A luta pelo fim da escala de trabalho 6×1 ultrapassou os limites das redes sociais vez que recentemente chegou às unidades da empresa multinacional PepsiCo, em Itaquera, na capital paulista, e em Sorocaba, com a realização de greve de oito dias pelos trabalhadores e trabalhadoras visando pôr fim a essa infame jornada. O que provocou a ira do mercado e de seus porta-vozes sob a alegação que esse tipo de ação gera insegurança jurídica às empresas.
Tal posicionamento, entre outros aspectos, revela a constituição pelo capital de um grande aparato e em diversos sentidos visando impedir que no Brasil possam ocorrer mudanças no âmbito das relações de trabalho. Inclusive no tocante à redução da jornada e o fim da escala 6×1.
A começar pela justiça, sempre pronta e atuante para legitimar em parte e/ou no todo a contrarreforma trabalhista e desautorizar qualquer ação que tente modificar a estrutura jurídica constituída a partir de 2017, via aprovação da Lei 13.467, que aprofundou entre nós a precarização do trabalho.
Em posição semelhante o Congresso Nacional de maioria patronal e ultrarreacionária disposta a embargar qualquer discussão nesse sentido. Ainda assim a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria da deputada Erika Hilton/Psol/SP que limita a semana de trabalho a 36 horas e propõe o fim da escala 6×1, ultrapassou de longe o número mínimo de assinaturas para ser protocolada e começar a tramitar.
Por outro lado, há o silêncio do governo Lula que até aqui nada disse a respeito deste assunto ainda que durante a campanha eleitoral de 2022 o então candidato a presidente da República tenha se manifestado contrário a muitos aspectos da contrarreforma trabalhista sancionada por Michel Temer.
Quanto ao empresariado não há interesse algum quando o assunto é alterar minimamente pontos relacionados à reforma trabalhista, incluindo o fim da escala 6X1. Assim como não existe disposição para negociar aumento salarial além da inflação acumulada tendo por base o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Quando isso acontece não é por outro motivo senão via luta organizada pelos sindicatos.
Cumpre aqui ressaltar denúncia feita recentemente pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sobre um “pool” de empresas multinacionais que exploram a mão de obra no país por ter criado um sistema de vigilância para impedir a valorização salarial do trabalhador quando esse migrasse de empresa. Ou seja, uma amordaça econômica e social escandalosa sobre a força de trabalho.
Ao saber que a greve na PepsiCo estava tendo ampla repercussão e aceitação pelos trabalhadores e trabalhadoras dos diversos setores da economia logo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos (ABIA) solicitaram à justiça do Trabalho de São Paulo, no âmbito da qual ocorreria na semana seguinte ao início da greve uma tentativa de conciliação entre as partes em conflito para que, na condição de representantes do capital industrial, estas fossem inseridas como partes do processo.
Por que então essas duas entidades representantes da classe patronal ligadas à indústria resolveram intervir em uma greve até então restrita a uma única empresa?
No nosso entendimento o objetivo não foi outro senão tentar de todas as formas que a greve na PepsiCo fosse encerrada o mais breve possível evitando assim a adesão de outros sindicatos e categorias profissionais e que essa luta pelo fim da escala 6×1 viesse se espalhar país afora de modo a colocar em xeque o projeto da contrarreforma trabalhista, da terceirização e outras precarizações legalmente constituídas.
Ademais, visou impedir que, de alguma maneira e resguardadas as devidas proporções, viesse a ocorrer algo semelhante ao que se deu a no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 na região do ABC Paulista.
Em outras palavras, tudo foi feito visando impedir mudanças nas relações de trabalho em grande medida precarizadas de modo que o capital continue a se reproduzir de forma ampliada e a baixo custo via superexploração da força de trabalho.
Nem por isso se pode considerar ter sido a greve um fracasso. Ao contrário, a ação do Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias de Laticínios e Alimentação de São Paulo (Stilasp) revelou que, não obstante as barreiras postas para impedir mudanças no arcabouço jurídico constituído pelo poder econômico, tendo em vista a manutenção e ampliação da taxa de lucro, abriu uma brecha na estrutura montada pelos patrões dando sinais de que é possível romper essas amarras colocando fim à escala 6X1.
Aprofundar o processo e buscar apoio de outras entidades sindicais no sentido de ampliar essa luta para além das respectivas categorias dos trabalhadores nas indústrias de alimentação de São Paulo e Sorocaba, bem como de partidos políticos e movimentos sociais comprometidos com essa bandeira, como é o caso VAT (Vida Além do Trabalho), que deu início a esta ação via redes sociais e manifestações de rua, é a nosso ver uma forma eficaz para pôr fim a escala 6X1 levando a uma consequente mudança da jornada semanal e nas relações de trabalho no Brasil.
Jose Raimundo de Oliveira é historiador, educador e ativista sindical.