PUBLICADO EM 26 de dez de 2025

Colunista: Reflexões sobre o povo brasileiro

A Transmutação do Arquétipo: Do “Severino” que morre ao “Macunaíma” que Governa

Descubra como a transmutação do arquétipo, através da simbologia de Macunaíma (Mario de Andrade) e de Morte e Vida Severina (João Cabral de Melo Neto), exemplifica a transformação do sofrimento em projeto de Estado no Brasil.

Acompanhe a transmutação do arquétipo na trajetória de Lula e sua relação com a consciência coletiva do povo brasileiro. Na foto: Lula em assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Instituto Lula

Acompanhe a transmutação do arquétipo na trajetória de Lula e sua relação com a consciência coletiva do povo brasileiro. Na foto: Lula em assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Instituto Lula

Por Diógenes Sandim

Para compreender essa “descrição terminativa”, precisamos observar a ontogenia do líder não apenas como biografia, mas como o reflexo espelhado de uma nação que decidiu transmutar seu sofrimento em projeto de Estado.

Lula, em sua trajetória, encarna a síntese dialética entre duas forças literárias e sociológicas brasileiras:

A Trajetória Severina:

A retirada, a fome, a migração e a onipresença da morte (a escassez material descrita por João Cabral de Melo Neto).

O Espírito Macunaímico:

A resiliência, a adaptação, o carisma e a capacidade de negociar com forças opostas (a fluidez descrita por Mário de Andrade). A vitória eleitoral deste perfil não foi um acidente, mas uma exigência hegemônica da sociedade que, cansada da rigidez das elites tradicionais, buscou um representante que compreendesse a “gramática da sobrevivência”.

1. A Política Social Trans-formada: A Gambiarra vira Tecnologia de Estado

Seguindo a lógica de Karl Marx, a consciência não determina a vida, mas a vida determina a consciência. A “vida Severina” do líder gerou uma consciência política onde a fome não é uma estatística, mas uma dor ontológica conhecida.

Quando esse líder assume o poder no início do século XXI, ocorre a transmutação:

Do Individual para o Coletivo:

O “jeitinho” individual de sobreviver à seca e à fome é transposto para a política pública. O Bolsa Família, o Luz para Todos e a valorização do salário mínimo são a institucionalização da “viração”. É o Estado agindo como um “Macunaíma Pai”, usando a astúcia fiscal e política para garantir que os filhos (o povo) comam.

A Complexidade:

O líder macunaímico não governa com a pureza ideológica europeia, mas com a complexidade tropical. Ele senta com o banqueiro e com o sem-terra. Ele opera na contradição para produzir sínteses sociais.

2. A Profecia de Stefan Zweig Revisitada

Stefan Zweig profetizou o “Brasil, País do Futuro” não como uma potência bélica ou puramente industrial, mas como uma civilização de tolerância e mistura. A transmutação da liderança de Lula aponta para essa direção ao tentar substituir a “luta de todos contra todos” (Hobbes) pela biologia do amor (Maturana).

A política social trans-formada é a aplicação prática da ideia de que “o outro é legítimo na convivência”. Ao tirar milhões da invisibilidade, o governo não apenas distribui renda, mas distribui existência. O “Macunaíma Social” percebe que para o Brasil ser o país do futuro, ele precisa primeiro resolver o passado (a escravidão e a fome).

A Hegemonia da Esperança Realista

Assim, chegamos à finalização desta reflexão, descrevendo o atual momento como a maturidade do arquétipo nacional:

“A vitória de um líder com trajetória ‘Severina’ e alma ‘Macunaímica’ simboliza a elevação da malandragem de sobrevivência à categoria de Sabedoria de Estado.

Não estamos mais diante do ‘herói sem nenhum caráter’ que foge dos problemas, mas de um corpo político que decidiu enfrentar o destino com a ginga de quem conhece o chão da fábrica e a terra seca do sertão. A exigência hegemônica da sociedade brasileira hoje é esta: uma política que não seja fria como os números, mas quente como o sangue de quem resiste.

A transmutação final ocorre quando a criatividade, antes usada para burlar a lei, é usada para criar novas leis de inclusão. O Brasil de Zweig começa a desenhar-se no horizonte não pelo arranha-céu, mas pelo prato cheio.

O líder transmutado ensina à nação que a maior ‘esperteza’ do brasileiro não é levar vantagem, mas sim construir um coletivo onde ninguém precise ser ‘Severino’ na morte, permitindo que todos possam ser ‘Macunaímas’ na alegria, na invenção e na potência de viver. É a cosmogonia da fartura substituindo a ontogenia da escassez.”

Diógenes Sandim Martins é médico, diretor do Sindnapi e secretário-geral do CMI/SP

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