PUBLICADO EM 16 de mar de 2018
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A invenção de um novo tipo de partido político na Suécia

 Michael Wernstedt vive no futuro, no centro de Estocolmo. É um espaço de coabitação, um ex-hotel, agora habitado por cinquenta pessoas, que compartilham cinco cozinhas e uma variedade de espaços comuns, em quatro pisos; cada inquilino também tem um quarto com banheiro privado. Tudo isso bem desenhado e meticulosamente limpo.

Masha Gessen

Enquanto Wernstedt e eu conversamos, sentados em um dos muitos bancos cinzas gigantes, cerca de uma dúzia de pessoas de diferentes gêneros e cores de pele (embora todos mais ou menos em seus meados dos trinta anos), compartilham uma refeição casual, em outro. Durante um recente encontro na casa, Wernstedt me contou, alguém pediu aos presentes para se lembrarem do tempo mais feliz da vida deles – e todos disseram que estão mais felizes agora. A visão de Wernstedt para o futuro da Suécia, e políticas democráticas em geral, assemelha-se a essa casa: é feliz, sustentável e “cocriado”.

Semana passada, o espaço de coabitação recebeu uma conferência de imprensa, durante a qual Wernstedt e dois coorganizadores anunciaram a formação de um novo partido político, a “Iniciativa”. Poucas pessoas na Suécia já ouviram sobre o novo partido, apesar de sua irmã mais velha, a Alternativa da Dinamarca, ter montado um impressionante círculo eleitoral em apenas quatro anos. Para se consolidar como um partido em Estocolmo, a Iniciativa teve que coletar cinquenta assinaturas físicas, caneta e tinta, e vai precisar de outras mil e quinhentas para chegar na cédula eleitoral nacional. A Iniciativa planeja atingir o limite nacional por agosto, a data limite para a próxima eleição parlamentar em setembro. Entrar para o Parlamento requererá vencer ao menos quatro por cento dos votos. Há quase três dúzias de partidos políticos em todo o país na Suécia, mas apenas oito são representados no parlamento. O partido mais jovem a quebrar a barreira dos quatro por cento é o Democratas da Suécia, um partido de direita, ultranacionalista, anti-imigrantista que foi fundado em 1988 e está no parlamento desde 2010.

Wernstedt interpreta a subida dos Democratas da Suécia, como a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, como uma alternativa de escolher: “Isso é assustador, mas mostra que as pessoas querem algo novo. E nós temos que ter responsabilidade com a democracia”. Melhor ainda, Wernstedt quer reinventar a política. A mais importante inovação da Iniciativa é o lançamento de um partido sem programa, mas com duas listas. Uma é a lista de seis valores que o partido defende: coragem, abertura, compaixão, otimismo, cocriação, e capacidade de ação. A outra é uma lista de três crises às quais o partido deve se dirigir: a crise da fé na democracia, a crise ambiental, e a crise de saúde mental. Ano passado, de acordo com Wernstedt, os suecos perderam mais dias de trabalho por estarem mentalmente doentes, do que por estarem fisicamente doentes; a principal causa de morte entre as pessoas com menos de trinta e cinco anos é o suicídio. Começando a semana que vem, a Iniciativa planeja fazer workshops pela Suécia, para desenvolver um programa político para se dirigir às três crises, em maneiras consistentes com os seis valores.

Wernstedt, que tem trinta e cinco anos de idade, trabalhava como advogado internacional. Cinco ou seis anos atrás, ele me disse que percebeu que achava sua vida de sucesso profundamente insatisfatória e começou a lançar sobre um projeto significativo. Alguém o ajudou: a avó de Wernstedt é Nina Lagergren, a meia irmã de Raoul Wallenberg, o diplomata sueco que salvou dezenas de milhares de Judeus na Budapeste ocupada pelos nazistas antes de desaparecer no Gulag soviético. Lagergren gastou muitas décadas trabalhando para descobrir o que havia acontecido com Wallenberg e divulgar sua situação difícil. Quando Wernstedt estava tendo uma crise de propósito, Lagergren havia recentemente fundado a Raoul Wallenberg Academy, uma escola de direitos humanos e liderança para adolescentes. Wernstedt assumiu o empreendimento e, em apenas quatro anos, ele disse, expandiu de cinquenta para dez mil estudantes. Então ele viajou o mundo com seu parceiro, Lemarc Thomas, procurando por novas formas de aplicar-se. Quando o casal sugeriu organizar-se pelos direitos L.G.B.T no Quênia, ativistas locais disseram a eles para desistir. Mas quando eles fizeram isso na terra natal de Thomas, na Ilha de St. Helena, eles ofereceram seus serviços para um referendo para casamentos do mesmo sexo; quando isso falhou, eles apresentaram um caso de teste, que está ainda pendente sob a Suprema Corte da ilha. Então eles voltaram para a Suécia, e Wernstedt decidiu começar um partido político.

A inspiração filosófica para o projeto veio do trabalho de Emil Ejner Friis e Daniel Görtz, que juntos criaram Hanzi Freinatch, um imaginário “filósofo, historiador e sociólogo”, que vive em isolamento nos Alpes Suíços. Em seu blog metamoderna.org Freinach encaminha ideias de uma sociedade baseada nos princípios de metamodernismo, uma escola de pensamento que se propõe a suceder o pós-modernismo. Metamodernismo combina a esperança do modernismo, com a crítica do pós-modernismo. É ao mesmo tempo questionador, visionário, e algo que acredita no futuro. Mais importante, Freinatch escreve, uma política metamoderna se move além de ideias liberais na direção de responsabilidade compartilhada, para maximizar a felicidade e saúde de todos no mundo. Bem-estar, na política metamoderna, não deve meramente garantir bem-estar material e saúde física, mas também “uma sociedade que ouve, onde cada pessoa é vista e ouvida.

Um partido político nascido dessa filosofia não pode dizer às pessoas o que é bom para elas. Wernstedt e quase quarenta aliados começaram a Iniciativa esperando somente desenhar um novo modo de criar um partido. Eles rapidamente descobriram que não há nada mais difícil do que inventar “coletivamente” um processo para tomada de decisões coletivas e adotaram pontos básicos de partida: um líder de partido (Wernstedt), um conselho de administração de sete, e as listas de valores e crises.

Tudo mais sobre a Iniciativa é esperado emergir a partir dos workshops. A Alternativa seguiu o mesmo processo, eventualmente envolvendo quase mil pessoas em séries de workshops de vinte e cinco pessoas, liderados por cerca de sete facilitadores do partido. Facilitadores são para a Alternativa o que organizadores de campo e consultores políticos são para partidos políticos convencionais: tudo. Poucos observadores na Dinamarca levaram a Alternativa à sério, quando foi lançada, em 2013, mas apenas dois anos mais tarde o novo partido estava sentado no parlamento; este ano, se tornou uma respeitável performance nas eleições locais.

O processo de workshops com facilitadores não termina com a elaboração de uma plataforma do partido: o processo é em andamento, e é muito a razão da existência da Iniciativa. Wernstedt espera que o processo possa inspirar ou engajar outros partidos, eventualmente transformando a própria percepção de como a democracia funciona. Em sua visão, políticos suecos vão então parar de falar sobre se nós precisamos abaixar os impostos por um por cento, ou aumentar os impostos um por cento e vão começar a falar sobre um futuro no qual apenas cerca de metade da população tem um emprego, mas todo mundo recebe uma renda, na qual avanços tecnológicos e ajustamentos comportamentais transformem o consumo e revolucionem a educação, e na qual a política é continuadamente co-criada.

Por agora, a visão do futuro pode estar confinada aos fantasiosos recantos da internet e ao belo espaço de coabitação em Estocolmo. O Democratas Sueco, como partidos europeus de direita, parecia marginal, até risível, apenas há alguns anos atrás, agora são a terceira votação entre os partidos suecos. Estabelecidos, partidos políticos convencionais parecem completamente incapazes de se dirigir às lacunas no bem-estar que a direita está tão rapidamente preenchendo. Se uma resposta efetiva a um partido como os Democratas Suecos é possível, vai vir daqueles que ousam pensar diferente – e até estranhamente – sobre política, o futuro, e o futuro da política.

Fonte: Masha Gessen, escritora. New Yorker

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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