PUBLICADO EM 23 de dez de 2024
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O Significado do Natal

Para Elizabeth Bruenig, o Natal é um chamado à revolução.

O sentido do Natal. Gerard van Honthorst, Adoração dos Pastores.

O sentido do Natal. Gerard van Honthorst, Adoração dos Pastores.

Por Elizabeth Bruenig (Jacobin) 

“O Natal,” escreveu o teólogo suíço Hans Urs Von Balthasar, “não é um evento dentro da história, mas sim a invasão do tempo pela eternidade.” Com isso, ele quis dizer que o evento natalino não se limita a um momento ou mesmo a uma época específica, mas sinaliza um desdobramento além das limitações do tempo. A improbabilidade de a eternidade romper o próprio tempo é o principal elemento transformador na longa lista de reviravoltas inesperadas que caracterizam a história do Natal.

Eventos surpreendentes dão início a essa história: uma jovem de nenhuma posição social especial é visitada por um anjo e, em pouco tempo, a virgem está grávida. Seu noivo, que, de acordo com o costume e a lei religiosa, tem todo o direito de mandá-la embora ou condená-la à morte, decide continuar com o casamento. Sob uma estrela tão brilhante que é visível durante o dia, o casal viaja para outra cidade e não encontra um único quarto disponível para a mãe do Filho de Deus. Assim, o Messias nasce e é colocado em uma manjedoura, um cocho reservado para a alimentação de animais.

É tudo muito estranho, uma série de incongruências. E, subjacente a todas elas, está a ideia de que Deus desejaria algo com a humanidade. Isso, escreve Søren Kierkegaard, é o cerne da absurdidade do próprio Cristianismo:

O Cristianismo ensina que este ser humano individual — e, portanto, cada indivíduo, não importa se homem, mulher, empregada, ministro, comerciante, barbeiro, estudante ou quem quer que seja… existe diante de Deus, pode falar com Ele a qualquer momento e ter a certeza de ser ouvido — em suma, essa pessoa é convidada a viver em termos íntimos com Deus! Além disso… por causa dessa pessoa, Deus vem ao mundo, permite-se nascer, sofrer, morrer, e este Deus sofredor… quase implora e suplica para que essa pessoa aceite a ajuda que Lhe é oferecida! Verdadeiramente, se há algo que pode levar alguém à loucura, é isso.

Kierkegaard está certo: há um tom de loucura na ideia de que, para tantas pessoas comuns e insignificantes como grãos de poeira em raios de sol, Deus — o criador do universo, infinito e onipotente — submeter-se-ia à carne humana e a uma vida terrena. Nesse sentido, o Natal é a introdução a um plano totalmente assombroso.

E, no entanto, com muita frequência, o pensamento cristão é esterilizado e diluído até se assemelhar a pouco mais do que sabedoria popular ou, pior, senso comum. “O somatório de toda sabedoria humana é esta média ‘dourada’ (talvez seja mais correto dizer ‘banhada a ouro’),” escreve Kierkegaard, “nada em excesso. Muito pouco e muito estragam tudo. Isso é propagado entre os homens como sabedoria e honrado com admiração…, mas o Cristianismo dá um enorme passo além desse ‘nada em excesso’ rumo ao absurdo; é aí que o Cristianismo começa…”

O Natal é onde o Cristianismo começa e, como observa Kierkegaard, é repleto de elementos estranhos e inesperados. Idealmente, deveria servir aos cristãos como um momento para explorar a tradição e a prática, não em suas aplicações mais cansativas, mas naquelas que são inesperadas e que nos levam na busca pelo inesperado.

Há, afinal, algo revolucionário no Cristianismo — uma tendência a reverter, transformar radicalmente e subverter. No Magnificat de Maria, o cântico de louvor que ela entoa ao encontrar sua prima Isabel, ela proclama:

“Minha alma engrandece ao Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, pois ele olhou para a humildade de sua serva… Ele derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes; encheu de coisas boas os famintos e despediu os ricos de mãos vazias.”

Essa lista de reviravoltas é pronunciada por uma jovem camponesa que foi elevada a um status quase inimaginável. Que as reviravoltas radicais do Natal sejam enumeradas por uma jovem sem posição social particular é, por si só, uma inversão incrível.

O caráter revolucionário do Cristianismo geralmente é esvaziado e confinado a momentos políticos específicos, em que se torna útil referir-se a ele. Mas essa seletividade também deve ser subvertida. O Cristianismo está, em todos os momentos, preocupado com os mais pobres, os mais vulneráveis, os mais oprimidos; está permanentemente interessado em reverter essa ordem, mirando e alcançando o inesperado. O Natal, o momento em que a eternidade invade o tempo, é o momento em que a reversão de toda opressão se torna não apenas possível, mas necessária.

As reviravoltas mais improváveis tornam-se, no momento do Natal, o início do próprio Cristianismo e permanecem essenciais ao seu caráter.

Portanto, não há Cristianismo que não seja revolucionário. É possível interpretar o Natal como mais uma daquelas celebrações cristãs confortavelmente aconchegantes, mas é mais preciso entendê-lo como um chamado à revolução. A partir deste momento, nada da velha ordem pode ser deixado intacto: Cristo veio para elevar os pobres e feridos, e seu exemplo é o comando do Cristianismo.

Elizabeth Bruenig é colunista de opinião no Washington Post. 

Texto traduzido do site Jacobin por Luciana Cristina Ruy

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