PUBLICADO EM 08 de set de 2025

EUA: Democratas não endossam Zohran Mamdani por ele ser socialista

Zohran Mamdani venceu as primárias democratas para a prefeitura de Nova York, mas ainda carece de apoio de líderes importantes. Muitos dos principais democratas não conseguem aceitar um socialista assumido em suas fileiras. O Partido Democrata, em sua essência, continua sendo profundamente capitalista e imperialista, que representa os setores mais liberais da classe dominante.

Zohran Mamdani venceu as primárias democratas para a prefeitura de Nova York, mas ainda carece de apoio de democratas proeminentes. Foto: Zohran Mamdani no comício Resist Fascism no Bryant Park em 27 de outubro de 2024. Wikipedia.

Zohran Mamdani venceu as primárias democratas para a prefeitura de Nova York, mas ainda carece de apoio de democratas proeminentes. Foto: Zohran Mamdani no comício Resist Fascism no Bryant Park em 27 de outubro de 2024. Wikipedia.

Por Michael O’Dea

Zohran Mamdani venceu as primárias democratas para a prefeitura de Nova York em 24 de junho, com 56% dos votos no segundo turno, mas vários democratas proeminentes ainda não o endossaram.

Entre os que retêm apoio estão o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, de Nova York, a governadora Kathy Hochul, também de Nova York, o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, do Brooklyn, e o senador Cory Booker, de Nova Jersey.

Durante as primárias, muitos dos principais democratas apoiaram ou o ex-governador Andrew Cuomo, envolvido em escândalos, ou o atual prefeito Eric Adams, que enfrenta acusações de corrupção e busca proximidade com Donald Trump. Adams acabou se retirando da disputa após ficar para trás, enquanto Cuomo foi derrotado de forma contundente. Com o fim das primárias, Mamdani é o candidato do Partido Democrata.

Então, por que esses líderes ainda se recusam a apoiar o próprio candidato de seu partido? Afinal, são os mesmos que constantemente atacam críticos à esquerda, acusando-os de só ajudarem Trump a vencer.

Esses líderes e seus aliados também ajudaram a popularizar a ideia do “Vote azul, não importa quem seja”. De alguma forma, porém, eles não estão seguindo seu próprio mantra eleitoral.

Não é um partido socialista

Como muitos socialistas democráticos, Mamdani escolheu concorrer a um cargo como democrata. Esse provavelmente era um caminho mais viável para sua vitória.

Infelizmente, muitos dos principais democratas não conseguem aceitar um socialista assumido em suas fileiras. Para deixar claro: o Partido Democrata, em sua essência, continua sendo profundamente capitalista e imperialista, que representa os setores mais liberais da classe dominante. Nancy Pelosi deixou isso explícito em uma entrevista em 2019, ao responder a perguntas sobre a popularidade de Bernie Sanders e AOC: “Esse [socialismo] não é o ponto de vista do Partido Democrata.”

Curiosamente, porém, pesquisas mostram que dois terços dos eleitores democratas veem o socialismo de forma favorável, enquanto apenas metade enxerga o capitalismo assim. O socialismo também é visto positivamente por mais de três quintos dos norte-americanos com menos de 30 anos. Sanders, a figura política mais reconhecida a se identificar como socialista, aparece regularmente como o político mais popular do país.

Sem social-democracia para você

Após o colapso dos democratas da era do New Deal e a homogeneização do neoliberalismo no partido durante a era Bill Clinton, o centrismo se tornou a nova “terceira via”. Os elementos social-democratas e da classe trabalhadora do partido foram descartados como irrealistas e difamados por meio de campanhas anticomunistas.

Esse Partido Democrata neoliberal vem mostrando cada vez mais fissuras em sua armadura, especialmente durante as campanhas presidenciais de Sanders em 2016 e 2020. No entanto, os Socialistas Democráticos continuam sendo uma fração muito pequena dentro do partido, e até mesmo os políticos mais progressistas que emergem nele sentem a pressão de moderar suas políticas e propostas.

Mesmo as mais ousadas de Mamdani, por exemplo, não assumem o caráter revolucionário de experiências socialistas passadas ou sequer a visão igualitária que a social-democracia de esquerda chegou a ter em seu auge. Ao contrário, trata-se de políticas social-democratas de centro-esquerda, em sintonia com grande parte do que a esquerda europeia defendeu no último quarto de século.

Ônibus gratuitos, creches, congelamento de aluguéis e mercearias públicas não são propostas radicais que pretendem tomar as forças produtivas da sociedade. No entanto, esses programas públicos que beneficiam a grande maioria dos nova-iorquinos representam, sim, uma mudança na política do Partido Democrata — não há dúvida disso.

A proposta de Mamdani de aumentar a alíquota do imposto corporativo de 7,5% para 11%, igualando-se a Nova Jersey, e sua política de elevar impostos para quem ganha mais de um milhão por ano por meio de um imposto sobre a riqueza de 2%, redistribuiriam a riqueza em uma direção considerada intolerável — do 1% para os 99% — na ordem de cerca de US$ 10 bilhões por ano. Isso é inaceitável para muitos dos principais democratas.

Chuck Schumer descartou uma pergunta sobre apoiar Mamdani e seus aliados em prévias partidárias, dizendo que “os democratas estão unidos; estamos combatendo os altos custos que as pessoas pagam”. Essa unidade democrata, ao que parece, não se estende à campanha de Mamdani, que contém as propostas mais ousadas para lidar com a questão da acessibilidade econômica vindas de qualquer pessoa no Partido Democrata em anos.

A governadora Hochul também se recusou a endossar e, em uma entrevista, disse estar “preocupada com a comunidade policial e o ambiente para os negócios.” Esse tipo de política insensível — preocupar-se com os lucros corporativos enquanto um em cada quatro nova-iorquinos vive na pobreza — exemplifica o neoliberalismo da terceira via que tem estado no coração da política do Partido Democrata por mais de três décadas.

Evitando o incômodo de realmente ter que tomar posição, o senador Booker simplesmente afirmou que não faria endossos na política da cidade de Nova York. Isso apesar do fato de que, em 2009, Booker endossou o bilionário Michael Bloomberg, que nem sequer é democrata, e depois recebeu US$ 26 mil em fundos de campanha para a disputa.

O líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, foi questionado diretamente se endossaria Mamdani. Ele respondeu com um palavreado evasivo para evitar a pergunta.

Certamente, muitos desses democratas estão desconfortáveis com as políticas econômicas de Mamdani e com seu rótulo de Socialista Democrático. No entanto, outro motivo central pelo qual ele não recebeu endossos desses líderes é sua crítica à política de Israel contra a Palestina.

A linha vermelha de Israel

Mamdani teve muitos momentos virais durante a campanha, mas nenhum circulou tanto online quanto o debate em que lhe perguntaram qual lugar ele visitaria primeiro se se tornasse prefeito. Todos os outros candidatos, exceto ele e Brad Lander, se apressaram em mostrar sua devoção a Israel, prometendo fazer uma viagem para lá. Mamdani disse que “ficaria bem aqui em Nova York.”

Mamdani foi então pressionado com várias perguntas de sobre Israel. Para deixar claro, o prefeito de Nova York não tem autoridade sobre a política externa dos EUA. Os moderadores perguntaram se ele visitaria Israel e se Israel tem o direito de existir como um Estado judeu. Mamdani respondeu que tem o direito de existir “como um Estado com direitos iguais.”

Esse foi um momento-chave da campanha, pois sua resposta ultrapassou o limite do que é considerado uma crítica aceitável a Israel na política democrata tradicional. Líderes democratas podem criticar o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o partido Likud ou a coalizão de extrema-direita no poder. Porém, a resposta de Mamdani insinuou que o sionismo, como ideologia supremacista, também deve ser analisado criticamente.

Mesmo não sendo uma condenação contundente da ideologia sionista racista e colonial expressa por muitos líderes israelenses, sua resposta desafiou a ideia de um Estado exclusivamente judeu de uma forma que é aceitável para muitos norte-americanos, dentro da lógica de direitos iguais.

Além disso, Mamdani foi questionado se daria boas-vindas a Netanyahu em Nova York e respondeu: “Não, a cidade de Nova York prenderia Benjamin Netanyahu. Esta é uma cidade onde nossos valores estão em consonância com o direito internacional; é hora de nossas ações também estarem.”

O ponto final para muitos líderes do Partido Democrata, porém, foi a recusa de Mamdani em condenar a frase “Globalizar a Intifada.” Mamdani nunca usou essa frase, mas disse apenas que não policiaria o discurso dos ativistas. Após a ofensiva da mídia, ele acabou mudando de ideia.

Esses líderes do Partido Democrata e porta-vozes da mídia se fixaram em sua recusa em condenar uma frase usada pelo movimento palestino em todo o mundo. Enquanto isso, eles se recusaram a condenar o genocídio mais evidente da história mundial.

AIPAC acima do partido

A recusa dos principais líderes do Partido Democrata em endossar um candidato democrata a um cargo importante não é normal. E não se trata apenas de ideologia. Os interesses materiais em jogo tornam improvável que dirigentes do partido algum dia endossem Mamdani antes da eleição geral — exceto talvez no último momento possível antes da votação, e mesmo assim, apenas para salvar as aparências.

E quais são alguns desses interesses materiais? Dinheiro de campanha, para começar.

AIPAC — o American Israel Public Affairs Committee — gastou US$ 53 milhões somente nas eleições gerais dos EUA de 2024. E isso nem sequer inclui as somas imensas gastas por interesses associados, como a American Israel Education Foundation, o United Democracy Project e o Washington Institute for Near East Policy. Juntos, representam a maior parte do esforço de lobby norte-americano alinhado ao governo israelense.

Schumer já recebeu mais de US$ 1,7 milhão em doações da AIPAC ao longo de sua carreira. Esse dinheiro, junto com suas visões ultrassionistas, o levou a discursar em uma “Marcha por Israel” em 2024, em meio à atual versão do genocídio contra os palestinos.

Hochul viajou a Israel logo após os ataques de 7 de outubro de 2023. A viagem foi paga por uma organização sem fins lucrativos que também financia assentamentos ilegais na Cisjordânia. Hochul chegou a ordenar que bandeiras fossem iluminadas na cor laranja em homenagem aos israelenses feitos reféns e mortos pelo Hamas, mas não fez nenhum gesto semelhante pelas crianças e outros palestinos mortos sob detenção militar israelense.

Booker, que já tentou sabotar o movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), é um fiel aliado da AIPAC. Vazou que ele troca mensagens com o presidente da AIPAC de forma entusiasmada, como se fossem dois adolescentes. A carreira de Booker foi financiada pela AIPAC em quase US$ 900 mil. Por isso, ele sobe à tribuna do Senado para gritar sobre integridade enquanto endossa o genocídio israelense.

Jeffries já recebeu cerca de US$ 1,7 milhão da AIPAC. O líder democrata na Câmara rotula sistematicamente críticas a Israel como antissemitismo e desconsidera perguntas sobre cessar-fogo, repetindo mecanicamente que apoia Israel.

Mamdani dificilmente receberá endosso de qualquer um deles enquanto fizer comentários em defesa da libertação palestina.

Sem endosso, sem problema?

Apesar da falta de endossos desses líderes do Partido Democrata, Mamdani continua muito à frente nas pesquisas para a eleição geral de novembro. Enquanto isso, o Partido Democrata nacional registra -30% em índice de aprovação.

Talvez a falta de endossos desses líderes acabe sendo benéfica para Mamdani. À medida que os setores dirigentes de ambos os partidos recebem cada vez mais críticas, perdem popularidade e credibilidade.

Não contar com a máquina do Partido Democrata certamente afastará alguns eleitores democratas mais ricos. Mas isso poderia sinalizar uma mudança real no Partido Democrata? Esse partido capitalista poderia ir além das estratégias neoliberais e corporativas das últimas quatro décadas? Poderia se tornar um partido (social-) democrata?

Ou entrará em colapso como o Partido Whig no século XIX? É difícil prever, mas é certo que uma parcela crescente do eleitorado está cansada das versões mais desenfreadas de capitalismo e imperialismo que os líderes democratas, por muito tempo, ou deixaram de enfrentar ou eles próprios conduziram.

Independentemente de essa campanha de Mamdani mudar ou não o Partido Democrata, ela mostra claramente que existe uma base de massas para programas econômicos socialistas e para uma mudança na relação dos Estados Unidos com o governo israelense.

Embora um candidato a prefeito provavelmente não tenha condições de provocar mudanças em todo o partido nacional, o povo de Nova York está enviando uma mensagem forte ao Partido Democrata: eles não querem mais candidatos neoliberais da “terceira via.”

Michael O’Dea é professor comprometido com o anti-imperialismo e a organização sindical.

Texto traduzido do People´s World por Luciana Cristina Ruy

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