Por Juruna e Alvaro Egea
Estamos chegando à metade deste governo. Há sinais positivos na economia. O movimento sindical, entretanto, ainda vive a crise iniciada no governo de Michel Temer. Isso é preocupante para o futuro do país e seus trabalhadores, pois aponta para um enfraquecimento contínuo da estrutura e, consequentemente, da prática sindical.
Um futuro sem sindicatos é como um filme distópico no qual o mercado, como um grande ditador, controla o trabalho, o tempo e a concentração de renda. Um filme em que o ditador mercado controla, enfim, a vida do povo.
Por isso, é um erro grave não dar a devida atenção ao movimento sindical. Infelizmente, é o que está acontecendo. Há um mal-estar no ar.
Lula sem vontade política para articulação
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra pouca disposição em abraçar a causa do movimento sindical. Claro que ele não poderia resolver sozinho. Existe o Congresso, com maioria de direita, que também teria de avaliar uma eventual proposta sobre o tema.
Mas o governo, que faz sucessivas concessões ao capital financeiro, ao agronegócio e aos grandes grupos econômicos não mostra a mesma disposição de articulação para o lado dos trabalhadores. A revogação dos marcos regressivos das reformas trabalhista e previdenciária, reivindicada no Conclat de 2022, não avança. E ainda existem outros sinais do afastamento de Lula da pauta sindical.
Neste ano, Lula abriu mão de falar com o povo no tradicional pronunciamento de 1º de Maio e, de forma incomum, passou a tarefa ao ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
Desde Getúlio Vargas, o discurso do presidente neste dia é algo grandioso. Foi em 1º de maio de 1943 que Vargas anunciou a Consolidação das Leis Trabalhistas e em 1º de maio de 1954 ele anunciou o aumento de 100% do salário mínimo. Em 2024, não houve discurso presidencial.
O fato de o presidente ter transferido o discurso ao ministro é sinal de que neste governo o trabalhador não é assunto do presidente, mas de uma pasta específica, dentre tantas outras. Hoje, frente a tantos retrocessos, seria importante assumir a centralidade e a universalidade do trabalhador na política nacional.
Em sua fala, o ministro Luiz Marinho valorizou, com razão, o aumento do salário mínimo e a criação de empregos com carteira assinada. Por outro lado, deu grande destaque para o empreendedorismo e não falou em sindicatos ou em organização política dos trabalhadores.
Já o Lula, no ato organizado pelas centrais sindicais na Neo Química Arena, embora também tenha ressaltado a valorização do mínimo, a criação de emprego e o investimento na indústria, foi mais enfático que seu ministro ao ressaltar os “autônomos” e empresários de todos os níveis. “Quem quiser ter um negócio vai ter apoio do governo”, disse.
Vale ressaltar que a tecnologia pode ter dado uma nova roupagem para as relações de trabalho. Mas a contradição com o capital permanece a mesma. E, em um país onde a educação ainda é precária, o empreendedorismo, salvo uma elite de empresários bem-sucedidos, segue o mesmo nível de qualificação dos trabalhadores.
Além disso, era comum, em seus governos anteriores, o presidente se reunir e ouvir os sindicalistas. Dilma Rousseff também recebeu os sindicalistas mais de uma vez. Agora, no atual governo, justamente quando mais precisam, o presidente, assim como fez com o pronunciamento de 1º de maio, delega a tarefa a ministros que, muitas vezes, se mostram evasivos ou priorizam assuntos laterais em vez de tratar do que é urgente, que é a manutenção da estrutura e do movimento sindical.
Pontuamos ainda que o governo emite constantes sinais de que só 1 partido político, uma central sindical e 1 movimento social são dignos de serem recebidos, vistos e ouvidos pelo presidente Lula. O governo se enfraquece quando se isola do movimento sindical.
A crise no movimento sindical é externa
Da parte dos sindicatos, mesmo feridos de morte, tudo o que está ao alcance tem sido feito: trabalho cotidiano, assembleias, convenções, encontros, ações políticas etc. Temos nos atualizado, usado a tecnologia, participado dos debates, recebido e ouvido as demandas dos trabalhadores. Então, mesmo que existam problemas, como em qualquer organização, a raiz da crise no movimento sindical não é interna. É política e cultural.
O que intriga é pensar qual é a perspectiva de desenvolvimento para o país no longo prazo sem sindicatos fortes. É preciso promover políticas de desenvolvimento sólidas e duradouras e valorizar os trabalhadores, com salário e direitos trabalhistas, inseridos neste processo.
Assegurar benefícios aos trabalhadores
Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em 24 de setembro de 2024, Lula disse que seu objetivo mais urgente é acabar com a fome, “como fizemos em 2014”. Mas as benesses conquistadas naquele ano foram liquidadas em nome do ajuste fiscal na transição dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. O desemprego baixo de 2014 saltou a partir de 2016, chegando a bater os 20% nos anos seguintes, e isso disseminou a pobreza e a indigência pelo país.
Quando mudar o governo, nada garante que a política econômica responsável pelo desemprego baixo, valorização do salário mínimo, alta do consumo das famílias e aquecimento do comércio, permaneça.
Não precisa ir muito longe para ver analistas econômicos da grande imprensa ressentidos com o atual modelo que privilegia investimentos sociais em detrimento dos “humores” do mercado. É preciso considerar que, desde as capitanias hereditárias, o tipo de pensamento que repudia a valorização do salário mínimo e deseja a manutenção de um exército de desempregados está sempre à espreita.
Dessa forma, além de trabalhar por bons índices econômicos, como está fazendo, o governo precisa criar meios para que os benefícios dos trabalhadores e dos mais pobres, como emprego, salário, saúde e segurança, sejam assegurados para além dos 4 anos de gestão. Manter e fortalecer os acordos salariais e as convenções coletivas dos sindicatos é uma forma de fazer isso.
Todavia, hoje, enquanto os sindicatos veem seu papel de representação e negociação diminuídos, os trabalhadores sofrem com a crescente precarização do trabalho.
Papel do Estado
No artigo “Sete anos depois, reforma trabalhista é reconhecida como precarizante”, publicado no site Consultor Jurídico, em 27 de setembro de 2024, o procurador Regional do Trabalho aposentado, Raimundo Simão de Melo, afirma que:
“A reforma trabalhista de 2017 não beneficiou os trabalhadores, mas os empregadores, como se reconhece depois de 7 anos. Concluiu pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV–Ibre) que a maioria das vagas criadas desde a reforma trabalhista de 2017 foram precárias. Entre julho de 2017 e junho deste ano, os autônomos passaram de 21,7 milhões para 25,4 milhões, crescimento de 17%”.
O procurador cita também o problema do enfraquecimento dos sindicatos:
“As empresas se beneficiaram porque ao enfraquecer sindicatos, limitar o acesso à Justiça e permitir que os empregadores negociem sem os sindicatos, a reforma desequilibrou as forças e aprofundou a desorganização do mercado de trabalho”.
E aponta diversos exemplos de medidas precarizantes da reforma:
“a) o negociado sobre o legislado; b) o trabalho de grávidas e lactantes em ambientes insalubres; c) a redução do intervalo para refeição e descanso; d) as jornadas de 12 horas seguidas por 36 horas de descanso; e) a prestação de serviços a terceiros e o teletrabalho; f) a higienização dos uniformes de trabalho; g) a extinção da contribuição sindical sem qualquer outra forma de substituição do custeio das atividades sindicais”.
Acrescentamos a esta seleção, o fim das homologações nos sindicatos.
Desde o governo de Michel Temer, vivemos não só um período de desmonte dos direitos trabalhistas, mas também um processo de desconfiguração do protagonismo da classe trabalhadora. Processo perverso, uma vez que se dá em um país que ainda sofre com a baixa escolaridade, com uma educação precária, com a disseminação de doenças típicas de regiões pobres, e com a influência cada vez maior de uma política baseada no mercado capitalista.
É papel deste governo fazer um esforço para reverter os graves retrocessos vividos nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro e dar mais segurança aos trabalhadores. Caso contrário, o futuro será de desequilíbrio ainda maior entre ricos e pobres.
É urgente que o governo fomente a criação de bons empregos, por meio dos quais o povo e o país possam alcançar patamares melhores de desenvolvimento. Empregos com CLT e que permitam vínculo dos trabalhadores com suas organizações.
Os sindicatos são meios de assegurar um equilíbrio social e um contrapeso ao capitalismo selvagem e permanecem independentemente dos governos. Além das reivindicações próprias de cada categoria, o movimento sindical também luta por desenvolvimento econômico, democracia, soberania e valorização do trabalho.
O governo Lula, eleito com apoio maciço do movimento sindical, precisa honrar seus compromissos e reverter a atual política de fragilização dos direitos trabalhistas e sindicais.
João Carlos Gonçalves, Juruna, secretário-geral da Força Sindical e vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo
Álvaro Egea, advogado, secretário-geral da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e diretor do Sindvestuário de Guarulhos (SP)