Há anos me mantive intrigado em relação ao fato de parte das praias (centro e sul da cidade) de Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, ser inadequada para o banho. Pois se trata de águas escuras, barrentas, e em Porto Novo, bairro localizado na divisa com São Sebastião, a orla é coberta de lama escura e pegajosa.
Recentemente tomei conhecimento de que esses detalhes que aponto aqui relacionam-se a um grande deslizamento de terras vindo das encostas dos morros da região, pois em março de 1967 e devido a chuvas torrenciais por dias seguidos, Caraguatatuba foi coberta de lama e centenas de pessoas foram soterradas.
Matéria da BBC Brasil (“Chuva em SP: tragédia ocorre 56 anos após a maior já vista no litoral norte”), de 21/2/2023, nos informa que “A catástrofe atual ocorre 56 anos após a maior tragédia ligada às chuvas na história de São Paulo, que ocorreu em 18 de março de 1967 no município de Caraguatatuba, quando as águas causaram o desmoronamento de encostas e centenas de casas foram soterradas… Segundo a contagem feita na época, 487 pessoas morreram, mas estima-se que o número de óbitos tenha sido muito maior, já que muitos desaparecidos nunca foram encontrados”.
Estamos tratando de 1967 e de lá para cá as condições só pioraram. Assim tem sido ao longo de décadas sem que tenha havido a preocupação por parte dos poderes públicos no sentido de oferecer moradias e condições dignas aos pobres que, tanto nessas regiões litorâneas quanto na periferia das cidades brasileiras, em regra vivem em condições precárias e servem como mão de obra barata na prestação de serviços aos ricos.
Aquele encontro de trabalho, em 20/2, entre Lula, Tarcísio de Freitas e o prefeito de São Sebastião revelou olhares e falas distintas sobre essa questão. Enquanto governador e prefeito falaram em socorrer os feridos, tirar entulhos, arrumar estradas… Lula falou em socorrer as vítimas do desastre e em construir novas moradias. Inclusive propôs ao prefeito arranjar terrenos fora das encostas dos morros, pois nunca o poder público havia se preocupado com isso. E foi exatamente por isso que as casas construídas de forma precária e desordenada lá em Vila Sahy e seus moradores (não lhes deram outra opção) sofreram as terríveis consequências dos deslizamentos de terra causados pelas chuvas dos últimos dias na região.
José Raimundo de Oliveira é historiador, educador e ativista social.