Por Carolina Maria Ruy
A série Bebe Rena (Netflix) toca em pontos sensíveis sobre sanidade e sexualidade. Mais do que os abusos enfrentados por uma vítima de perseguição, a série coloca esta relação sob um ângulo alternativo. O protagonista Donny Dum, interpretado pelo criador e inspirador da série, Richard Gadd, foi corajoso ao expor suas reações vacilantes no caso que transformou em programa de TV. Mesmo consciente de que estava em risco, Donny sentia prazer em ser admirado e perseguido, alimentando esta situação.
Vale aproveitar esse debate para falar também sobre outra série, que vejo como complementar à Bebe Rena. Enquanto Donny Dunn conta a história a partir do ponto de vista da vítima de uma stalker, a série O Paciente (Star +) aborda a perspectiva de um homem com uma grave doença mental, um psicopata, que faz dele o agressor.
O Paciente é uma série perturbadora ao expor aspectos da mente humana de uma maneira realista e pouco abordada. O protagonista, Sam Fortner (interpretado por Domhnall Gleeson), busca, através de uma relação criminosa com o psicanalista Alan Strauss (interpretado por Steve Carell), uma cura para sua doença. Mas protocolos usuais não surtem efeito na mente do psicopata. O que vemos, desta forma, é o angustiante aprisionamento de um homem em sua doença e todo o sofrimento e alienação social que isso acarreta.
Não somos chamados a sentir pena do psicopata, mas sim a refletir sobre como a psicopatia se estabelece de forma fatal e sobre como não temos ferramentas para lidar com isso, a não ser a contenção pela força, ainda que se trate de uma doença.
Complexidade humana
Enquanto Bebê Rena humaniza a vítima, revelando suas ambiguidades, O Paciente busca humanizar o agressor, mostrando sua dor e sua incapacidade de lidar com seus impulsos.
Ambas as séries desafiam o expectador ao fugir do maniqueísmo, mas deixam claro quem é vítima e quem é agressor. As questões de fundo que as perpassam e fazem com que elas dialoguem giram em torno do que é o bem e o mal e de qual comportamento é aceitável para conviver e prosperar socialmente.
Trata-se, em suma, da complexidade humana, largamente estudada e abstraída em diversas formas de expressão que se tocam ao longo da história.
Quando o poeta Fernando Pessoa, que morreu em 1935, se pergunta: “Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?”, ele poderia, talvez, encontrar em Richard Gadd “a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia”[1].
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
[1] Em referência ao Poema em Linha Reta, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
Veja o trailer de O Paciente:
Veja o trailer de Bebê Rena:
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