Em seu voto no julgamento do pedido de Habeas Corpus de Luís Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (4), o ministro do STF Ricardo Lewandowski afirmou (lamentou, seria mais apropriado dizer) que o direito de propriedade é elevado a um patamar superior ao direito de liberdade.
Ele tem razão. E, talvez involuntariamente, reconheça que, numa sociedade dividida em classes e baseada na propriedade privada, este direito seja fundamental.
O que o Brasil assiste em nosso tempo é um acirramento da luta de classes, desde o golpe de Estado de 2016, conflito que se manifesta fortemente no campo do direito. Esfera superestrutural fundamental do sistema capitalista, neste campo as disputas básicas em torno da apropriação privada da riqueza social, se manifesta com força decisiva.
O campo do direito sempre foi restritivo, em defesa da legalidade burguesa e do direito de propriedade, como reconhecem os autores clássicos do marxismo. É no campo jurídico que são decididas as questões decisivas da sociedade capitalista. Marx, na Crítica ao Programa de Gotha (1875) ensina que o direito tem caráter de classe – é direito burguês, sendo “portanto, um direito da desigualdade, pelo seu conteúdo, como todo o direito”. Lênin, em O Estado e a Revolução (1917) segue na mesma linha. O limite da democracia burguesa é o “estreito marco da exploração capitalista” e, por isso, é o governo da minoria, das classes possuidoras, “só para os ricos”. E deixa à margem a maioria da população.
O sistema jurídico de um país decorre das relações de propriedade vigentes. Segundo o principal teórico marxista do direito, o soviético Eugênio Pasukanis, “o caminho que vai da relação de produção à relação jurídica, ou relação de propriedade” é curto, e passa por um “elo intermediário: o poder de Estado e suas normas.”
No Brasil, este curto caminho entre as relações de propriedade e as relações jurídicas é o círculo de ferro que impede a consolidação da democracia, da incorporação das massas ao protagonismo político, é o caminho da oposição conservadora às mudanças políticas e sociais – por limitadas que sejam – que ameacem a hegemonia das classes proprietárias que se julgam proprietárias do país, cujo poder de Estado está em suas mãos e controla, os recursos públicos impondo regras políticas pouco democráticas e leis trabalhistas draconianas para submeter os trabalhadores à ganância do capital.
A ordem de prisão contra Lula tem este sentido – o da defesa da ordem política e social conservadora, ameaçada pelo forte apelo popular do ex-presidente.
A classe dominante conservadora investe contra o símbolo representado pelo mais popular ocupante da presidência da República, sob cuja influência direta o Brasil viveu o mais longo período democrático de sua história, com forte protagonismo popular. A classe dominante se insurge contra aquele que significa e representa o sonho do avanço democrático e de mudanças econômicas e sociais que imagem representa.
Imagem que a direita se esforça para destruir. Mas que pode se transformar em seu pesadelo – o pesadelo da transformação, pregada por Lula em seu discurso do dia 7 de abril, de seus milhões de apoiadores em outros tantos Lulas sonhando o mesmo sonho de um país livre, soberano e desenvolvido, com seu povo de cabeça erguida enfrentando os desafios do futuro.
José Carlos Ruy, jornalista