A Justiça do Trabalho, de Uruguaiana, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, suspendeu a demissão em massa de funcionários do hipermercado BIG, adquirido pela rede Atacadão, de propriedade do grupo Carrefour. A liminar impede “a possibilidade de dispensa coletiva de aproximadamente 150 empregados”.
A decisão foi obtida no último dia 10 pelo Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), uma vez que não teve negociação coletiva com os sindicatos para os desligamentos e houve falta das duas empresas em apresentar documentos e tomar conhecimento das notificações emitidas pelo MPT-RS.
“O inquérito foi instaurado no dia 5 de dezembro e a empresa foi notificada no dia 6 para promover negociação coletiva com as centrais sindicais e apresentar documentos como contrato de compra e venda e a relação de empregados que seriam dispensados. Pediram prorrogação do prazo, sem apresentar os documentos. Fizemos uma pesquisa que, após instauração do inquérito, 100 pessoas já tinham sido demitidas”, explicou o procurador Hermano Martins Domingues.
O MPT-RS destacou que nenhuma das empresas envolvidas realizou etapas necessárias pelo ordenamento jurídico, como qualquer diálogo social anterior à decisão sobre dispensa coletiva, apresentação dos documentos relativos à transferência da planta ao sindicato ou à federação da categoria. Também não abriram canal de negociação com o sindicato nem apresentaram uma lista de funcionários que desejassem permanecer trabalhando.
A partir disso, o MPT-RS ingressou na Justiça do Trabalho com uma ação com pedido de liminar, solicitando que as empresas fossem intimadas a apresentar documentos como o contrato de compra e venda do Big para o Atacadão/Carrefour e a relação de funcionários, seja dispensados, ainda contratados ou com PCD e estabilidade de emprego.
Não basta comunicar o sindicato, é preciso negociar
A liminar foi concedida pelo juiz do Trabalho substituto Bruno Feijó Siegmann, da 2ª Vara do Trabalho de Uruguaiana. Ele avaliou que, mesmo que as empresas tenham comunicado aos sindicatos sobre a transformação da unidade, e a mudança de modelo de hipermercado para atacarejo, não houve diálogo e negociação, como previsto em uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Não basta comunicar os fatos aos entes sindicais e coordenar reuniões. É essencial fornecer as informações necessárias, conceder o tempo devido para as ponderações e as tomadas de decisões, o que não foi respeitado pelas rés”, disse o magistrado.
O juiz decidiu que as empresas não podem mais fazer dispensa sem justa causa de outros trabalhadores até que seja concluída a negociação coletiva com a entidade sindical.
Ele pediu cronograma de negociação e planilha com valores a serem pagos em rescisões de contrato e determinou que sejam reintegrados ao emprego 43 funcionários que manifestaram intenção, em assembleia, de continuar trabalhando após o fechamento do BIG, bem como a reintegração de funcionários com deficiência ou com outra garantia de emprego.
Para Hermano, essa “é uma decisão importantíssima que ajuda a consolidar a necessidade de negociação sindical prévia antes da dispensa coletiva, como entendido pela posição do STF no tema 638 de repercussão geral”.
Segundo o Pleno do STF, “a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo.”
Desta forma, o juiz não apenas aceitou o pedido de reintegração de empregados que foram dispensados sem que houvesse a regular intervenção sindical, como também ordenou o cumprimento, sob pena de multa, de outras requisições do MPT. Também fixou que as redes devem promover a efetiva negociação coletiva para reestruturação de quadros e de pessoal, conforme determina a legislação.
Reconhecimento da negociação coletiva
Para o secretário de Relações de Trabalho da CUT-RS, Paulo Farias, “trata-se de uma importante decisão que nós, da CUT, saudamos, pois é o reconhecimento da negociação coletiva, que tem que acontecer quando ocorre uma situação dessas”.
“Nós alertamos que não é só importante para Uruguaiana. Essa decisão abre um precedente para as demais negociações envolvendo essas empresas. Citamos o mesmo caso do BIG, em Alvorada, que está neste mesmo bojo, e outras empresas que poderão ser afetadas quando acontecer esse processo”, ressalta Farias.
Retomada da proteção dos direitos coletivos e sindicais
O advogado Antonio Escosteguy Castro, do Coletivo Jurídico da CUT-RS, considera a decisão “extremamente importante por duas razões”. A primeira, segundo ele, “é pela decisão em si, que reintegra os trabalhadores demitidos em massa pela empresa porque consolida o entendimento jurisprudencial que as demissões em massa necessitam ser previamente negociadas pelo sindicato”.
Ele destaca que “depois da contrarreforma trabalhista do Temer, em 2017, houve uma imensa ofensiva contra os direitos e as prerrogativas dos sindicatos e havia muitas opiniões que afirmavam que não cabia mais esse tipo de obrigação das negociações sindicais na realização das demissões em massa”.
A segunda razão, conforme o advogado, “é que foi uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho, um organismo que nos últimos tempos, embora com uma atuação forte contra as situações de trabalho escravo, dentre outras questões do mundo do trabalho, estava afastado da proteção dos direitos sindicais”.
“A ação de proteger os trabalhadores em Uruguaiana deve ser saudada, é positiva em si e essa decisão é um alento. E mostra que com o novo clima político no país, com a vitória do presidente Lula, nós estamos conseguindo resgatar e consolidar direitos coletivos e sindicais”, salienta Castro.
Venda bilionária
O BIG foi vendido para o Carrefour Brasil em uma negociação de R$ 7,5 bilhões. No dia 15 de janeiro, seis unidades fecharam as suas portas no Rio Grande do Sul. As lojas que eram BIG deverão reabrir como Carrefour ou Atacadão.
Com informações do MPT-RS e Zero Hora.
Fonte: CUT-RS / Foto: BIG / Divulgação – 22/02/2023