PUBLICADO EM 20 de dez de 2025

A classe trabalhadora chilena terá dificuldades com a vitória da extrema direita

Entenda como a classe trabalhadora chilena contribui para a sociedade e quais são suas principais demandas contemporâneas.

Uma apoiadora de Jeannette Jara exibe uma bandeira comunista em um comício da coalizão Unidad por Chile, antes do segundo turno das eleições, em Santiago, em 10 de dezembro de 2025. O Partido Comunista está enraizado em locais de trabalho e bairros por todo o país, e essa infraestrutura fornece a base para a luta necessária contra Kast e seus apoiadores — estejam eles nas salas de reuniões das empresas chilenas ou no Salão Oval, em Washington. | Esteban Felix / AP

Uma apoiadora de Jeannette Jara exibe uma bandeira comunista em um comício da coalizão Unidad por Chile, antes do segundo turno das eleições, em Santiago, em 10 de dezembro de 2025.  Esteban Felix / AP

Nazista derrota comunista. Em termos simplificados demais, poderia-se dizer que foi isso o que aconteceu na eleição presidencial do Chile, em 14 de dezembro. Mas, como em toda disputa eleitoral, os números das urnas são apenas um recorte — um instante dentro de uma luta ainda em curso.

A derrota da candidata do Partido Comunista, Jeannette Jara, é um golpe duro — não apenas para a esquerda e para o movimento sindical no Chile, mas para trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo que precisavam de uma vitória num momento em que a direita avança e a crise do custo de vida do capitalismo se aprofunda globalmente.

Sua derrota para o extremista José Antonio Kast — filho de um exilado da Alemanha nazista e defensor da “ordem” do falecido ditador chileno Augusto Pinochet — representa um sério retrocesso. Kast, campeão do poder corporativo, venceu com 58% dos votos contra 42% de Jara no segundo turno. Seria um erro, no entanto, interpretar esse resultado simplesmente como uma rejeição ao socialismo, aos direitos dos trabalhadores ou à democracia.

O que ocorreu no Chile não foi um colapso da esquerda nem do movimento sindical, mas um alerta sobre o terreno político em que os trabalhadores estão lutando em escala internacional. Trata-se de uma oportunidade para analisar quais estratégias e táticas funcionaram e quais lições podem ser aplicadas além das fronteiras nacionais. Como disse Jara em seu discurso de concessão, “é na derrota que mais aprendemos”.

Sua campanha surgiu de anos de lutas de massa: a explosão social de 2019 contra a desigualdade no Chile; um poderoso movimento de mulheres determinado a defender:

  • o direito ao aborto e a acabar com a violência de gênero;
  • o ressurgimento do sindicalismo organizado;
  • e a batalha inacabada para enterrar de vez a Constituição fascista herdada da era Pinochet.

Como ministra do Trabalho no governo progressista de Gabriel Boric, Jara já havia demonstrado o que significa governar em favor dos trabalhadores. Mostrou como é quando a classe trabalhadora começa a exercer poder político:

  • aumentos do salário mínimo,
  • fortalecimento das leis de negociação coletiva e
  • o uso do Estado para enfrentar patrões corporativos que tratam seus funcionários como descartáveis.

Mulher de esquerda confiante e preparada

Sua candidatura — fruto de uma política de coalizão no estilo de frente popular — representava a continuidade dessas lutas e a esperança de que elas pudessem avançar com uma mulher de esquerda confiante e preparada ocupando o cargo mais alto do país.

Essa esperança era real. Como afirmou uma jovem apoiadora, a estudante e trabalhadora Isadora Hernandez, de 20 anos, antes da votação: “É a primeira vez que uma candidata me representa tanto”.

Milhões de pessoas votaram em Jara sabendo exatamente quem ela era: uma comunista, aliada dos sindicatos, uma mulher comprometida com o enfrentamento da extrema concentração de riqueza no Chile.

Em uma eleição profundamente polarizada e acompanhada pelo mundo inteiro, mais de quatro em cada dez eleitores depositaram seu voto nela.

Só esse fato já deveria silenciar aqueles que afirmam que a política de esquerda está desconectada das pessoas comuns, como o Wall Street Journal, que saudou a vitória de Kast como prova de que a esquerda socialista “nunca teve apoio social ou político” para transformar uma economia capitalista como a chilena.

Kast Venceu mobilizando o medo

Apesar da retórica pomposa desse porta-voz da classe dominante, não há como negar que Kast venceu — por uma margem que normalmente seria chamada de “lavada”. Ele conseguiu isso — como tantos outros líderes de direita — mobilizando o medo.

Essa eleição foi decidida menos por projetos econômicos concorrentes e mais pela ansiedade:

  • medo da criminalidade,
  • medo da instabilidade,
  • medo da própria mudança social.

A direita aprendeu a instrumentalizar esses medos de forma eficaz. Se essa eleição tivesse sido uma disputa entre plataformas econômicas, é difícil imaginar que Kast teria saído vencedor.

Ele não ofereceu soluções reais para a enorme desigualdade de riqueza do país nem para a insegurança econômica vivida pela classe trabalhadora. Em vez disso, apresentou um programa de repressão, culpabilização de bodes expiatórios e nostalgia da “ordem” fascista da era Pinochet.

“Tornar o Chile Grande Novamente”

Kast seguiu o manual de Trump, prometendo “Tornar o Chile Grande Novamente” ao expulsar imigrantes, liberar a polícia para reprimir o crime e impulsionar a economia ao soltar as rédeas do grande capital e manter boas relações com o ocupante da Casa Branca.

Essa mensagem — amplificada incessantemente pela mídia corporativa, por instituições conservadoras e por aliados internacionais de Kast — encontrou terreno fértil entre uma ampla parcela do eleitorado chileno, exausta pela crise e frustrada com o ritmo lento das mudanças.

A eleição foi moldada pelas dinâmicas históricas e atuais da luta de classes no Chile, mas o padrão de seu desfecho não é único. Da Argentina aos Estados Unidos e à Europa, a extrema direita tem avançado não porque suas ideias melhorem a vida das pessoas ou resolvam os problemas do capitalismo, mas porque explora a desorientação e o desespero produzidos pela decadência neoliberal.

Quando os serviços públicos são desmontados, quando os salários ficam para trás em relação aos preços, quando empregos desaparecem e a moradia se torna inacessível, o medo ocupa o vazio. Se a esquerda não consegue organizar rapidamente essa revolta em ação coletiva, a direita a redireciona para baixo — contra imigrantes, pobres, sindicatos e a própria esquerda.

O Partido Comunista do Chile e seus aliados na coalizão Unidad por Chile também enfrentaram desvantagens estruturais significativas que não podem ser ignoradas. O legado da ditadura fascista ainda molda as instituições públicas, a mídia e a economia do país. Grandes setores da classe capitalista anseiam pela volta de um homem forte sob seu controle ao comando do Estado e usam sua influência para conduzir o debate público nessa direção.

A derrota do processo de reforma constitucional — impulsionada em grande parte pela sabotagem e desinformação das elites — também deixou muitos eleitores céticos quanto à possibilidade de mudanças por meio da política. A campanha de Jara, portanto, não enfrentava apenas Kast, mas também décadas de danos ideológicos causados pelo autoritarismo e pela austeridade.

Sindicatos e movimentos

Mas há algo que a direita — seja Kast ou os editores do Wall Street Journal — quer que as pessoas esqueçam: os movimentos não foram derrotados.

Os sindicatos no Chile seguem organizados e se preparam para resistir às ofensivas do novo governo. As mobilizações de mulheres e estudantes dos últimos anos não desapareceram. Os povos indígenas sinalizam que intensificarão suas lutas por terra e soberania.

Além disso, o Partido Comunista e seus aliados não desapareceram com a derrota de Jara. Não se deve esquecer: eles mobilizaram 42% do eleitorado do país, e seu poder não se resume aos votos. O partido está enraizado em locais de trabalho e bairros por todo o Chile, e essa estrutura fornece a base para a luta que será necessária contra Kast e seus apoiadores — estejam eles nas salas de conselho das corporações chilenas ou no Salão Oval, em Washington.

A história ensina repetidamente que eleições são momentos, não pontos finais. Salvador Allende perdeu várias disputas presidenciais antes de vencer em 1970, e mesmo assim o poder não lhe foi concedido voluntariamente pela classe dominante chilena nem pelo imperialismo dos EUA. O progresso sempre resulta de lutas sustentadas.

A presidência de Kast certamente colocará essa tradição à prova. Sua agenda ameaça imigrantes, mulheres, o movimento sindical, pessoas LGBTQIA+, os direitos humanos e a própria democracia. A resistência não será opcional.

Para a esquerda internacional e os movimentos trabalhistas — inclusive nos Estados Unidos — a eleição chilena traz lições urgentes. O trabalho eleitoral precisa estar profundamente enraizado na organização de massas, nas necessidades das comunidades e na realidade da vida da classe trabalhadora. O medo não pode ser enfrentado apenas com garantias tecnocráticas de elites liberais distantes, mas com confiança coletiva construída na luta. E as vitórias — quando acontecem — precisam ser defendidas contra a reação das classes dominantes.

Jeannette Jara não perdeu porque a visão da coalizão que liderou estava errada. Ela perdeu porque essa visão desafia um poder entrincheirado que não cederá sem luta. A tarefa dos trabalhadores no Chile e em outros lugares não é recuar, mas ter clareza sobre o que aconteceu e sobre os próximos passos.

A classe trabalhadora chilena não desapareceu na noite da eleição — nem suas aspirações. O caminho sob Kast será mais difícil, mas as forças que produziram a candidatura de Jara continuam ali: aprendendo, organizando-se e se preparando para o que vem pela frente.

O filho mais infame do fascismo chileno pode ter vencido a presidência, mas não venceu o futuro.

C.J. Atkins é editor-chefe do People’s World. Possui doutorado em ciência política pela Universidade de York e atua nas áreas de pesquisa e docência em economia política.

Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy

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