PUBLICADO EM 08 de ago de 2019
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BRF é condenada na Justiça por recusar atestados médicos de trabalhadores

O juiz destaca, na sentença, que essa prática mostra que a empresa “parte do pressuposto de que existe alguma fraude nos atestados da rede privada, sem qualquer critério efetivo”.

Foto: Divulgação

A BRF foi condenada pela Justiça do Trabalho por recusar ou diminuir o número de dias prescritos em atestados médicos de funcionários em sua unidade em Chapecó (SC).

Na decisão, o juiz Carlos Frederico Fiorino Carneiro, da 1ª Vara do Trabalho, afirma que a BRF “mantém a prática de recusar ou reduzir atestados médicos externos de seus empregados, sem qualquer justificativa, efetuando descontos dos dias respectivos dos salários”.

A ação civil pública foi proposta pelo Sintracarnes (Sindicato dos Trabalhadores em Indústrias de Carnes e Derivados de Chapecó).

O presidente da entidade, Jenir Ponciano de Paula, estima que cerca de 1.000 empregados, dos 5.000 que trabalham no frigorífico, foram afetados nos últimos cinco anos.

Cerca de 150 atestados foram anexados ao processo, de acordo com o advogado do sindicato, Paulo Roberto Lemgruber.

Na sentença, de 17 de julho, o juiz condenou a empresa a pagar o equivalente a duas vezes o último salário do trabalhador, “para cada empregado ou ex-empregado que tenha tido recusado ou reduzido o tempo de afastamento médico recomendado por atestado médico de profissional externo”.

A BRF afirmou, por meio de nota, que está recorrendo da decisão em 1ª instância.

Uma das testemunhas, mencionada na sentença, afirma que em duas ocasiões seu médico particular lhe recomendou o afastamento por 60 dias, mas a empresa não acatou os atestados.

O médico da BRF, de acordo com o relato, não questionou sobre o histórico de saúde da funcionária e não concedeu nenhum período de afastamento.

Ao retornar ao trabalho, a testemunha conta que passou mal e precisou ser retirada de maca, “com dores intensas e sintoma de paralisia na perna”.

Em outros casos, segundo a decisão, o trabalhador apresentava um atestado, mas a empresa reduzia o tempo de afastamento prescrito.

Há também relatos de que, em certos setores, o funcionário nem sequer conseguia chegar ao médico da BRF.

“A empresa tem a prática de que, para ir na medicina mostrar o atestado, o trabalhador precisa passar pela mão do supervisor, que autoriza ou não”, disse De Paula, do sindicato, à Folha.

A entidade afirma, segundo trecho da sentença, que a empresa punia os empregados com “cortes de salários, suspensão e até demissão”.

O juiz determinou que a empresa se abstenha de desconsiderar atestados, que comunique os acidentes de trabalho ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e, no caso de afastamentos superiores a 15 dias, encaminhe os funcionários à perícia do órgão, como previsto em lei.

A BRF, em nota, que “não compactua com qualquer prática ilegal e reporta corretamente todos os acidentes de trabalho”.

“A BRF esclarece ainda que a unidade de Chapecó possui ambulatório próprio com médicos, enfermeiros e técnicos que prestam atendimento a todo funcionário que apresente atestado ou solicite consulta.”

A procuradora do trabalho em Chapecó Mariana Casagranda, que acompanhou o processo, diz que o parecer do MPT foi pelo acolhimento do pedido do sindicato.

Ela considera que a prática da empresa é grave e ficou demonstrada ao longo da ação.

“A sentença é importante porque busca preservar o direito fundamental à saúde do trabalhador e o resguardo da sua dignidade, com a intenção de garantir o completo restabelecimento da saúde”, disse.

Segundo ela, como as atividades em um frigorífico são repetitivas, forçar um empregado lesionado, por exemplo, a voltar ao trabalho antes da sua plena recuperação pode agravar o seu estado de saúde ou contribuir para o surgimento de alguma doença.

Em depoimento no processo, uma enfermeira da BRF disse que “de modo geral atestados oriundos do SUS [Sistema Único de Saúde] são ampliados, e da rede privada reduzidos”.

O juiz destaca, na sentença, que essa prática mostra que a empresa “parte do pressuposto de que existe alguma fraude nos atestados da rede privada, sem qualquer critério efetivo”.

Ele reforça que a BRF não demonstrou nenhum caso de fraude.

Segundo especialistas, o trabalhador tem o direito de apresentar atestado de médico especialista ou de sua confiança.

“A jurisprudência é pacífica em relação a isso. Pode ser do SUS, particular ou do trabalho, só precisa ser médico”, diz a professora de direito do trabalho da PUC-SP Fabiola Marques.

Para recusar um atestado, a empresa precisa apresentar uma justificativa, embasada em exame clínico e, de preferência, documentada, dizem especialistas.

Segundo o advogado Paulo Roberto Lemgruber, que defendeu o sindicato, o processo trata principalmente de casos de doenças ocupacionais.

“As atividades de frigorífico, especialmente no setor de aves, têm um ritmo intenso, com metas, é muito penoso. Eles acabam adquirindo lesões, problemas do sistema ósseo-muscular. Essas doenças, para fins previdenciários, se equiparam a acidentes do trabalho.”

De Paula, do sindicato, afirma que doenças como bursite, síndrome do túnel do carpo e problemas na coluna são comuns entre trabalhadores de frigoríficos.

“A temperatura ambiente precisa ser de 10 a 12 graus, e o frango, vem em 5 graus. Isso gela a mão e os dedos. E precisa ficar em pé e pendurar 10, 30 coxas por minuto. O frio e o trabalho repetitivo adoecem muito o trabalhador”, afirma.

“A empresa tem obrigação de avisar toda vez que há um afastamento superior a 15 dias, que possa caracterizar um acidente de trabalho. E isso vai repercutir inclusive na tributação paga pela empresa, que é calculada pelo índice de acidentes”, diz Otavio Pinto e Silva, professor de direito do trabalho da USP.

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