rigor da lei trabalhista celerada no que diz respeito, exclusivamente, aos recursos financeiros para as entidades, apesar de manter o apoio às inseguranças e perversidades da lei contra os trabalhadores, contra os sindicatos e sua capacidade de representação e negociação e contra a Justiça do Trabalho.
Que um dirigente partidário aceite esta barganha ou se refestele com o prato de lentilhas isto poderia até ser explicado (mas não aprovado) pelos interesses demagógicos e oportunistas da cena pré-eleitoral.
Mas para o movimento sindical isto seria mais que um crime, seria um erro.
A pedra de toque do apoio do movimento sindical a uma candidatura, qualquer que seja ela (qualquer que seja o partido de origem, qualquer que seja o cargo disputado) é a simpatia, aderência ou concordância dela com a agenda prioritária da classe trabalhadora, de 22 itens, aprovada unanimemente pelas centrais sindicais e já apresentada aos candidatos e à sociedade.
Se alguns dirigentes sindicais cometessem a vilania de trocar a promessa de afrouxamento dos rigores da lei contra os recursos sindicais pela aceitação de todos os aspectos negativos da lei contra os trabalhadores isto reforçaria a separação entre cúpula e base, entre direção e representados e a suspeita de que os dirigentes só “pensam naquilo”.
Ainda mais porque a aceitação da lei vem acompanhada de outras propostas direta e indiretamente lesivas aos trabalhadores configurando um programa de governo reacionário e contrário aos seus interesses.
As ilusões que, por ventura, tal arranjo suscitasse desprezam a constatação das que naufragaram sucessivamente depois da promulgação da lei.
É impensável um Congresso Nacional futuro que dê aval a um programa regressivo de governo e seja capaz, ao mesmo tempo, de “corrigir” os excessos da lei exclusivamente para beneficiar as entidades sindicais.
O movimento sindical não pode, em troca de um prato de lentilhas, desprezar o cardápio apresentado por um candidato reacionário onde, se todos os pratos são envenenados por que apenas o prato de lentilha não o seria?
João Guilherme Vargas Netto é consultor sindical