Lançada em 6 de novembro de 2001, há exatamente vinte anos, a série 24 horas (de Joel Surnow e Robert Cochran) tem tudo a ver com o clima de terror que se instalou nos EUA após a derrubada das Torres Gêmeas dois meses antes.
Os diretores captaram a tensão do momento para projetar um agente da Unidade Contra Terrorista (CTU – um braço da CIA para lidar com as novas ameaças) disposto a tudo para salvar o país: Jack Bauer.
Para enfrentar de armas biológicas a bombas nucleares, Bauer usa de todo e qualquer recurso que esteja ao seu alcance, passando ao largo de leis, convenções e tratados nacionais e internacionais. E tudo em 24 horas.
Os “vilões” dispostos a promover uma matança em série não são um grupo, uma pessoa ou um país. A estrutura da vilania se apresenta como um emaranhado de países, culturas e interesses diversos.
A cada temporada um novo emaranhado. E comumente as etapas com que este se revela segue a ordem: primeiro a face estereotipada de um terrorismo islâmico, depois velhos inimigos como Rússia e China, até chegar a grupos da Europa Ocidental ou, até mesmo, de dentro do governo americano.
A série é crítica ao burocratismo e até mesmo à corrupção em instituições como o FBI, a CIA e a ONU. Tais instituições, quando não se atrapalham com seus protocolos, aparecem contaminadas por agentes infiltrados.
Em 24 Horas é assim: o inimigo está em toda parte. Pode ser qualquer um.
E é essa a paranoia que, na série, pavimenta não só o complexo sistema de monitoramento e espionagem que a chamada Guerra ao Terror de George Bush instituiu, como também o uso extensivo da tortura para supostamente obter informações.
Jack tortura e mata com a naturalidade de quem abre uma porta. E tanto a violação da privacidade quanto a violência física são destinadas não só aos inimigos externos. Ela também ocorre entre os próprios agentes, em nome de um “bem maior”. Todos os personagens correm riscos todo o tempo.
Frases repetidas exaustivamente por toda a série dizem muito sobre o senso comum estadunidense quando o assunto é a ideia da “segurança nacional”. Três destas frases resumem os 192 episódios, ou as 192 horas mais difíceis na vida de Jack Bauer: “Esta era nossa única pista”, “Milhares de vidas estão em jogo” e, sobretudo, “Preciso fazer o que tem que ser feito”.
O que tem que ser feito é, neste caso, o serviço sujo para solucionar o problema de forma rápida e eficaz. Seu verdadeiro sentido pode ser melhor entendido como “vale tudo”.
O valor de uma vida em comparação ao destino de milhares de pessoas, e o direito de decidir quem vai viver, são dilemas que pairam sobre a consciência perturbada do agente. Suas ações são bem articuladas, ambíguas e imorais.
A série, instigante, imprevisível, eletrizante, provocadora e inteligente é, mais do que qualquer coisa, um retrato das últimas décadas da história dos Estados Unidos da América, com seu ostensivo poderio e com seus erros que já custaram “milhares de vidas”.
Vinte anos depois sabemos que a Guerra ao Terror não deu aos EUA as respostas que eles alegavam procurar. A tortura e a violação aos direitos humanos praticadas em larga escala por instituições norte-americanas não levaram à obtenção de nenhuma informação útil para a segurança nacional.
Disseram eles que caçaram o Bin Laden, mas a Guerra continuou por dez anos depois que Barack Obama levantou esse troféu. Continuou até os EUA ser expulso do Afeganistão de forma humilhante pelos radicais do Taleban. Não teve Jack Bauer que desse jeito.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Assista o trailer da primeira temporada de 24 horas: