Por Carolina Maria Ruy
A proposta de O Lutador não é falar a cultura e a prática da luta livre, como foi com a sequência de Rocky Balboa e com The Champ, o dramático campeão, que são obras que retratam o boxe de maneira romanceada.
O Lutador está mais para expressão da luta do dia a dia da vida, simbolizada através dos ringues. O filme conta a história de Randy “The Ram” Robinson, lutador profissional que fez muito sucesso durante os anos 1980 e, vinte anos depois, em decadência, se vê obrigado a participar de lutas encenadas para conseguir algum dinheiro. Seu corpo de cinquenta anos de idade já não aguenta e Randy sofre um ataque cardíaco, o que o impede definitivamente de lutar.
Além de seus colegas de trabalho, ele cultiva uma amizade com a stripper Cassidy. Devido ao diagnóstico médico passa a trabalhar em um balcão de frios de um supermercado. Neste esquema de total subordinação ele conclui que aquele não é o seu lugar e que, a despeito de seu frágil coração, deve voltar para os ringues.
O filme mostra crua e ordinariamente como se dá a luta livre como profissão. Os lutadores são, em geral, pessoas pobres que se entendem bem, as feridas existem, mas não são como parecem na hora do ato. Elas se acumulam ao longo dos anos de trabalho, degenerando pouco a pouco o corpo daqueles que o executam. O filme mostra, principalmente, que a data da validade desta profissão é muito curta. Com o envelhecimento, os praticantes são naturalmente excluídos do mercado.
O uso do corpo como instrumento de trabalho é retratado na pele de Ram e da prostituta Cassidy. Dentro disto, surgem velhas questões da nossa sociedade mal resolvida: a valorização da aparência em detrimento da essência, da juventude em detrimento da maturidade e da experiência, o descarte, a decadência e a exclusão.
Força de trabalho
Tanto a prostituição como a luta livre são práticas que marcam o corpo físico e causam estigma social. Neste sentido são exemplos extremos de como aqueles que vendem a força de trabalho, no sistema capitalista, é consumido por esta estrutura. Desta forma, pode-se dizer que o corpo doente e machucado do dócil e amigável Randy, o qual ele expõe continuamente à agressão, simboliza o sacrifício do corpo e do espírito pelo trabalho.
Deslocados do contexto de apelo sensorial a força física de Randy e a sensualidade de Cassidy se traduzem em fragilização humana. São corpos tristes que se expõe e se vendem. Vale ressaltar que o ator Mikey Rourke, através da sua própria tragédia pessoal, conseguiu mostrar o drama do personagem Randy. Ele teve o mérito de transformar sua fragilidade em arte, dando pujança ao filme e força a sua capacidade de atuar.
O Lutador (The Wrestler)
EUA, 2008
Direção: Darren Aronofsky
Elenco: Mickey Rourke, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical. Do livro “O mundo do Trabalho no cinema”, publicado por Centro de Memória Sindical