PUBLICADO EM 30 de maio de 2019
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Os direitos de grávidas e lactantes e o recrutamento para candidatos do Partido Novo

Acho muito interessante a dinâmica e as ideias do partido Novo porque elas são um exemplo bem-acabado de como funciona a mentalidade daqueles que agem para perpetuar e aprofundar o abismo social.

O partido Novo contratou uma consultoria para selecionar potenciais candidatos para disputar oito prefeituras nas eleições de 2020. Eles estão em busca de empresários ou executivos com capacidade de gestão, conforme noticiou o jornal O Estado de São Paulo no dia 30/05/19.

Os candidatos passarão por um filtro dos diretórios municipais e nacional e, ao passar para a segunda fase, cada candidato terá que pagar R$ 4 mil para continuar no processo. João Amoedo, um dos fundadores da sigla e candidato derrotado à Presidência da República explicou assim a iniciativa do seu partido: “Se for pensar bem, o que significa um bom gestor? Uma pessoa que saiba definir bem suas prioridades, montar uma boa equipe. Dialogar constantemente. Na iniciativa privada é assim”, afirmou.

Ele só esqueceu de dizer que empresas privadas visam acumular capital e não promover o bem-estar social ou combater a desigualdade.

O diretor da empresa que está fazendo a seleção, Carlos Altona, afirmou ao Estadão que “Ter boa vida financeira é pré-requisito” e que eles almejam recrutar executivos de alto escalão.

Com isso eles eliminam qualquer pessoa que tenha baixa renda, mesmo que a pessoa possa ter vasta experiência e/ou liderança em organizações sociais. Com isso eles projetam uma sociedade em que os ricos governam e criam leis e os pobres são subordinados a elas.

Acho muito interessante a dinâmica e as ideias do partido Novo porque elas são um exemplo bem-acabado de como funciona a mentalidade daqueles que agem para perpetuar e aprofundar o abismo social.

Nem é o caso aqui de comparar as ideias da turma do Amoedo com um regime socialista, ou com a estatização da economia. O debate sobre o equilíbrio entre o Estado e o Mercado é pertinente e deve ser travado na sociedade. Trata-se de levantar os pontos perversos de um caso de extremismo de direita.

Gerir uma cidade como se ela fosse uma empresa capitalista significa reduzir o “gasto” em regiões ou setores mais remotos que pesam sobre a administração e ameaçam o equilíbrio fiscal. Ao passo que, ao contrário disso, governar uma cidade significa administrar os recursos para a promoção do bem-estar e da igualdade social, assegurando serviços como saúde, educação, transporte, cultura, lazer, subsídios para a geração de empregos etc. Um prefeito deve conceber a cidade que governa sob um ponto de vista social mais amplo, não sob um ponto de vista restrito de ajuste na contabilidade. Até porque investir na população é uma garantia muito maior de aquecimento da economia do que destinar os recursos para as mãos de caciques do setor privado, que podem ou não retornar esse investimento para a sociedade.

Curioso que o debate sobre o recrutamento do partido Novo, embora a notícia não seja nova, foi levantado pelo Estadão um dia depois de o STF aprovar uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos e derrubar um trecho da reforma trabalhista que admitia que trabalhadoras grávidas e lactantes desempenhassem atividades insalubres. Esse pode ser um caso interessante para os novatos do Novo (sem trocadilhos rs) estudarem.

Interessante porque se trata de uma garantia legal, do Estado, sobre uma população que pode estar em situação vulnerável. Há ainda quem se oponha à decisão do STF argumentando que as mulheres não devem ser tuteladas pelo Estado, que cabe à mulher atestar a impossibilidade de trabalhar em condições insalubres e que tal medida pode dificultar o acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Esta é uma visão típica do Novo, que contempla apenas as mulheres das classes mais abastadas, com maior acesso a serviços de saúde e a ambientes de trabalho mais modernos.

Uma política social, entretanto, não deve servir a uma classe de privilegiados, e isso o Novo precisa entender se quiser, algum dia, fazer uma boa política.

Em seu voto o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, disse “como que a mulher gestante ou lactante que trabalha no interior de determinado Estado, com carvão, vai conseguir um atestado médio, atestando a insalubridade? Quando que ela vai conseguir marcar, se deslocar, qual a pressão que ela sofrerá para não apresentar esse atestado? Sob essa ótica, a proteção da mulher gestante ou lactante, em relação ao trabalho insalubre, caracteriza-se sim como um importante direito instrumental preventivo tanto da mulher, quanto da criança”. Nada mais a acrescentar.

Carolina Maria Ruy, pesquisadora, coordenadora do centro de Memória Sindical

 

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