As classes trabalhadoras, as pessoas mais pobres, foram as mais afetadas pela crise pandêmica. Essa afirmação não só é confirmada por pesquisas epidemiológicas que investigam o recorte de classe da pandemia, mas também pela nossa atividade cotidiana como agentes de atuação pública. Especialmente, ao perceber que os serviços públicos, no geral, não deram a devida resposta ao combate à pandemia e aos efeitos sociais de sua larga abrangência.
O nível de desemprego e de refluxo da atividade econômica colocou uma parcela significativa de pessoas, de famílias, em uma situação de maior vulnerabilidade social, exigindo mais investimento do Estado em políticas públicas de caráter social. Mas o que se viu prevalecer foi uma ideia perversa de austeridade fiscal, com base na ideologia neoliberal que voltou com força no Brasil após os governos Lula-Dilma.
Nesse período, um número maior de pessoas precisaram de moradia, transporte, acesso à saúde pública, aos meios tecnológicos de acesso à educação. E tudo isso, em tempos de pandemia, foi ainda mais urgente por parte de quem precisa e, por outro lado, de maior morosidade por parte de quem tem o dever constitucional de promover. Por outra banda, os endinheirados fizeram “romiofice”, não dispensaram a empregada doméstica que seguiu se arriscando no transporte coletivo e sempre que possível fizeram as suas alglomeraçõezinhas clandestinamente.
O auxílio emergencial pago pelo governo federal, além de ser insuficiente para atender as necessidades básicas do público alvo – as pessoas em situação de vulnerabilidade social e desempregadas – foi por período muito curto. Além disso, tal auxílio apenas foi implementado após muita pressão social, contra a vontade do governo e de sua equipe econômica. As grandes dificuldades burocráticas para acessar o recurso, enfrentadas pelos beneficiados são a demonstração da má vontade das autoridades governamentais em conceder o dinheiro. Basta que lembremos das enormes filas e aglomerações em que a grande maioria dos beneficiários foram submetidos em agencias da Caixa por todo lado.
Portanto, afirmar que “2020 foi um ano atípico” é a confissão de desconhecimento da realidade do povo pobre brasileiro. O ano que passou foi igualzinho aos demais no sentido que as camadas mais desprotegidas da sociedade, em tempos de crise, são as que mais rápido e com maior intensidade sentem os seus efeitos. O ano de 2020 foi exatamente como os outros anos nesse sentido e, a depender da vontade dos neoliberais no poder, 2021 manterá o mesmo normal.
Ronaldo Quadrado é Conselheiro Tutelar de Pelotas
Daniel Lemos é Professor na rede pública